Desmatamento na Mata Atlântica tem queda pequena e bioma segue sob ameaça

Área total desmatada caiu 14% em 2024, mas perda das matas maduras – com maior biodiversidade e estoque de carbono – teve redução de apenas 2%

Por Oscar Valporto | ODS 15 • Publicada em 12 de maio de 2025 - 06:01 • Atualizada em 12 de maio de 2025 - 09:45

Operação de combate ao desmatamento em área de Mata Atlântica, no Paraná, estado com grande redução no desflorestamento: bioma segue ameaçado (Foto: IAT-PR / Agência Estadual de Notícias – 22/05/2024)

Bioma mais degradado do Brasil, com apenas 12% de sua vegetação florestal bem preservada e madura, a Mata Atlântica segue sob ameaça, apesar da redução do ritmo de desmatamento nos últimos anos. Os dois principais sistemas de monitoramento do bioma mais ameaçado do país – o Atlas da Mata Atlântica, coordenado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), e o SAD (Sistema de Alertas de Desmatamento) Mata Atlântica, desenvolvido em parceria pela fundação e MapBiomas – apontam uma tendência de queda no desmatamento entre 2023 e 2024, mas seus dados, contudo, apontam uma redução modesta, com as suas florestas ainda sob forte pressão.

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De acordo com o monitoramento do Atlas, que acompanha fragmentos com mais de três hectares em áreas de mata madura, a perda de vegetação caiu de 14.697 hectares em 2023 para 14.366 hectares em 2024 – uma redução de apenas 2%, o que representa a emissão de cerca de 6,87 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, valor comparável às emissões anuais de Camarões ou do Distrito Federal brasileiro. Diretor executivo da SOS Mata Atlântica, o agrônomo e engenheiro florestal Luís Fernando Guedes Pinto explica que a queda registrada nos dados é tímida diante do necessário – que é o desmatamento zero. As perdas permanecem altas, principalmente em áreas historicamente críticas, e avançam sobre matas maduras, que são insubstituíveis em biodiversidade e regulação climática.

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Já o SAD do MapBiomas, com satélites capazes de detectar desmatamentos menores e enxergar áreas em regeneração, registrou queda de 14%. Foram 71.109 hectares desmatados em 2024 frente a 82.531 hectares do ano anterior. O total de alertas caiu de 7.396 para 5.693, mas a área média por evento subiu de 11,2 para 12,5 hectares. Isso indica desmatamentos maiores e mais concentrados, de acordo com os pesquisadores. “Em outras palavras, o desmatamento ainda representa uma grande ameaça para o futuro da Mata Atlântica. E esse é também o futuro de todos nós, já que o bioma abriga cerca de 70% da população brasileira e sustenta mais de 80% do PIB nacional”, destaca o diretor executivo da SOS Mata Atlântica.

O Atlas da Mata Atlântica, elaborado pela fundação em parceria com o Inpe desde 1989 para determinar a distribuição dos remanescentes da
Mata Atlântica, monitorar as alterações da cobertura vegetal e gerar informações permanentemente atualizadas, lembra desde estudos internacionais que indicam o bioma como um dos biomas prioritários no mundo a ser restaurado, devido à sua importância estratégica nestes tempos de emergência climática. “No contexto das crises globais do clima e da biodiversidade, das tragédias ambientais e das recorrentes crises hídricas no Brasil, a degradação da Mata Atlântica amplia o risco de colapso dos serviços ecossistêmicos essenciais à nossa qualidade de vida, à segurança alimentar e à economia do país”, afirma Guedes Pinto, doutor em Governança Florestal pela Universidade de Oxford.

Após queda expressiva na década passada, índice de desmatamento na Mata Atlântica tem redução insuficiente (Reprodução: Atlas da Mata Atlântica)
Após queda expressiva na década passada, índice de desmatamento na Mata Atlântica tem redução insuficiente (Reprodução: Atlas da Mata Atlântica)

Ameaças em estados do Nordeste

O Piauí e a Bahia lideram o ranking estadual, com, respectivamente, 26.030 e 23.218 hectares desmatados registrados pelo SAD do MapBiomas. Na Bahia, embora o total tenha caído 37% em relação ao ano anterior, a destruição de matas maduras do estado quase dobrou: passou de 2.456 para 4.717 hectares (aumento de 92%), como mostra o Atlas da Mata Atlântica. A redução de apenas 2% no desflorestamento, em comparação ao
período anterior, acende um sinal, especialmente diante do expressivo aumento de 92% nos índices registrados na Bahia”, destaca a análise do atlas da SOS Mata Atlântica.

No Piauí, o movimento foi inverso: a área total desmatada cresceu 44%, chegando a 26.030 hectares, como aponta o SAD, Mas a supressão de matas maduras diminuiu, monitorada pelo Atlas da Mata Atlântica caiu 53%. Os índices na Bahia e no Piauí apontam para uma tendência já registrada nos monitoramentos anteriores: o desmatamento avança em áreas de transição entre a Mata Atlântica e os biomas Cerrado e Caatinga Na região conhecida como Matopiba – acrônimo formado pelas iniciais dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e Bahia (BA) – onde há intensa expansão agrícola, ficam os municípios líderes em desmatamento da Mata Atlântica: Santa Rita de Cássia, no oeste da Bahia, e Manoel Emídio, no sul do Piauí.

De acordo com o SAD do MapBiomas, a expansão da agropecuária em áreas privadas ainda é o principal vetor de desmatamento da Mata Atlântica, respondendo pela ampla maioria dos alertas em 2024. Embora tenha havido redução da área desmatada em alertas menores que 50 hectares, as grandes derrubadas (acima de 50 hectares) permaneceram estáveis, o que elevou a área média suprimida por evento.

Os levantamentos mostram que, em 2024, mais de 70% das áreas desmatadas estavam em terras privadas ou em áreas sem registro fundiário formal (vazio fundiário), o que reflete a pressão fundiária e a necessidade de maior regularização e fiscalização. Nesmo com avanços no monitoramento e na fiscalização em fragmentos menores, a dinâmica de conversão de grandes áreas permanece ativa. “O tamanho das áreas desmatadas foram maiores, o que sugere uma concentração de grandes empreendimentos. Além das ações de comando e controle, é necessário garantir a aplicação da Lei da Mata Atlântica ao autorizar atividades econômicas no bioma e nos encraves florestais da Mata Atlântica, especialmente do Nordeste”, ressalta o geógrafo Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas e diretor da Arcplan, empresa de mapeamento e monitoramento ambiental que participa da elaboração do atlas e do SAD.

Área de Mata Atlântica submersa na Região Central do Rio Grande do Sul: desastre climático de 2024 levou a aumento de quase 3000% no desflorestamento (Foto: FAB - 02/05/2024)
Área de Mata Atlântica submersa na Região Central do Rio Grande do Sul: desastre climático de 2024 levou a aumento de quase 3000% no desflorestamento (Foto: FAB – 02/05/2024)

Tragédia climática no Sul devastou Mata Atlântica

Os dados divulgados nesta segunda-feira – 12 de maio, duas semanas antes do Dia Nacional da Mata Atlântica, comemorado em 27/05 – revelam o salto do desmatamento no Rio Grande do Sul causado principalmente pelos deslizamentos em decorrência do desastre climático provocado pelos temporais de abril e maio de 2024. Os eventos classificados como “desastres naturais” responderam pela maior parte dos 3.307 hectares desmatados no ano – um aumento de 2981% (pouco mais de 1600 hectares devastados), em relação a 2023, quando o estado tinha registrado o seu menor índice de desmatamento de Mata Atlântica (apenas 52 hectares).

De acordo com os autores do Atlas da Mata Atlântica, eventos climáticos extremos também impactaram áreas protegidas nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, evidenciando a vulnerabilidade das Unidades de Conservação diante das mudanças climáticas. “É urgente ampliar o foco da proteção ambiental. O desmatamento provocado por efeitos climáticos já é mensurável e ameaça até mesmo Unidades de Conservação. Se não houver ação coordenada entre proteção, uso da terra e adaptação climática, continuaremos repetindo a equação do desastre. E, diante desse cenário, é essencial acelerar a trajetória de redução do desmatamento para que a Mata Atlântica se torne o primeiro bioma brasileiro a alcançar o desmatamento zero, idealmente antes de 2030”, enfatiza Guedes Pinto.

De acordo com o monitoramento do Atlas da Mata Atlântica, o desflorestamento concentrou-se em cinco estados, responsáveis por 13.379 hectares desmatados, o que corresponde a 93% da perda total registrada no período: Bahia, Minas Gerais, Piauí, Rio Grande do Sul
e Mato Grosso do Sul. A Bahia, sozinha, respondeu por 33% de todo o desflorestamento. O levantamento aponta ainda que estados que tradicionalmente concentram grandes perdas como Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais mantiveram a tendência de queda verificada nos anos anteriores. O Paraná, por exemplo, reduziu em 64% o desmatamento das matas maduras.

Monitoramentos complementares

Desenvolvido desde 1989, o Atlas da Mata Atlântica monitora áreas a partir de 3 hectares e oferece uma “fotografia” anual da situação dos grandes fragmentos florestais do bioma – que são de maior importância para a biodiversidade e o estoque de carbono do bioma. Os dados inventariados e publicados no Atlas têm como objetivo proporcionar que municípios inseridos nos limites da Lei da Mata Atlântica possam organizar estratégias para conscientizar a população e políticas para proteção da vegetação natural.

“O Atlas fornece uma visão consolidada do que está acontecendo com os remanescentes mais valiosos da Mata Atlântica. Esses núcleos de biodiversidade são os mais difíceis de restaurar, por isso sua preservação é uma prioridade. Os números de 2024 evidenciam que ainda estamos longe da segurança ambiental e climática necessária para o país”, avalia Silvana Amaral, coordenadora técnica do Atlas pelo INPE.
Já o SAD Mata Atlântica, lançado em 2022, realiza o acompanhamento por alertas semanais e detecta desmatamentos em fragmentos a partir de 0,3 hectare. Seu objetivo é gerar uma documentação ágil e completa para cada alerta de desmatamento, buscando celeridade e eficácia nas ações dos diversos órgãos de fiscalização.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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