Brigadistas: ‘Só queremos voltar a proteger a floresta’

Primeira entrevista coletiva dos quatro integrantes da Brigada de Incêndio de Alter do Chão, no hotel Belo Alter, depois de deixarem a prisão. A partir da esquerda: Gustavo, Marcelo, Daniel e João. Foto Marizilda Cruppe.

Áudio enviado para o governador do Pará, Hélder Barbalho, revela envolvimento de invasores e de policiais no incêndio de Alter do Chão

Por Marizilda Cruppe | ODS 15 • Publicada em 1 de dezembro de 2019 - 21:02 • Atualizada em 1 de dezembro de 2019 - 21:38

Primeira entrevista coletiva dos quatro integrantes da Brigada de Incêndio de Alter do Chão, no hotel Belo Alter, depois de deixarem a prisão. A partir da esquerda: Gustavo, Marcelo, Daniel e João. Foto Marizilda Cruppe.
Primeira entrevista coletiva dos quatro integrantes da Brigada de Incêndio de Alter do Chão, no hotel Belo Alter, depois de deixarem a prisão. A partir da esquerda: Gustavo, Marcelo, Daniel e João. Foto Marizilda Cruppe.
Primeira entrevista coletiva dos quatro integrantes da Brigada de Incêndio de Alter do Chão, no hotel Belo Alter, depois de deixarem a prisão. A partir da esquerda: Gustavo, Marcelo, Daniel e João. Foto Marizilda Cruppe.

A pergunta que fechou a primeira entrevista coletiva dos quatro integrantes da Brigada de Alter do Chão buscava uma explicação para os verdadeiros interesses por trás das prisões e se eles poderiam estar sendo usados como bodes expiatórios. Marcelo Aron Cwerner, 36 anos, tomou o microfone e respondeu “Vale ressaltar que a gente sempre adotou uma postura totalmente apartidária, isso inclusive está presente no primeiro artigo do nosso estatuto, como instituição. A gente acredita nas ações, a gente acredita em trabalho. Nós deixamos de lado completamente qualquer tipo de elucubração, polarização ou posicionamento político. Nós somos a favor da natureza, a favor da vida”.

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Marcelo ainda não sabia das revelações de um áudio enviado pelo prefeito de Santarém, Nélio Aguiar (DEM), ao governador do Pará, Hélder Barbalho (MDB), publicadas pelo Repórter Brasil, na tarde deste domingo. No áudio, Aguiar diz que o “incêndio em Alter foi para vender terreno em área com policial por trás”. A gravação ainda indica que o prefeito e governador sabiam que o local atingido, na região do Lago Verde conhecida como Capadócia, é “uma área de invasores”, “que tem policial por trás, o povo lá anda armado”.

A coletiva atraiu a atenção da imprensa que encheu a sala de reuniões do hotel Belo Alter. Daniel, João, Gustavo e Marcelo chegaram vestindo a camisa amarela da Brigada. Daniel Gutierrez Govino, 36 anos, foi o primeiro a falar. Agradeceu a presença dos jornalistas “que tão dando a oportunidade para gente finalmente contar a verdade”, o apoio nacional e internacional, da família e dos amigos “nesse momento de injustiça não tá sendo fácil pra gente”. Foram treze perguntas respondidas em trinta e quatro minutos. Os brigadistas não se recusaram a responder nenhuma, apesar de não terem sido autorizados a comentar detalhes do inquérito policial que ainda não foi concluído e corre em segredo de justiça.

Área de Proteção Ambiental de Alter do Chão, nas margens do Lago Verde, onde ocorreu um incêndio de grandes proporções em setembro de 2019. Foto Marizilda Cruppe.

Os brigadistas sabiam que havia uma investigação da polícia civil sobre as causas do incêndio em andamento, embora não soubessem que eles mesmos seriam os suspeitos. O delegado Fábio Amaral Barbosa havia entrado em contato com eles por mensagem. Assim contou Daniel: “eu recebi uma mensagem por WhatsApp do delegado [Fábio Amaral Barbosa] e prontamente aceitei, liguei para ele para gente combinar e perguntar como seria isso. A gente marcou um horário e fomos lá. Não só fomos como a gente levou tudo o que a gente tinha para colaborar com as investigações. Foi uma conversa informal pelo WhatsApp, desde os dias de combate [ao incêndio] a gente já estava colaborando com a polícia e a gente ficou muito feliz de ir até lá, deixamos com eles Gigas de material e de fotos, eu e João somos fotógrafos. A gente faz imagem durante o incêndio porque não é qualquer um que tem coragem de ir até lá, então a gente precisa mostrar o que está acontecendo lá, né, então a gente levou esse material e a gente sempre colaborou com essas investigações. A conversa era de colaboração e a gente estava feliz de poder colaborar.”

Marcelo Aron Cwerner: “Nossa postura sempre foi apartidária”. Foto Marizilda Cruppe

O delegado Fábio Amaral Barbosa comentou, em várias entrevistas, sobre a existência de um vídeo que mostraria os brigadistas no início do incêndio, embora até o momento esse vídeo não tenha sido incluído como prova no inquérito policial. Perguntados sobre o vídeo, foi Daniel quem respondeu: “eu desconheço esse vídeo do início do incêndio, isso não existe, isso não existe. O delegado, na base, durante o combate [do incêndio],  chegou a comentar isso e eu falei ‘doutor se eu tivesse esse vídeo o senhor já estaria com ele na mão há muito tempo’. Porque é nosso interesse descobrir isso também, apesar de não ser nosso papel.”

João Victor Pereira Romano, preocupado com a filha. Foto Marizilda Cruppe

Daniel, João, Gustavo e Marcelo também responderam com mais detalhes sobre os seus álibis para o dia em que o incêndio começou, como o #Colabora havia publicado, no dia da audiência de custódia. Gustavo de Almeida Fernandes, 36 anos, contou: “eu, no dia que estourou o fogo, estava no casamento do irmão da minha namorada, na cidade de Batatais, interior de São Paulo, e recebi por WhatsApp, porque eu também faço parte do grupo do WhatsApp dos brigadistas, que havia um grande incêndio, e que era realmente um incêndio de altas proporções. Naquele momento foi difícil para mim poder festejar no casamento sabendo da ajuda que todos precisavam de mim.” Os outros três brigadistas também estavam fora da Área de Proteção Ambiental (APA). Um deles estava em um barco que participava da procissão do Sairé (festa típica da região), outro estava num barco com turistas em outro afluente do Tapajós, o terceiro cuidava de um familiar idoso que estava acamado.

Gustavo de Almeida Fernandes estava no casamento do irmão, em SP, quando o fogo começou. Foto Marizilda Cruppe

Mesmo tendo sido presos preventivamente e com inquérito policial ainda em andamento, os quatro brigadistas tiveram cabelos e barbas raspados assim que chegaram ao Centro de Triagem da Penitenciária Silvio Hall de Moura, em Santarém, antes mesmo que ocorresse a audiência de custódia. Perguntados sobre o impacto desta ação, quem respondeu foi João Victor Pereira Romano, 27 anos: “em relação ao meu cabelo, a gente foi super solícito porque a gente sabia da nossa inocência. Então, tudo que pediram a gente acatou para que se esclarecesse da forma mais rápida possível. Para mim foi um baque muito grande porque eu não sabia se minha filha ia me reconhecer com a cabeça raspada porque eu tenho uma filha de 10 meses. Foi um pouco duro esse aspecto, mas ali a gente entendeu como um procedimento e a gente quis colaborar para que a verdade viesse à tona o mais rapidamente possível.”

O inquérito policial segue normalmente, agora sob a coordenação do Diretor da Delegacia Especializada em Meio Ambiente, Waldir Freire Cardoso. A Corregedoria da Polícia Civil do Estado do Pará também vai apurar as investigações. O Ministério Público Federal ainda aguarda o envio do inquérito para análise da competência do caso – se é estadual ou federal – pois já existe uma investigação da Polícia Federal para apurar os incêndios florestais ocorridos na região.

Daniel Gutierrez Govino: “Momento de injustiça não está sendo fácil”. Foto Marizilda Cruppe

O que os brigadistas mais repetiram durante as respostas às perguntas dos jornalistas é que desejam retomar a normalidade de suas rotinas. “A missão da brigada de incêndio de Alter do Chão é a proteção da floresta, é o combate ao fogo, claro, mas a gente trabalha também com prevenção, com educação e a gente trabalha com articulação política. A gente trabalha com articulação dos atores públicos de Alter do Chão e Santarém, a gente existe por causa do 4º GBM e dos bombeiros militares de Santarém. A gente trabalha lado a lado com a prefeitura, com a SEMA [Secretaria Municipal de Meio Ambiente], com a administração de Alter do Chão e a gente só quer continuar esse trabalho e, principalmente, voltar à nossa vida normal”, concluiu Daniel.

Marizilda Cruppe

​Marizilda Cruppe tentou ser engenheira, piloto de avião e se encontrou mesmo no fotojornalismo. Trabalhou no Jornal O Globo um bom tempo até se tornar fotógrafa independente. Gosta de contar histórias sobre direitos humanos, gênero, desigualdade social, saúde e meio-ambiente. Fotografa para organizações humanitárias e ambientais. Em 2016 deu a partida na criação da YVY Mulheres da Imagem, uma iniciativa que envolve mulheres de todas as regiões do Brasil. Era nômade desde 2015 e agora faz quarentena no oeste do Pará e respeita o distanciamento social.

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Um comentário em “Brigadistas: ‘Só queremos voltar a proteger a floresta’

  1. Vera Corrêa disse:

    Marizilda, estou acompanhando seu excelente trabalho, em.busca de respostas verdadeiras. Obrigada por esta dedicação. Espero que consiga continuar a nos informar sobre os desdobramentos deste caso e que a verdade venha à tona.

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