ODS 1
Felicidade vira curso na UnB
Disciplina pioneira ensina como é possível escapar da armadilha ilusória promovida pelas redes sociais
Tão amplificado pelas redes sociais em registros de viagens, festas e encontros de amigos, o conceito de felicidade acaba se esvaindo na vida real, que exige instrumentos mais sólidos na conquista do equilíbrio e bem-estar. Doutor em Psicologia, o professor Wander Pereira da Silva encara o desafio de ensinar a ser feliz, pela primeira vez em uma instituição pública no Brasil, a Universidade de Brasília.
Em um semestre, com 60 horas, a disciplina equivale a quatro créditos no curso de Engenharia de Software, que fica no campus Gama, o mais isolado entre os quatro da UnB, a 35 quilômetros da capital federal. A realidade do Gama, que engloba as engenharias automotiva, energia, eletrônica, espacial e software, envolve também evasão, depressão e suicídios de estudantes.
[g1_quote author_name=”Wander Pereira da Silva” author_description=”Coordenador do curso de Felicidade da UnB” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Estamos preocupados com a saúde mental no campus e, também, com os índices de evasão. Nossa aposta é que o aluno se questione: o que faz sentido na minha vida atualmente? E descubra as áreas em que precisa investir tempo e esforço
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Veja o que já enviamosTalvez por isso, assim que abriram as inscrições para Felicidade, a corrida foi grande pelas 240 vagas, todas preenchidas. “Nunca tinha visto uma aula tão cheia. Necessitamos deste debate, os índices de depressão vêm crescendo e recentemente tivemos seis casos de suicídios na UnB”, atesta Guilherme Guimarães Lacerda, de 20 anos, aluno do sétimo período de Engenharia de Software.
“A cobrança na universidade é muito grande, resta pouco tempo para lazer, que fica somente para o período de férias. É preciso humanizar o campus”, justifica Lucas Andrade, de 22 anos, outro inscrito na disciplina.
No 10º período do curso de engenharia de software, ele conta que sentia falta de “aproveitar o lado bom da universidade”. Para escapar da pressão, no sexto período, Lucas decidiu, por conta própria, postergar sua formatura em um ano, reduzindo o número de créditos por semestre: em vez das, habituais, seis matérias, ele passou a se inscrever em quatro.
A dificuldade de lidar com a pressão acaba sendo justamente o principal desafio dos estudantes, na opinião do professor Wander, que tem como objetivo desenvolver na turma a capacidade de resiliência. Mas, ele ressalta que a abordagem do curso não é individualizada e descarta o caráter de autoajuda ou de terapia em sala de aula.
“Estamos preocupados com a saúde mental no campus e, também, com os índices de evasão. Nossa aposta é que o aluno se questione: o que faz sentido na minha vida atualmente? E descubra as áreas em que precisa investir tempo e esforço”, explica Wander.
A iniciativa se inspira em experiências bem-sucedidas em Harvard e Yale, que integram a chamada Ivy League, o seleto clube das oito universidades mais prestigiadas dos EUA. Em Yale, o curso “Psychology and Good Life” tornou-se o mais popular em 317 anos de sua história. Coordenado pela professora Laurie Santos, é também oferecido online pela plataforma de educação Coursera. Ela se surpreendeu com a demanda: 1 em cada quatro estudantes da universidade frequentaram o curso.
“Eu esperava 50 pessoas para a primeira turma, mas tivemos 1.200. Acho que os alunos se sentem frustrados com a cultura estressante da universidade e procuram os passos concretos para se sentirem mais felizes”, conta Laurie.
Os dois professores não acreditam em fórmulas para a felicidade. “É uma condição subjetiva, o sentimento da felicidade é passageiro, precisa ser renovado”, avalia Wander, que fez o curso da professora de Yale pela internet.
“Pesquisas sugerem que há um conjunto de práticas que você pode fazer a cada dia para melhorar significativamente o seu bem-estar. São práticas simples – como ter tempo para agradecer, aprender a ser mais atento e tomar atitudes para ajudar os outros -, mas você precisa fazê-las regularmente para ver um efeito”, complementa Laurie.
No curso de Yale, há trabalhos e prova final; o aluno pode até ser reprovado, embora este não seja o objetivo. Já na UnB, a avaliação final será composta de propostas dos estudantes de ações concretas para gerar felicidade no campus. “Não queremos que os alunos se sintam como cobaias e não podemos condicionar o resultado da disciplina a uma mudança de conduta na vida deles”, explica o professor.
As aulas refletirão a forma como os estudantes manejam as redes sociais, aspecto importante da disciplina da UnB. Seu caráter ilusório funciona também como uma armadilha para uma geração que é nativa e está totalmente inserida no contexto digital.
O estudante Guilherme Guimarães Lacerda observa que são raros os posts de pessoas tristes: “Não convém seguir a tristeza. O Instagram, por exemplo, está longe de refletir a realidade.” Mas não adianta eliminar esta ferramenta do jovem ou impor a ele uma abstinência digital, assegura o professor responsável pela disciplina.
“As redes sociais não são tolerantes com a tristeza, que é uma condição natural da vida. Vamos ensiná-los a lidar com isso sem exageros e a busca intensa pela aprovação, que só gera ansiedade”, avalia Wander.
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Trabalhou de 1983 a 2018 no jornal O Globo, onde ingressou como repórter da Rio. Foi correspondente em Portugal entre 1991 e 1995. De volta ao Brasil, foi editora-adjunta de Mundo e editora dos Jornais de Bairro. Liderou a editoria Mundo entre 2004 a 2018. Em 2017, editou também Sociedade. Atualmente, escreve análises sobre assuntos internacionais para o portal G1.