Os fantasmas que atormentam a baía do pré-sal

Governo federal tem mais uma chance de induzir a solução definitiva para a vergonha das carcaças de embarcações na Baía de Guanabara

Por Emanuel Alencar | ODS 14 • Publicada em 16 de novembro de 2022 - 10:39 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 20:06

Se a Guanabara é um extenso estacionamento de navios, nada mais justo que essas embarcações paguem uma taxa para garantir recursos a ações para melhorias ambientais no ecossistema. Foto Antonio Scorza/AFP

“Demos hoje um passo importantíssimo que contribuirá para a despoluição da Baía de Guanabara ao retirar as embarcações que estão aqui há décadas”. A fala, carregada de otimismo, é de Marcelo Crivella há exatos dez anos – quando ocupava o posto de ministro da Pesca e Aquicultura do governo Dilma Rousseff. Corta para novembro de 2022: 78 carcaças, restos de embarcações e parafernálias seguem espalhadas por todo o espelho d’água da mais emblemática baía urbana fluminense. Uma barafunda que ficou evidente com o episódio melancólico do choque do navio São Luiz, à deriva, num pilar da Ponte Rio-Niterói, no último dia 14.

Numa baía que dá suporte à milionária indústria do petróleo e do gás do pré-sal, a presença dos chamados cascos soçobrados – jargão para barcos e navios abandonados – mais do que constrange. Exprime a incapacidade de promovermos políticas públicas básicas para se fazer o óbvio: mandar toneladas de alumínio, aço e madeira para a reciclagem. Ou simplesmente descartar o que for inservível, em local adequado.

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Há exemplos, e muitos, de sucessos na remoção desses destroços em baías, enseadas e mares – já que o problema é global. Porque bem conhecidos são os impactos negativos das embarcações abandonadas no ambiente marinho, bloqueando canais de navegação, danificando os ecossistemas e diminuindo o valor recreativo de extensos territórios. Na Califórnia, a Marinha tem um programa irrigado por dois fundos específicos para lidar com o problema. Na França, 26 centros fazem a coleta dos destroços adernados para a reciclagem, lembra o professor Newton Narciso Pereira, do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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Alguns dos muitos fantasmas que atormentam a Baía de Guanabara. Foto Relatório Sedrap
Alguns dos muitos fantasmas que atormentam a Baía de Guanabara. Foto Relatório Sedrap

Saem sete, ficam 16

Por aqui, a história recente mostra uma tentativa fracassada de resolver o problema no Canal de São Lourenço, localizado entre a Ilha da Conceição e o litoral de Niterói, onde o caos é mais agudo. Numa parceria do governo do Estado com a Marinha, foram feitos dois leilões para pôr um fim a 23 cascos soçobrados na região, em 2013. Num valor total de R$ 65.680, a Tanquefer Comercial de Tanques e Nelson Baptista Ruy deveriam retirar antigas traineiras, chatas, navios, plataformas. Mas relatório da antiga Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional, Abastecimento e Pesca (Sedrap), de março de 2015, verificou que apenas sete tinham sido retiradas integralmente ou parcialmente.

Quem acompanhou o processo diz que a Tanquefer só retirou os bens adernados com maior valor de mercado – o clássico caso em que o filé é consumido e os ossos ficam para trás. A Prefeitura de Niterói promete, agora, resolver a bagunça no Canal de São Lourenço, com a ativação do Centro Integrado de Pesca Artesanal (Cipar), no Barreto – que jamais funcionou apesar de inaugurado em três ocasiões -, junto à dragagem do porto de Niterói e acessos aos estaleiros, além da retirada do material abandonado. Ações coordenadas fundamentais para dinamizar uma atividade econômica fundamental em tempos de bolso e barriga vazios.

Fato é que o novo governo Lula precisa dar uma resposta tão logo assuma, em janeiro de 2023. A Capitania dos Portos, braço da Marinha responsável pela fiscalização da baía, precisa avançar na fiscalização e em ações proativas com diferentes órgãos. Se a Guanabara é um extenso estacionamento de navios, nada mais justo que essas embarcações paguem uma taxa para garantir recursos a ações para melhorias ambientais no ecossistema. Os fantasmas que seguem atormentando a baía do pré-sal precisam descansar em paz.

Emanuel Alencar

Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.

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