Brasil perdeu um terço das áreas naturais pela ação humana em quase 40 anos

Apesar da supressão acelerada, 37% dos municípios brasileiros recuperaram vegetação nativa, indica nova coleção do Mapbiomas

Por Oscar Valporto | ODS 14ODS 15 • Publicada em 21 de agosto de 2024 - 00:50 • Atualizada em 6 de setembro de 2024 - 09:48

Rebanho de gado em área desmatada na Amazônia: enquanto perda de áreas naturais chegou a um terço do território do Brasil, área de pastagem aumentou 79% e a de agricultura cresceu 228% desde 1985 (Foto: Marizilda Cruppe / Greenpeace – 30/07/2024)

Novos dados do MapBiomas sobre cobertura e uso da terra revelam um Brasil com perda acelerada de áreas naturais – atingindo um terço (33%) do território nacional – mas com 37% de seus municípios registrando ganho recente (entre 2008 e 2023) de vegetação nativa. As muitas variáveis do uso da terra no país – em relação a cada bioma, ao tipo de floresta, ao relevo, à destinação das áreas – são destaques na Coleção 9 de mapas anuais de cobertura e uso da terra do MapBiomas, lançada nesta quarta-feira (21/08). “Atingimos uma marca histórica de 33% de perda, mas essa perda não é homogênea, há muitos contrastes regionais, muitas variáveis. São dados que precisam embasar o debate público num país que precisa enfrentar o agravamento da crise climática”, destacou o biólogo Eduardo Vélez, doutor em Ecologia e pesquisador do Mapbiomas, em entrevista coletiva virtual para o lançamento da coleção.

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De acordo com o Mapbiomas, a perda histórica de áreas naturais até 1985 totalizava 20% (cerca de 170 milhões) do território de 851 milhões de hectares do Brasil. Nos 39 anos seguintes (1985-2023), essa perda cresceu para outros 110 milhões de hectares, um avanço de mais 13 pontos percentuais, totalizando em 2023 a marca de 33% – metade desse total (55 milhões de hectares) foi perdido na Amazônia. O Brasil, entretanto, ainda tem 64,5% de seu território coberto por vegetação nativa – as áreas naturais também incluem superfície de água e áreas naturais mas sem vegetação, como praias e dunas. Em 1985, a vegetação nativa representava 76%.

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No período de análise do MapBiomas, a área de pastagem aumentou 79% – 72,5 milhões de hectares de 1985 a 2023 – e a de agricultura cresceu 228%, um acréscimo de 42,4 milhões de hectares. A agropecuária avançou de 28% para 47% no Cerrado; de 28% para 45% no Pampa; de 3% para 16% na Amazônia; de 5% para 17% no Pantanal; de 28% para 38% na Caatinga; e de 63% para 65% na Mata Atlântica. Em 1985, 48% dos municípios tinham o predomínio da agropecuária; enquanto em 2023, esse predomínio chegou a 60% dos municípios. Mais da metade (60%) da perda de vegetação nativa no país está em propriedades privadas, onde a vegetação nativa já ocupa menos da metade.

A perda da vegetação nativa por bioma: maior em número absolutos na Amazônia; em percentual, no Cerrado e no Pampa (Arte: Mapbiomas)
A perda da vegetação nativa por bioma: maior em número absolutos na Amazônia; em percentual, no Cerrado e no Pampa (Arte: Mapbiomas)

Em área total, Amazônia e Cerrado são os biomas que mais perderam área de vegetação nativa. Na Amazônia, foram 55 milhões de hectares, ou uma redução de 14% nos últimos 39 anos. Com isso, a Amazônia brasileira tem hoje 81% coberto por florestas e vegetação nativa –o que a coloca muito próximo da margem estimada pelos cientistas para seu ponto de não retorno, estimado entre 80% e 75% de vegetação nativa. Esses 81% incluem 8,1 milhões de hectares (3%) de vegetação secundária, ou seja, que cresceu novamente depois de ser desmatada. “A perda da vegetação nativa nos biomas brasileiros tende a impactar negativamente a dinâmica do clima regional e diminui o efeito protetor durante eventos climáticos extremos. Em síntese, representa aumento dos riscos climáticos”, frisou o coordenador-geral do MapBiomas, Tasso Azevedo.

No Cerrado, 38 milhões de vegetação nativa foram suprimidos entre 1985 e 2023 – uma queda de 27%. Dez por cento do Cerrado (9,7 milhões de hectares) são cobertos por vegetação secundária. Proporcionalmente em relação ao próprio tamanho, Cerrado e Pampa são os biomas que mais perderam área de vegetação nativa. No caso do Pampa, a perda entre 1985 e 2023 foi de 28% (3,3 milhões de hectares). “Há uma tendência de aceleração da perda no Cerrado, no Pampa e também no Pantanal. São dinâmicas diferentes mas caminham na mesma direção de supressão da vegetação nativa”, acrescentou Eduardo Velez na entrevista coletiva.

Perdas e ganhos de vegetação nativa nos municípios (Arte: Mapbiomas)

Municípios recuperam vegetação nativa

Além de atualizar as informações até 2023 para as 29 classes mapeadas, a Coleção 9 inclui o balanço de ganho e perda de vegetação nativa nos municípios a partir de 2008, ano em que foi instituído o Fundo Amazônia e também quando foi editado o Decreto nº 6.514, que conferiu efetividade ao Código Florestal então vigente ao estabelecer multas para os casos de descumprimento de suas regras. Em 37% dos municípios brasileiros houve ganho recente de vegetação nativa; em outros 18%, foi registrada entre 2008 e 2023: são cidades onde o ganho e perda da vegetação foram menores que 2%.

O bioma com maior percentual de municípios onde a área de vegetação nativa cresceu nesses 16 anos foi a Mata Atlântica: 56%. Porém quase metade dos municípios brasileiros (45%) perderam vegetação nativa no período. O bioma com a maior proporção de municípios com perdas acentuadas de vegetação nativa (acima de 15%) é o Pampa: 35%. Quando são consideradas todas as perdas nesse período (a partir de 2%), o bioma com mais municípios com perdas de áreas naturais é o Pantanal (82%). Os estados com maior proporção de municípios com ganho de vegetação nativa são Paraná (76%), Rio de Janeiro (76%) e São Paulo (72%).

Nas áreas urbanizadas, perda da vegetação foi maior nas encostas (Arte: Mapbiomas)

Outra novidade da Coleção 9 é a análise – inédita – de como como a perda de vegetação nativa é afetada pelo relevo nos 281 milhões de hectares de áreas antrópicas no Brasil. “Nas zonas rurais, a maior perda de vegetação nativa nesse período foi em áreas mais planas, tomadas por pastagens e produção agrícola. Nas áreas urbanas, houve uma perda maior em áreas de encostas, exatamente as mais suscetíveis a eventos climáticos extremos”, destacou a geógrafa Bárbara Costa, pesquisadora da equipe Cerrado do Mapbiomas. O crescimento das áreas urbanizadas em encostas entre 1985 e 2023 foi de 3,3% ao ano, maior do que das áreas urbanizadas em geral (2,4%).

Ameaças no Matobipa e Amacro

Dos 27 estados da federação, apenas um – o Rio de Janeiro – teve aumento de vegetação nativa no período avaliado, que passou de 30% para 32% de seu território. Os demais 26 estados tiveram redução, sendo que as mais expressivas foram em Rondônia (de 93% em 1985 para 59% em 2023), Maranhão (de 88% para 61%), Mato Grosso (de 87% para 60%) e Tocantins (de 85% para 61%). A área de pastagem passou de 6% para 38% em Rondônia; de 5% para 29% no Maranhão; de 6% para 24% no Mato Grosso; e de 7% para 30% no Tocantins. Os estados com maior proporção de vegetação nativa são Amapá (95%), Amazonas (95%) e Roraima (93%); os estados com menor proporção são Sergipe (20%), São Paulo (22%) e Alagoas (23%).

As expressivas reduções da vegetação nativa no Maranhão e no Tocantins são reveladoras da perda desenfreada de vegetação nativa, basicamente do Cerrado, na região do Matopiba – fronteira agropecuária formada por partes do território de Maranhão (norte do estado), Tocantins (sul), Piauí (norte) e Bahia (oeste). “Na região do Matopiba, nenhum município sequer registrou ganho de vegetação nativa. Há uma perda acelerada como já mostrou o nosso RAD (Relatório Anual de Desmatamento)”, afirmou Marcos Rosa, geógrafo e coordenador técnico do Mapbiomas. Na Amazônia, todos os municípios da região da Amacro – fronteira agrícola na divisa dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia – tiveram perda de vegetação nativa, repetindo a tendência do Matopiba.

Florestas públicas não destinadas (FPDNs) perderam 3,6 milhões de hectares desde 1985 (Arte: Mapbiomas)

Perdas nas florestas não protegidas

O MapBiomas também analisou pela primeira vez a perda de cobertura vegetal nas florestas públicas não destinadas (FPDNs) – áreas sob domínio público, mas que ainda não têm um uso específico definido como Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Concessões Florestais, e que aguardam uma destinação formal. Elas ocupam 13% da Amazônia Legal e têm 92% de sua área coberta por vegetação nativa, o equivalente a 60 milhões de hectares. “Essas áreas são alvos comuns de grilagem: são desmatadas para ocupação e tentativa de legalização”, explicou Marcos Rosa. De acordo com a análise, em 39 anos, as FPNDs perderam 3,6 milhões de hectares da vegetação nativa.

O coordenador técnico do Mapbiomas também destacou a importância de destinação dessas áreas para sua transformação em terras protegidas. “É fundamental acompanharmos essa dinâmica para saber como essas áreas públicas estão sendo ocupadas enquanto não há destinação”. A área ocupada pelas florestas públicas sem destinação chega a 60 milhões de hectares, uma área maior que o estado de Minas Gerais.

As áreas mais preservadas do Brasil continuam sendo as Terras Indígenas (TIs) que cobrem 13% do território nacional: são 118 milhões de hectares de vegetação nativa preservada, 19% de toda a vegetação nativa do país. De 1985 a 2023, as terras indígenas perderam menos de 1% de sua área de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas foram 28%.

Na Coleção 9, pela primeira vez a vegetação nativa mapeada foi relacionada com as diferentes fitofisionomias – tipos de vegetação que se encontram num determinado bioma – reconhecidas pelo IBGE em seu Mapa de Vegetação do Brasil. Nos últimos 39 anos, as fitofisionomias de Estepe no Pampa, Savana no Cerrado e Floresta Estacional Sempre-verde no sul da Amazônia foram as que, proporcionalmente, mais perderam vegetação nativa.

A Floresta Estacional Semidecidual – que depende das variações sazonais de temperatura e umidade e reúne várias espécies que perdem parcialmente suas folhas – e a Floresta Ombrófila Mist – também conhecida como Mata com Araucária, que depende de chuvas constantes ao longo do ano – foram as tipologias mais exploradas historicamente, sendo que, até 1985, ambas já tinham sido reduzidas a menos de 50% da sua área de distribuição original. “As florestas no Brasil são muito diversas com características e espécies típicas de cada região, que estão sujeitas a diferentes graus de ameaça. Esta diversidade deve ser levada em conta em políticas públicas para conservação e bioeconomia destas florestas“, disse Eduardo Vélez, do MapBiomas.

Na Coleção 9, o MapBiomas lançou ainda a versão beta do mapeamento de recifes de coral em águas rasas, que podem ser detectados por satélites com sensores óticos. Tratam-se de habitats marinhos, formados pelo acúmulo progressivo do esqueleto calcário de corais e algas. O mapeamento revelou 20,4 mil hectares de recifes de coral na costa leste do Brasil. A maior parte deles (72%) se encontram em Unidades de Conservação Marinhas, sendo que uma delas – a APA Ponta da Baleia / Abrolhos – responde por 33% de toda a área mapeada. “A exuberância dos corais do Brasil, e do mundo, está ameaçada pelo aumento da temperatura média dos oceanos, condição que leva ao branqueamento do coral e, eventualmente, à sua morte” explicou Cesar Diniz, da equipe de mapeamento da Zona Costeira do MapBiomas, lembrando que 25% de toda a vida marinha é dependente dos corais em algum momento.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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