Fogo no Paraíso, em plena Amazônia

Apontado por jornal inglês como um dos mais belos destinos do Brasil, Alter do Chão sofre há dias com a gigantesca queimada

Por Chico Alves | ODS 15 • Publicada em 16 de setembro de 2019 - 21:52 • Atualizada em 17 de setembro de 2019 - 15:17

O incêndio aconteceu em um momento em que Alter do Chão passava por uma fase especial, com um movimento crescente de turistas. Foto Emi Okada Pereira
O incêndio acontece em um momento em que Alter do Chão passa por uma fase especial, com um movimento crescente de turistas. Foto Emi Okada Pereira
O incêndio acontece em um momento em que Alter do Chão passa por uma fase especial, com um movimento crescente de turistas. Foto Emi Okada Pereira

O sábado, 14, começou alegre em Alter do Chão, o paradisíaco distrito do município de Santarém, no Pará, conhecido pelas praias de areias claras às margens do Rio Tapajós. Moradores e turistas se divertiram no primeiro dia da Festa do Sairé, uma tradicional comemoração que une sagrado e profano no confronto dos botos Tucuxi e Cor-de-Rosa, uma espécie de versão ribeirinha dos bois Garantido e Caprichoso. A abertura dos festejos teve dezenas de barcos decorados com bandeiras coloridas e os participantes levando nos ombros os mastros de madeira. Depois, como é tradicional, houve dança ao ritmo do carimbó. Ao fim dos festejos, porém, quando todos já voltavam para suas casas e hotéis, correu a notícia triste: a mata estava pegando fogo.

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O primeiro foco foi localizado por volta das 15h nas proximidades do Lago Verde, onde houve uma invasão de terras e loteamento ilegal. Desde 2016 a área se tornou zona de conflito agrário. Daniel Gutierrez, chefe da brigada de incêndio, foi chamado para o local e chegou duas horas depois. “Era fogo demais, começou a anoitecer, a gente recuou e combinou de voltar no dia seguinte”, conta ele, que é fotógrafo, trabalha com turismo e na emergência atua na brigada. “Quando, no dia seguinte, o sol esquentou e o vento ficou mais forte, o fogo veio como um monstro. Usamos drones e vimos vários focos”. Desde então, Exército, Polícia Federal, Defesa Civil e Secretaria do Meio Ambiente lutam contra a queimada.

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Aqui não há combustão espontânea na mata. Certamente houve ação humana

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Tudo em Alter do Chão e arredores é incomum, até mesmo a vegetação da área atingida pelo incêndio. Diferente da maior parte da Amazônia, a flora da região é uma espécie de cerrado. Ou savana amazônica. O Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, que estuda e monitora a vegetação há mais de 30 anos, catalogou várias espécies de animais endêmicos, ou seja, que habitam exclusivamente a região que está em chamas. Apesar de ser uma Área de Proteção Ambiental (APA), a ocorrência de invasões tem se intensificado. Um dos responsáveis foi inclusive condenado e está foragido, mas há vários grupos de invasores.

Voluntários da brigada de incêndio se revezam no combate às chamas. Foto Lauria de Sousa

A savana facilita a propagação das chamas. Lauria Sousa, funcionária de uma empresa de táxi aéreo, combate o fogo como voluntária. Ela ouviu de algumas testemunhas a versão de que um carro preto teria passado em algumas regiões, iniciando o incêndio. “Não sei dizer qual seria o objetivo, mas é o que dizem. Foram vários focos, isso é estranho”, diz ela. Lauria foi para o front no domingo e todos os dias volta para combater as labaredas. “Nessa época do ano sempre tem queimada, mas não com essa proporção”.

O incêndio acontece em um momento em que Alter do Chão passa por uma fase especial. Há um excelente movimento de turistas, certamente incentivados pela reportagem do jornal inglês “The Guardian”, que apontou o lugar como um dos mais belos destinos do país. No entorno do distrito principal há muitas outras praias de rio. “São lugares belíssimos que podem ser visitados de lancha, barco ou por terra”, elogia a aposentada Emi Okada Pereira, moradora de Santarém que frequenta as praias de Alter. Os turistas também ficam encantados com as florestas, lagoas, igarapés, igapós e canais, além da riqueza cultural das comunidades ribeirinhas e dos indígenas da etnia Borari.

Entre os brigadistas, uma certeza: “Aqui não há combustão espontânea na mata. Certamente houve ação humana”. Foto Divulgação

“Há muitos jornalistas estrangeiros aqui por causa da festa do Sairé. Fico imaginando se não foi um incêndio criminoso para mandar algum recado ao mundo”, especula Lauria. Já Daniel Gutierrez, que criou a Brigada de Incêndio há dois anos, prefere não opinar se o incêndio foi criminoso ou não, mas não tem dúvida quanto a um ponto: “Aqui não há combustão espontânea na mata. Certamente houve ação humana”.

O certo é que a área precisa de um Plano de Manejo para lidar com as invasões de terra e construções irregulares. Na noite de segunda-feira, 16, os brigadistas tinham a expectativa de que o incêndio estivesse perto do fim. “Assim espero, já chorei muito”, diz Lauria. Se isso acontecer, a Festa do Sairé, que vai ser retomada na quinta-feira, 19, poderá acontecer ao som do carimbó e no clima de alegria que combina mais com o paraíso que é Alter do Chão.

Chico Alves

Chico Alves tem 30 anos de profissão: por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Na maior parte da carreira atuou como editor-assistente na revista ISTOÉ, mais precisamente por 19 anos. Foi editor-chefe do jornal O DIA por mais de três anos. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho.

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