‘Governo não deve ser permissivo com crimes na Amazônia’

Waldez Góes, governador do Amapá e presidente do consórcio interestadual diz que discurso de Bolsonaro para a região precisa mudar

Por Chico Alves | ODS 15 • Publicada em 26 de agosto de 2019 - 13:59 • Atualizada em 26 de agosto de 2019 - 20:38

Incêndio na floresta perto do município de Candeias do Jamari, em Rondônia. Feita em 24 de agosto. Foto Victor Moriyama/Greenpeace/AFP
Incêndio na floresta perto do município de Candeias do Jamari, em Rondônia. Feita em 24 de agosto. Foto Victor Moriyama/Greenpeace/AFP
Incêndio na floresta perto do município de Candeias do Jamari, em Rondônia. Feita em 24 de agosto. Foto Victor Moriyama/Greenpeace/AFP

O fogo que há vários dias queima quilômetros de floresta na Amazônia vai ser o tema da reunião desta terça-feira entre os governadores da região, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Encontrar o ponto de convergência entre as autoridades é um dos principais fatores para debelar as chamas. “Vamos unir as forças das instituições federais com as estaduais, fazer um planejamento compartilhado. Não pode somente o governo federal ter a sua tese de intervenção”, diz Waldez Góes, governador do Amapá e presidente do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, que reúne os nove chefes de Executivo da região.

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Para Góes, as primeiras manifestações de Bolsonaro sobre os incêndios não foram positivas.  “Uma coisa é você defender alternativas de desenvolvimento e outra é abrir a guarda e ser permissivo com as pessoas que já cometem ilegalidades, fazendo com que se sintam autorizadas a continuar cometendo (crimes). Aí não dá”, diz ele. O governador acredita que esse posicionamento está sendo corrigido. Na reunião, a principal reivindicação dos governadores é que as ações integradas não se limitem ao momento de emergência, mas sejam permanentes. Para o governador do Amapá, o maior fator para a ocorrência de queimadas é a falta de cobertura de fiscalização:

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Não há qualquer ameaça à soberania. Os governadores têm a livre iniciativa de abrir contato com a China ou com outros países para discutir estratégias de desenvolvimento econômico, tratar de  projetos, captar recursos externos

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#COLABORA – Que proposta os governadores da Amazônia vão levar ao presidente Jair Bolsonaro?

WALDEZ GÓES – O que mais nós solicitamos é o ambiente do diálogo, da convergência, do entendimento, do apoiamento. Divulgamos uma carta em que pedimos a união de esforços das instituições federais com os governos estaduais. Mas também fazemos um indicativo de que no emprego da Garantia da Lei e da Ordem (instrumento que permite a utilização das Forças Armadas no combate ao fogo) esteja como objetivo prioritário a questão das queimadas e do desmatamento. Explicitamos no nosso ofício que queremos discutir a atuação de forma permanente dos órgãos federais e estaduais. Provavelmente, a gente vá avançar nessas discussões. Vou te dar um exemplo. Acho que foi ainda no governo Temer que foram desmobilizadas as brigadas civis de combate a incêndio. É um erro retirar aquele serviço, que está imobilizado e não é utilizado. Aqui no Amapá, por exemplo, tivemos um fogo que durou meses, no Lago do Piratuba, e foi providencial ter as brigadas. Lá no Mato Grosso, que tem milhares de quilômetros sendo queimados, se estivessem ali os homens da brigada atuando você não faz ideia da diferença. É um modus operandi muito bom, é funcional.

Governadores da Amazônia Legal reunidos em Macapá durante o 17º Fórum de Governadores da região, que aconteceu em março. Foto Divulgação

#COLABORA – O discurso do presidente e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, apontam para a redução de fiscalização na região. O que acha disso?

GÓES – Discordamos disso e vamos colocar bem claro. Uma coisa é você defender alternativas de desenvolvimento e outra é abrir a guarda e ser permissivo com as pessoas que já cometem ilegalidades, fazendo com que se sintam autorizadas a continuar cometendo (crimes). Aí não dá. Posso garantir que da parte dos governos da Amazônia temos utilizado o máximo dentro dos limites constitucionais para coibir mesmo. Mas não podemos ser responsabilizados pelo desmatamento no Pará e no Amazonas. Mais de 80% dessas áreas estão em reservas de responsabilidade do governo federal. Para evitar esse negócio de jogar a responsabilidade para um e para outro, decidimos que vamos unir as forças das instituições federais com as estaduais, fazer um planejamento compartilhado. Não pode somente o governo federal ter a sua tese de intervenção. (O governo federal) Foi bem quando deixou aberta a possibilidade de adesão à GLO, já que todos os governos têm muito conhecimento técnico, muita informação, muita experiência de lidar. Às vezes falta pessoal, falta material, falta equipamento, recursos tecnológicos. Por isso, pretendemos discutir um plano mais permanente de prevenção. Agora é combate ao fogo. Depois, prevenção e alternativas de desenvolvimento, mas não na linha permissiva. Nosso consórcio já no nome tem o compromisso com o desenvolvimento sustentável. E o nosso planejamento, já aprovado pelos nove governadores, tem indicativos de 26 projetos em comum, todos dentro da visão da sustentabilidade.

#COLABORA – Qual o principal fator para a ocorrência de desmatamento e queimada?

GÓES – É a falta de cobertura de fiscalização, do aparato de proibição do estado. A Amazônia é muito grande, é gigante. E, por melhor aparato que tenham, não é fácil para os estados cobrirem todas as áreas. Por isso é fundamental um plano integrado de órgãos federais com estaduais, visando a prevenção e o monitoramento, de vigilância e de punição dentro da lei daqueles que ousam praticar ilegalidades por achar que não vão ser punidos. Tem muito desmatamento por atividade madeireira que ocorre na Amazônia e vai provocando isso. Acho que em segundo plano há também participação de algumas atividades de agricultura, mas o principal é a atividade madeireira. Existe o problema do garimpo, mas é mais pontual, é problema menos de desmatamento e mais de poluição nos rios, igarapés… É outro tipo de agressão ambiental.

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Uma coisa é você defender alternativas de desenvolvimento e outra é abrir a guarda e ser permissivo com as pessoas que já cometem ilegalidades, fazendo com que se sintam autorizadas a continuar cometendo (crimes). Aí não dá

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#COLABORA – O que achou do encontro do ministro Salles com os madeireiros? Conversou com ele sobre isso?

GÓES – Conversei com ele antes de agosto, antes do fim do Fundo Amazônia. Não tem problema se reunir com os madeireiros, com os garimpeiros, com os agricultores. O governo, seja ele federal, estadual ou municipal, tem mesmo que dialogar. Mas nesse diálogo é preciso deixar muito claro que só vai permitir atividade dentro da legalidade total. Que aquele que esteja fora da lei e que se acha autorizado por algum discurso saiba que vai responder à luz da Justiça. Isso tem que ficar muito claro. Eu me reúno com os produtores de grãos ou com os madeireiros. Quando eles me fazem algum questionamento, eu digo que falta credibilidade a essas atividades. Ou porque algum madeireiro aceitou um documento ilegal, ou porque o fiscal acabou entrando na onda e cedeu um documento ilegal. Algumas vezes é só uma pessoa do poder público e uma pessoa do setor privado que praticaram irregularidades e isso acaba contaminando o ambiente. É preciso que todos estejam vigilantes para punir quem quer trabalhar fora da lei. Se não deixar claro isso, aquele mal-intencionado em qualquer atividade econômica vai se sentir autorizado pelo discurso feito. Se o discurso for somente “a Amazônia tem que produzir alimento, tem que produzir emprego, temos que mobilizar nossas riquezas minerais e florestais”, aí as pessoas vão achar que podem partir para o campo e fazer o que quiserem.

#COLABORA – O senhor avalia que o discurso do governo federal está assim?

GÓES – Acho que o discurso está um pouco aberto, é preciso que seja dito com todas as letras. Não tem nenhum problema de defender claramente a mobilização das riquezas da Amazônia em favor das pessoas que vivem aqui, do Brasil e até da comunidade internacional. Mas defender de forma sustentável. Não há incompatibilidade no desenvolvimento. A Amazônia exige que a gente entenda que os maiores ativos que temos são os ativos florestais, talvez não tenhamos ainda conhecimento, pesquisa, informação suficientes para mobilizá-los na intensidade ideal. Mas para mobilizar, tudo tem que ser feito com a devida responsabilidade ambiental e sustentabilidade. Seja madeira, ou qualquer outra coisa. Isso tem que ser dito com todas as letras. O Brasil tem uma boa legislação ambiental e é preciso deixar claro. Se for o caso de ter alguma flexibilidade, tem que haver um grande debate com a sociedade civil, com os empreendedores e com o Parlamento. Não tem como mudar uma lei sem passar por todos esses estágios.

#COLABORA – O que o sr. achou das acusações do presidente Bolsonaro às ONGs e aos governadores?

GÓES – Não é campo bom esse de buscar responsabilizar sem a devida prova. Um governador, um secretário, um ministro, um presidente da República quando levanta uma tese sobre uma situação de ilegalidade tem que estar com o respaldo de algum levantamento e colocar na mesa, porque a sociedade tem o direto de conhecer isso. Não me senti bem, como nenhum outro colega governador, quando a responsabilidade foi passada aos governadores. Mas qual governador? Aqui no Amapá, por exemplo, temos um número altamente positivo em relação a diminuição de desmatamento e de queimadas. Esse não é um discurso bom. Mas essa página já foi virada, entendeu-se que o diálogo e a união de esforços é o caminho correto. A transferência de responsabilidades estava indo para o caminho curto do insucesso e colaborando para o aumento do problema. Acho que agora estamos indo pelo caminho que deveria ser seguido desde o início.

#COLABORA – Com o fim do Fundo Amazônia, como os governadores da região estão conseguindo recursos para a preservação da floresta e o manejo sustentável?

GÓES – O Consórcio Amazônia está agendando uma reunião com representantes da Noruega e da Alemanha. É legítimo fazê-lo, porque a maioria dos estados da Amazônia está aplicando dinheiro fruto da contribuição desses países, captado pelo Fundo e administrado pelo BNDES. Como nós temos personalidade jurídica própria e podemos estabelecer parcerias com a comunidade internacional, estamos abrindo diálogo diretamente com esses governantes. Vamos tratar disso em setembro.

#COLABORA – Apoiadores do governo, como o general Villas Bôas, chegaram a falar que os interesses de alguns países na região ferem a soberania nacional. O sr. concorda?

GÓES – Não há qualquer ameaça à soberania. Os governadores têm a livre iniciativa de abrir contato com a China ou com outros países para discutir estratégias de desenvolvimento econômico, tratar de  projetos, captar recursos externos. O Brasil tem uma grande legislação. Eu sou nacionalista, o povo da Amazônia também e não permitiríamos uma parceria prejudicial à nossa soberania.

Chico Alves

Chico Alves tem 30 anos de profissão: por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Na maior parte da carreira atuou como editor-assistente na revista ISTOÉ, mais precisamente por 19 anos. Foi editor-chefe do jornal O DIA por mais de três anos. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho.

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