‘Estou aqui pedindo socorro’, diz líder indígena

Anna Terra Yawalapit, diretora da Associação Terra Indígena do Xingu: “Bolsonaro quer destruir os povos indígenas, mas contribuímos com ar que ele respira” (Foto: Lauro Neto)

No Fórum Virada Sustentável, Anna Terra Yawalapit, do Alto Xingu, denuncia assassinato de integrantes de tribos e da própria floresta na Amazônia

Por Lauro Neto | ODS 15 • Publicada em 19 de outubro de 2019 - 09:57 • Atualizada em 21 de outubro de 2019 - 12:12

Anna Terra Yawalapit, diretora da Associação Terra Indígena do Xingu: “Bolsonaro quer destruir os povos indígenas, mas contribuímos com ar que ele respira” (Foto: Lauro Neto)
Anna Terra Yawalapit, diretora da Associação Terra Indígena do Xingu: "Bolsonaro quer destruir os povos indígenas, mas contribuímos com ar que ele respira" (Foto: Lauro Neto)
Anna Terra Yawalapit, diretora da Associação Terra Indígena do Xingu: “Bolsonaro quer destruir os povos indígenas, mas contribuímos com ar que ele respira” (Foto: Lauro Neto)

A indígena Anna Terra Yawalapit roubou a cena durante o Fórum Virada Sustentável, na tarde desta sexta-feira, na Casa Firjan. Diretora regional do Alto Xingu na Associação Terra Indígena do Xingu, ela se destacou no painel Amazônia e Mudanças Climáticas ao relatar o que sua aldeia tem sofrido na pele com desmatamento, queimadas e invasões de garimpeiros e grileiros. Em meio a nomes conceituados que compunham a mesa, como Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM);  Maria Fernanda Lemos, do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio;  Paula Gabriel, coordenadora de Cidades Sustentáveis da Fundação Amazonas Sustentável (FAS); e Eugênio Scannavino Netto, fundador do Grupo de Trabalho Amazônico,  Anna Terra foi reverenciada pelos demais integrantes e pela plateia.

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“O governo chama os povos indígenas de preguiçosos. É uma palavra tão mentirosa, que nem o presidente sabe o que está dizendo. A gente contribui com o ar que ele respira e que os filhos dele respiram. Ele quer destruir os povos indígenas, mas o que seria dele com a extinção dos povos indígenas? Ele fala que o interesse do Brasil é mineração, tirar ouro. O que será que aconteceria se destruísse a natureza, a floresta? Ninguém precisa ir pruma universidade para saber o que aconteceria se a gente ficasse sem nenhuma árvore. Estou aqui pedindo socorro, porque as plantas estão morrendo, sendo assassinadas, como nós dos povos indígenas. Nossos líderes estão sendo atacados por proteger a vida. Queria pedir que esse grito não fique só na nossa boca. Que façamos alguma coisa pela nossa Amazônia”, disse a indígena da etnia Yawalapit.

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Antes, nunca havíamos pensado em sair de nossas aldeias. Pensávamos que esse caos que está acontecendo nunca chegaria até a gente. Lá, você não vê ganância nem pessoas querendo matar uns aos outros ou querendo destruir a floresta. Pensávamos que uma desgraça tão ruim não chegaria até a gente. Não pensávamos em sair da nossa aldeia para vir palestrar e lutar pelos nossos direitos

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Uma das idealizadoras do Movimento de Mulheres do Xingu, que reúne 16 aldeias, Anna Terra foi escolhida para representar seu povo no evento e na exposição itinerante Mulheres do Xingu, da fotógrafa Sitah, que fica em cartaz na Casa Firjan até a noite deste sábado (19/10)  A mostra faz parte da iniciativa de levarem a mensagem da luta pela preservação da floresta para fora das aldeias e de se unirem a outras mulheres. As fotografias dessa série estão à venda, e 50% do lucro será destinado às mulheres indígenas do movimento.

 Na foto da artista Sitah, a cacique e pagé Mapulu Kamayurá – Divulgação/Sitah

“Cada povo tem sua liderança. O objetivo é mostrar a cara dessas lideranças. Através da exposição, trazer a mensagem delas. Se todas não podem vir, pelo menos uma representante tem que vir para trazer a mensagem delas”, explicou Anna Terra ao #Colabora. “Antes, nunca havíamos pensado em sair de nossas aldeias. Pensávamos que esse caos que está acontecendo nunca chegaria até a gente. Lá, você não vê ganância nem pessoas querendo matar uns aos outros ou querendo destruir a floresta. Pensávamos que uma desgraça tão ruim não chegaria até a gente. Não pensávamos em sair da nossa aldeia para vir palestrar e lutar pelos nossos direitos”.

Desmatamento: 46% das emissões brasileiras

Segundo Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM, 49% da Amazônia estão sob algum tipo de proteção legal, sendo 25% de terras indígenas, com uma diversidade sociocultural de mais de 170 etnias. “Isso é importante, porque recentemente temos enfraquecido esse sistema de proteção, tanto com os ataques e invasão às terras indígenas quanto às unidades de conservação”, ela destacou.

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Mais de 70% da emissão de gases vêm da área rural do Brasil. Estão diretamente associados ao desmatamento. Essa é a contribuição do nosso país para o nosso mundo. A Amazônia representa grande parte dessa emissão por mudanças de uso da terra. Tudo que foi desmatado entre 1990 em 2017, 42% foi desmatado na Amazônia

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A especialista ressaltou a importância do papel da Amazônia na limitação do aquecimento global, de acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Ela lembrou que eventos climáticos extremos têm ocorrido numa frequência maior, como vários anos de secas muito severas, incomuns antes da década passada.  Além dos incêndios florestais, que  estão abrangendo uma área maior. Ela observou que as mudanças climáticas são causadas principalmente pela quantidade de emissão de gases de efeito estufa, que vão para a atmosfera. De acordo com Ane Alencar, 46% das emissões brasileiras são decorrentes de mudanças de uso da terra (desmatamento).

“Se somarmos com os 24% de agricultura – o quanto é investido em agrotóxicos, transporte dos insumos agrícolas, a produção de gases do gado e da pecuária – mais de 70% da emissão vêm da área rural do Brasil. Estão diretamente associados ao desmatamento. Essa é a contribuição do nosso país para o nosso mundo. A Amazônia representa grande parte dessa emissão por mudanças de uso da terra. Tudo que foi desmatado entre 1990 em 2017, 42% foi desmatado na Amazônia”, ela avaliou.

Conforme Ane Alencar, os principais agentes indutores são relacionados à questão à questão da especulação fundiária e à exploração de terra e madeireiras. Os usos que ocupam a terra desmatada são, principalmente, a agricultura e pecuária de larga escala.

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A Amazônia regula o clima da América do sul. Se houver esse impacto, vai ter um colapso geral. Se houver redução da produção de água, os efeitos serão catastróficos. A floresta está ameaçada de se tornar uma savana até o fim do século. Esse processo é somado ao desmatamento particularmente com a pecuária. O impacto anunciado é dramático

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O médico Eugênio Scannavino, fundador do Grupo de Trabalho Amazônico, que congrega 650 entidades de povos tradicionais da Amazônia, respondeu as ilações do presidente Jair Bolsonaro de ONGs interessadas na internacionalização da floresta estariam envolvidas nas queimadas dos últimos meses e criticou a proposta de liberar a mineração em terras indígenas. Para ele, que também é criador do Projeto Saúde e Alegria, que leva atendimento médico a comunidades ribeirinhas, a Amazônia é um grande bônus tratado como ônus pelo Brasil.

“As ONGs estão lá para que a lei seja preservada, as reservas sejam preservadas, e as vidas sejam protegidas. As ONGs grandes tem auditorias. Somos supercontrolados.  Quem não aparece são igrejas evangélicas americanas e ONGs laranjas, ligadas aos políticos. O governo Bolsonaro tem como plano continuar a estrada para chegar até o Suriname, que é uma das reservas mais preservadas, para levar a mineração.  Vai levar garimpeiros ilegais e todo tipo de coisa horrível: 25% das áreas indígenas estão com requisição minerária.  O Rio Tapajós está sendo destruído . Onde eu moro é um rio de água barrenta, provocada pela mineração”, contou Scannavino, que mora na Região Amazônica.

Debate sobre Amazônia e Mudanças Climáticas durante o Fórum Virada Sustentável na Casa Firjan durante Fórum Virada Sustentável (Foto: Lauro Neto)

Floresta ameaçada

Maria Fernanda Lemos, que coordena o grupo de estudos em Planejamento Urbano e Mudança Climática do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da PUC-Rio, frisou que, se o desmatamento da Amazônia atingir 40% da área floresta, será um ponto irreversível tanto para barrar o aquecimento global quanto a sobrevivência do ciclo da floresta como é hoje.”A Amazônia regula o clima da América do sul. Se houver esse impacto, vai ter um colapso geral. Se houver redução da produção de água, os efeitos serão catastróficos. A floresta está ameaçada de se tornar uma savana até o fim do século. Esse processo é somado ao desmatamento particularmente com a pecuária. O impacto anunciado é dramático”, ela prevê.

Paula Gabriel, Coordenadora de Cidades Sustentáveis da Fundação Amazonas Sustentável (FAZ), também traçou um panorama desolador. Esta semana a FAS  tornou-se a primeira organização da América do Sul a ganhar o Prêmio UNESCO sobre Educação para o Desenvolvimento Sustentável. A premiação é concedida a soluções inovadoras capazes de transformar a realidade do meio ambiente, da economia e da sociedade por meio do desenvolvimento sustentável. No entanto, Paula mostrou-se desanimada com o tratamento dispensado pelo governo federal à Floresta Amazônica.

“Esse presidente fez com que a Amazônia entrasse em evidência por coisas ruins porque as pessoas estão morrendo. Qual é a justiça que tem aí? Os órgãos de fiscalização foram totalmente desarticulados no início do ano. Temos amigos quilombolas e indígenas que estão morrendo todos os dias. A floresta vai acabar. Está próxima do ponto que é irreversível. O solo vai ficar de um jeito que não terá mais o que fazer”, lamentou Paula.

Lauro Neto

Carioca, mas cidadão do mundo. De carona na boleia de um caminhão ou na classe executiva de um voo rumo ao Qatar, sempre de malas prontas. Na cobertura de um tiroteio na cracolândia do Jacarezinho ou entrevistando Scarlett Johansson num hotel 5 estrelas em Los Angeles, a mesma dedicação. Curioso por natureza, sempre atrás de uma boa história para contar. Jornalista formado na UFRJ e no Colégio Santo Inácio. Em 11 anos de jornal O Globo, colaborou com quase todas as editorias. Destaque para a área de educação, em que ganhou o Prêmio Estácio em 2013 e 2015. Foi colunista do Panorama Esportivo e cobriu a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.

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