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Sebastião Salgado: ‘Hoje quem lidera a defesa da Amazônia são os próprios indígenas’
Premiado fotógrafo traz ao Rio sua exposição sobre o bioma e seus povos originários: "vivemos um momento de grandes ameaças e grandes esperanças"
No lançamento de sua exposição Amazônia, com 194 fotos do bioma e dos indígenas que lá vivem, o premiado fotógrafo Sebastião Salgado disse que o objetivo era, ajudar a “despertar consciências” e a “estimular o debate sobre o futuro” da região. Amazônia foi aberta em Paris, em maio de 2021, e há jogos (mostras com as mesmas fotos impressas) expostos em Avignon, na França, Manchester, na Inglaterra, Roma e São Paulo: o quinto jogo será aberto ao público no Rio, na quarta (19/07, no Museu do Amanhã. Sebastião Salgado acha que a mostra vem cumprindo seu papel. “Hoje quem lidera a defesa da Amazônia são os próprios indígenas. São eles os protagonistas. As organizações que antes faziam esse trabalho hoje são só apoio”, afirmou o fotógrafo, em entrevista ao #Colabora dias antes da abertura, enquanto acompanhava a movimentação da arquiteta e urbanista Lélia Wanick Salgado – mulher, parceira, ativa ambientalista e idealizadora e curadora de Amazônia.
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Os indígenas dividem o protagonismo da exposição com o próprio bioma: há fotos de crianças, adultos e idosos de 12 etnias e também imagens exuberantes das matas e dos rios – tudo em preto e branco na estética que consagrou o fotógrafo no mundo inteiro. É o resultado de sete anos de convivência de Sebastião e Lélia com a floresta e os povos originários, com quem eles mantêm contato permanente. “Todos os povos indígenas vivem com medo. Eles têm consciência da ameaça da destruição da floresta”, disse Salgado – nascido em Minas Gerais há 78 anos. O momento difícil vivido pela floresta e seus habitantes também não assusta Salgado. “Nós estamos num momento de grandes ameaças, mas também estamos num momento de grandes esperanças. Jamais as comunidades indígenas estiveram tão ameaçadas. E jamais elas estiveram tão organizadas “, destacou.
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Veja o que já enviamosAmazônia, a exposição, reúne fotografias feitas da terra, dos rios e do ar. E apresenta ainda dois espaços com projeções de fotografias: uma mostra paisagens florestais acompanhadas pelo poema sinfônico Erosão – Origem do Rio Amazonas, de Heitor Villa-Lobos (1887-1959); a outra traz uma sequência de retratos de índios, sonorizada por uma peça de Rodolfo Stroeter especialmente composta para a mostra. Sebastião e Lélia conceberam a exposição como uma imersão no universo exuberante da Amazônia, que atrai a atenção de todo o planeta. “A destruição da floresta significa toneladas de carbono jogadas imediatamente na atmosfera. E as pessoas têm consciência dessa ameaça. Por isso, acho que chegou o grande momento de defesa da Amazônia, uma defesa global da Amazônia”, frisou Salgado na entrevista.
#Colabora – Quando o senhor lançou a exposição, no ano passado, disse que o objetivo era despertar consciências: um ano depois, sente uma maior conscientização sobre a Amazônia?
Sebastião Salgado – Somente a exposição não é suficiente para despertar toda uma consciência sobre a Amazônia, mas ela é um instrumento, uma peça nesse debate. Nós temos três jogos dessa exposição acontecendo na Europa. Um esteve em Paris e agora está em Avignon (no sul da França): teve milhares de visitantes em Paris e teremos mais tantos em Avignon. Temos um segundo que abriu em Londres e agora está em Manchester (no leste da Inglaterra). E o terceiro jogo que começou em Roma e ainda está em Roma: devia acabar em fevereiro, mas teve tanto público que o encerramento ficou para abril e agora foi estendido até agosto. Então, isso mostra um interesse muito grande pelo tema. Mas o público de uma exposição é de centenas de milhares e o ideal seria mostrar essa exposição para centenas de milhões. Tudo o que pudermos fazer para essa exposição reverberar nós vamos fazer. Nós fazemos parte de um movimento. E o importante é o movimento e não há individualidade.
O senhor mantém contato permanente com os povos indígenas: como eles estão sentindo este momento do país?
Nós estamos num momento de grandes ameaças, mas também estamos num momento de grandes esperanças. Eu acho que a ameaça gerou uma reação. Jamais as comunidades indígenas estiveram tão ameaçadas. E jamais elas estiveram tão organizadas. Hoje quem realmente lidera a defesa da Amazônia são os próprios indígenas. As organizações que antes faziam esse trabalho hoje são só apoio. É extremamente importante o que está sendo feito hoje na Amazônia. Até 2020, os brasileiros pareciam não ter o menor interesse pela Amazônia. Hoje, possivelmente, com mais de dois anos de ataques sobre a Amazônia, de ameaça de extinção das comunidades indígenas, houve um despertar da opinião pública em direção da defesa do bioma e da defesa dos povos indígenas. E, possivelmente, o Brasil hoje seja o país de vanguarda na defesa de seu território amazônico.
Então o senhor está otimista com o futuro da Amazônia?
O bioma Amazônia representa 49,25% do território brasileiro. É a maior reserva de riquezas do planeta. Essa reserva de riquezas pertence aos brasileiros. E os brasileiros se despertaram: eu acho que o futuro será brilhante. Acho que nós vamos conseguir proteger e defender o bioma e a comunidade indígena. E vamos conseguir recuperar uma parte da Amazônia que foi destruída. O planeta inteiro está preocupado com a Amazônia. Uma grande parte da corrente de umidade que viaja pelo planeta vem da Amazônia. Existe mais água que deixa a Amazônia por via aérea, levada pelas nuvens, do que a quantidade de água que o Rio Amazonas despeja no Oceano Atlântico a cada dia. Isso vai para todo o planeta. E as pessoas sabem disso: da importância da biodiversidade da Amazônia e a ameaça que a destruição da floresta representa. Não só a perda de tudo isso. Mas também a bomba de carbono que significa a destruição da Floresta Amazônica pelo foto como está acontecendo. Essas árvores são carbono puro. Madeira é carbono puro que foi acumulado aqui por bilhões de anos. A destruição da floresta significa toneladas de carbono jogadas imediatamente na atmosfera. E as pessoas têm consciência dessa ameaça. Por isso, acho que chegou o grande momento de defesa da Amazônia, uma defesa global da Amazônia.
Mesmo com um governo que ataca sistematicamente a Amazônia e tem aliados e aprovação na própria região?
Eu não estou de acordo com você quando fala do governo brasileiro. É o Poder Executivo do governo brasileiro. O governo é composto de Três Poderes. o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O Executivo tem uma agressividade profunda contra o bioma amazônico. O Legislativo não sabe para que lado vai, ele é completamente indeciso. Uma parte dele é super oportunista, outro parte é aliada, militante na defesa da Amazônia: então, o Legislativo meio se anula. E temos o Judiciário que, hoje, é um grande aliado na proteção do bioma Amazônia. Então, nós devemos falar do Executivo do governo brasileiro. A base de destruição da Amazônia pelo Executivo nem é ideológica. É doar a floresta para um grande número de pessoas que acham que podem ter um privilégio com a exploração de um pedaço de terra, tendo direito de explorar como garimpeiro ou de roubar árvores. tendo o direito de entrar para fazer pesca ilegal. Ele tenta privilegiar esse grande número de pessoas para ter um retorno eleitoreiro.
São esses privilegiados que apoiam o governo na região?
Acho que as pessoas que aparecem nessa amostragem da Amazônia são pessoas com esses privilégios. Com esse privilégio ilegal, com esse privilégio violento. A violência entrou fortemente na Amazônia com esse governo. Milícias que eram características das periferias dos grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro e outros, foram transferidas para a Amazônia por este governo, que é um governo originário das milícias. Não é que essas pessoas, que estão lá e constituem a base errada, representem estatisticamente um país. No conjunto do povo brasileiro, esse governo, as pesquisas apontam, não está bem referenciado. Essa certa aprovação vem daqueles que estão recebendo privilégios ilegais do governo.
Não será também porque muitos moradores da região nunca usufruíram da riqueza que a floresta poderia dar?
Porque a opção econômica foi totalmente errada. Nós entramos na Amazônia com um projeto predatório que privilegia pouquíssimas pessoas. Olha o sistema de exploração de minerais na Amazônia, que é feito basicamente através do garimpo: os garimpeiros são paupérrimos, aquela exploração predatória não serve a eles. Serve a alguns grupos que fornecem material para os garimpos e existe um monopólio de alguns grupos que compram os minérios, muitas vezes, de maneira ilegal. As grandes fazendas de gado ou de soja na Amazônia, que derrubam centenas de árvores, empregam pouquíssimas pessoas. Só são beneficiados o grande capital, o proprietário daquele empreendimento. Mas não são empreendimentos distribuidores de riqueza. O projeto econômico para a Amazônia é um projeto errado.
E qual seria o projeto certo na sua visão?
Eu acho que existe a possibilidade de um outro projeto para a Amazônia. Milhares de pessoas moram em comunidades ribeirinhas que têm uma agricultura de subsistência – porque só pode ser desenvolvida na baixa dos rios, e vivem também do extrativismo. Essas pessoas podiam ser integradas em um projeto maior. Hoje existe uma demanda planetária por bens ecológicos e a Amazônia poderia atender essa demanda do planeta, integrando essas populações de uma maneira responsável dentro de um comércio justo., através de um sistema de cooperativas que fosse bom para essas populações. Nós poderíamos criar na Amazônia o maior espaço turístico do planeta, onde você empregaria uma grande quantidade de pessoas em hotéis flutuantes, operando barcos e em outras atividades ligadas a um turismo sustentável. Não precisaria derrubar uma árvore para criar o maior projeto turístico do planeta. A partir da Amazônia, você poderia criar uma revolução na indústria farmacêutica ou cosmética. Só um líder indígena, Bira Yawanawá, isolou duas mil e quinhentas plantas medicinais. Existe muitas alternativas econômicas na Amazônia, que iriam gerar mais riqueza do que essa exploração predatória de hoje, e criar uma verdadeira rede de distribuição de renda.
O senhor tem contato com os povos indígenas. Tem alguma que se sinta mais ameaçado?
Tenho contato permanente. E todos os povos indígenas se sentem ameaçados. Todos têm consciência que a destruição do bioma Amazônia é a destruição do patrimônio de vida deles. É um problema espacial. Esses predadores necessitam da terra deles, necessitam da floresta onde eles vivem. As comunidades indígenas ocupam 25,2% do espaço amazônico: são territórios protegidos pela lei, pela própria Constituição. As áreas de conservação permanente, como os parques nacionais, representam outros 25,9%. Portanto, pouco mais de 50% da terra na Amazônia é protegida por lei. A destruição da Amazônia vem sendo feita, principalmente, em terras devolutas, em terras públicas, do governo. Hoje, a maioria dessas terras são florestas de igapó, florestas que ficam inundadas seis meses por ano e não servem a nenhum projeto agrícola. Por isso, hoje existe uma pressão imensa sobre os territórios indígenas porque os indígenas são agricultores, agricultores que chegaram aqui há milhares de anos e tiveram o privilégio de poder escolher a terra para viver. Não foram viver em florestas de igapó porque essas áreas não servem a qualquer produção agrícola, nem de indígenas, nem do grande capitalista. Então, onde está a terra boa para agricultura hoje? Nos territórios indígenas. E, por isso, há essa tentativa de desestabilizar as instituições de proteção: para poder penetrar nos territórios indígenas que são os únicos que servem para o agronegócio.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade