Novos dados do MapBiomas sobre cobertura e uso da terra revelam um Brasil com perda acelerada de áreas naturais – atingindo um terço (33%) do território nacional – mas com 37% de seus municípios registrando ganho recente (entre 2008 e 2023) de vegetação nativa. As muitas variáveis do uso da terra no país – em relação a cada bioma, ao tipo de floresta, ao relevo, à destinação das áreas – são destaques na Coleção 9 de mapas anuais de cobertura e uso da terra do MapBiomas, lançada nesta quarta-feira (21/08). “Atingimos uma marca histórica de 33% de perda, mas essa perda não é homogênea, há muitos contrastes regionais, muitas variáveis. São dados que precisam embasar o debate público num país que precisa enfrentar o agravamento da crise climática”, destacou o biólogo Eduardo Vélez, doutor em Ecologia e pesquisador do Mapbiomas, em entrevista coletiva virtual para o lançamento da coleção.
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De acordo com o Mapbiomas, a perda histórica de áreas naturais até 1985 totalizava 20% (cerca de 170 milhões) do território de 851 milhões de hectares do Brasil. Nos 39 anos seguintes (1985-2023), essa perda cresceu para outros 110 milhões de hectares, um avanço de mais 13 pontos percentuais, totalizando em 2023 a marca de 33% – metade desse total (55 milhões de hectares) foi perdido na Amazônia. O Brasil, entretanto, ainda tem 64,5% de seu território coberto por vegetação nativa – as áreas naturais também incluem superfície de água e áreas naturais mas sem vegetação, como praias e dunas. Em 1985, a vegetação nativa representava 76%.
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Veja o que já enviamosNo período de análise do MapBiomas, a área de pastagem aumentou 79% – 72,5 milhões de hectares de 1985 a 2023 – e a de agricultura cresceu 228%, um acréscimo de 42,4 milhões de hectares. A agropecuária avançou de 28% para 47% no Cerrado; de 28% para 45% no Pampa; de 3% para 16% na Amazônia; de 5% para 17% no Pantanal; de 28% para 38% na Caatinga; e de 63% para 65% na Mata Atlântica. Em 1985, 48% dos municípios tinham o predomínio da agropecuária; enquanto em 2023, esse predomínio chegou a 60% dos municípios. Mais da metade (60%) da perda de vegetação nativa no país está em propriedades privadas, onde a vegetação nativa já ocupa menos da metade.
Em área total, Amazônia e Cerrado são os biomas que mais perderam área de vegetação nativa. Na Amazônia, foram 55 milhões de hectares, ou uma redução de 14% nos últimos 39 anos. Com isso, a Amazônia brasileira tem hoje 81% coberto por florestas e vegetação nativa –o que a coloca muito próximo da margem estimada pelos cientistas para seu ponto de não retorno, estimado entre 80% e 75% de vegetação nativa. Esses 81% incluem 8,1 milhões de hectares (3%) de vegetação secundária, ou seja, que cresceu novamente depois de ser desmatada. “A perda da vegetação nativa nos biomas brasileiros tende a impactar negativamente a dinâmica do clima regional e diminui o efeito protetor durante eventos climáticos extremos. Em síntese, representa aumento dos riscos climáticos”, frisou o coordenador-geral do MapBiomas, Tasso Azevedo.
No Cerrado, 38 milhões de vegetação nativa foram suprimidos entre 1985 e 2023 – uma queda de 27%. Dez por cento do Cerrado (9,7 milhões de hectares) são cobertos por vegetação secundária. Proporcionalmente em relação ao próprio tamanho, Cerrado e Pampa são os biomas que mais perderam área de vegetação nativa. No caso do Pampa, a perda entre 1985 e 2023 foi de 28% (3,3 milhões de hectares). “Há uma tendência de aceleração da perda no Cerrado, no Pampa e também no Pantanal. São dinâmicas diferentes mas caminham na mesma direção de supressão da vegetação nativa”, acrescentou Eduardo Velez na entrevista coletiva.
Municípios recuperam vegetação nativa
Além de atualizar as informações até 2023 para as 29 classes mapeadas, a Coleção 9 inclui o balanço de ganho e perda de vegetação nativa nos municípios a partir de 2008, ano em que foi instituído o Fundo Amazônia e também quando foi editado o Decreto nº 6.514, que conferiu efetividade ao Código Florestal então vigente ao estabelecer multas para os casos de descumprimento de suas regras. Em 37% dos municípios brasileiros houve ganho recente de vegetação nativa; em outros 18%, foi registrada entre 2008 e 2023: são cidades onde o ganho e perda da vegetação foram menores que 2%.
O bioma com maior percentual de municípios onde a área de vegetação nativa cresceu nesses 16 anos foi a Mata Atlântica: 56%. Porém quase metade dos municípios brasileiros (45%) perderam vegetação nativa no período. O bioma com a maior proporção de municípios com perdas acentuadas de vegetação nativa (acima de 15%) é o Pampa: 35%. Quando são consideradas todas as perdas nesse período (a partir de 2%), o bioma com mais municípios com perdas de áreas naturais é o Pantanal (82%). Os estados com maior proporção de municípios com ganho de vegetação nativa são Paraná (76%), Rio de Janeiro (76%) e São Paulo (72%).
Outra novidade da Coleção 9 é a análise – inédita – de como como a perda de vegetação nativa é afetada pelo relevo nos 281 milhões de hectares de áreas antrópicas no Brasil. “Nas zonas rurais, a maior perda de vegetação nativa nesse período foi em áreas mais planas, tomadas por pastagens e produção agrícola. Nas áreas urbanas, houve uma perda maior em áreas de encostas, exatamente as mais suscetíveis a eventos climáticos extremos”, destacou a geógrafa Bárbara Costa, pesquisadora da equipe Cerrado do Mapbiomas. O crescimento das áreas urbanizadas em encostas entre 1985 e 2023 foi de 3,3% ao ano, maior do que das áreas urbanizadas em geral (2,4%).
Ameaças no Matobipa e Amacro
Dos 27 estados da federação, apenas um – o Rio de Janeiro – teve aumento de vegetação nativa no período avaliado, que passou de 30% para 32% de seu território. Os demais 26 estados tiveram redução, sendo que as mais expressivas foram em Rondônia (de 93% em 1985 para 59% em 2023), Maranhão (de 88% para 61%), Mato Grosso (de 87% para 60%) e Tocantins (de 85% para 61%). A área de pastagem passou de 6% para 38% em Rondônia; de 5% para 29% no Maranhão; de 6% para 24% no Mato Grosso; e de 7% para 30% no Tocantins. Os estados com maior proporção de vegetação nativa são Amapá (95%), Amazonas (95%) e Roraima (93%); os estados com menor proporção são Sergipe (20%), São Paulo (22%) e Alagoas (23%).
As expressivas reduções da vegetação nativa no Maranhão e no Tocantins são reveladoras da perda desenfreada de vegetação nativa, basicamente do Cerrado, na região do Matopiba – fronteira agropecuária formada por partes do território de Maranhão (norte do estado), Tocantins (sul), Piauí (norte) e Bahia (oeste). “Na região do Matopiba, nenhum município sequer registrou ganho de vegetação nativa. Há uma perda acelerada como já mostrou o nosso RAD (Relatório Anual de Desmatamento)”, afirmou Marcos Rosa, geógrafo e coordenador técnico do Mapbiomas. Na Amazônia, todos os municípios da região da Amacro – fronteira agrícola na divisa dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia – tiveram perda de vegetação nativa, repetindo a tendência do Matopiba.
Perdas nas florestas não protegidas
O MapBiomas também analisou pela primeira vez a perda de cobertura vegetal nas florestas públicas não destinadas (FPDNs) – áreas sob domínio público, mas que ainda não têm um uso específico definido como Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Concessões Florestais, e que aguardam uma destinação formal. Elas ocupam 13% da Amazônia Legal e têm 92% de sua área coberta por vegetação nativa, o equivalente a 60 milhões de hectares. “Essas áreas são alvos comuns de grilagem: são desmatadas para ocupação e tentativa de legalização”, explicou Marcos Rosa. De acordo com a análise, em 39 anos, as FPNDs perderam 3,6 milhões de hectares da vegetação nativa.
O coordenador técnico do Mapbiomas também destacou a importância de destinação dessas áreas para sua transformação em terras protegidas. “É fundamental acompanharmos essa dinâmica para saber como essas áreas públicas estão sendo ocupadas enquanto não há destinação”. A área ocupada pelas florestas públicas sem destinação chega a 60 milhões de hectares, uma área maior que o estado de Minas Gerais.
As áreas mais preservadas do Brasil continuam sendo as Terras Indígenas (TIs) que cobrem 13% do território nacional: são 118 milhões de hectares de vegetação nativa preservada, 19% de toda a vegetação nativa do país. De 1985 a 2023, as terras indígenas perderam menos de 1% de sua área de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas foram 28%.
Na Coleção 9, pela primeira vez a vegetação nativa mapeada foi relacionada com as diferentes fitofisionomias – tipos de vegetação que se encontram num determinado bioma – reconhecidas pelo IBGE em seu Mapa de Vegetação do Brasil. Nos últimos 39 anos, as fitofisionomias de Estepe no Pampa, Savana no Cerrado e Floresta Estacional Sempre-verde no sul da Amazônia foram as que, proporcionalmente, mais perderam vegetação nativa.
A Floresta Estacional Semidecidual – que depende das variações sazonais de temperatura e umidade e reúne várias espécies que perdem parcialmente suas folhas – e a Floresta Ombrófila Mist – também conhecida como Mata com Araucária, que depende de chuvas constantes ao longo do ano – foram as tipologias mais exploradas historicamente, sendo que, até 1985, ambas já tinham sido reduzidas a menos de 50% da sua área de distribuição original. “As florestas no Brasil são muito diversas com características e espécies típicas de cada região, que estão sujeitas a diferentes graus de ameaça. Esta diversidade deve ser levada em conta em políticas públicas para conservação e bioeconomia destas florestas“, disse Eduardo Vélez, do MapBiomas.
Na Coleção 9, o MapBiomas lançou ainda a versão beta do mapeamento de recifes de coral em águas rasas, que podem ser detectados por satélites com sensores óticos. Tratam-se de habitats marinhos, formados pelo acúmulo progressivo do esqueleto calcário de corais e algas. O mapeamento revelou 20,4 mil hectares de recifes de coral na costa leste do Brasil. A maior parte deles (72%) se encontram em Unidades de Conservação Marinhas, sendo que uma delas – a APA Ponta da Baleia / Abrolhos – responde por 33% de toda a área mapeada. “A exuberância dos corais do Brasil, e do mundo, está ameaçada pelo aumento da temperatura média dos oceanos, condição que leva ao branqueamento do coral e, eventualmente, à sua morte” explicou Cesar Diniz, da equipe de mapeamento da Zona Costeira do MapBiomas, lembrando que 25% de toda a vida marinha é dependente dos corais em algum momento.