(De Belém, Pará) – Os olhos de Tareg Mustafa carregam um pesar que é facilmente percebido e basta o escutar para entender os motivos para isso. Apresentador de TV e ativista de direitos humanos, ele perdeu toda a família no genocídio promovido por Israel na Faixa de Gaza. Junto com essas dores indizíveis, Tareg ainda presenciou o ecocídio do território palestino.
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O ecocídio é um termo usado para uma destruição em larga escala da natureza e, consequentemente, das condições para a vida em um local. O seu uso é mais comum nos debates da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (CDB), mas Tareg e outros ativistas e movimentos ligados à causa palestina também o relacionam com os debates da COP30 (30° Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima).
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Veja o que já enviamos“Por 40 dias, minha irmã ficou presa dentro de uma escola. E se ela ou qualquer pessoa que estava presa dentro dessa escola saísse para tentar buscar comida, os soldados israelenses começavam a atirar”, relata Tareg. A fome causada pela destruição das fazendas e a degradação do solo da Faixa da Gaza são alguns dos fatores que relacionam o ecocídio e o genocídio no território.
Por cerca de uma hora, gritos de “Palestina livre” ecoaram na Zona Verde da COP da Amazônia. Nesta segunda-feira (17/11), o estande do Fórum Asiático de Prefeitos (AMF, na sigla em inglês) se tornou um enclave de resistência. O espaço recebeu a nomeação de Gaza como a capital do meio ambiente da AMF.
O ato simbólico serviu justamente como uma forma de evidenciar o que acontece em Gaza. Desde 7 de outubro de 2023, quando recomeçaram os conflitos iniciados com a Nakba, em 1948, os ecossistemas do enclave foram massacrados, assim como a população local, com graves consequências socioambientais e ecológicas.
Segundo dados de relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o território perdeu 97% de suas árvores frutíferas, 95% de seus arbustos e 82% de suas culturas anuais. Rios foram contaminados, o solo foi compactado e esterilizado pela presença militar e pulverização aérea, o que deixa a região mais vulnerável à secas e inundações, além do acúmulo de milhares de toneladas de escombros da infraestrutura destruída.
Ecocídio, oliveiras e tribunais
“Eu não quero falar demais, porque se eu entrar muito em detalhe, vamos acabar enlouquecendo”, disse Tareg Mustafa, com os olhos marejados, pouco antes de encerrar sua fala. A destruição de árvores de oliveira pelos colonizadores de Israel representa também uma ferida na identidade palestina, isso porque, a cultura é uma das mais tradicionais do território e se tornou símbolo de resistência.
Não por acaso, a palavra árabe sumud é usada pelos palestinos para representar o seu vínculo com a terra. Ela representa o enraizamento da população e sua tradução significa “firmeza e perseverança”. Estimativas do Grupo Árabe para a Proteção da Natureza (APN), indicam que mais de 3 milhões de árvores foram arrancadas pelas forças israelenses na Cisjordânia desde 2000.
Já são dois anos desde o começo deste genocídio e desde quando eu perdi toda minha família. Mas eu acredito que os palestinos têm uma causa. Nós temos o propósito e por isso que nós não vamos desistir da nossa liberdade
“Não podemos falar de meio ambiente, sem falar no ecocídio que acontece na Faixa de Gaza”, enfatiza Tim Andersen, professor e diretor do Centro de Estudos Contra-Hegemônicos da Universidade de Sidney, Austrália. Ele abordou ainda a manutenção do apartheid no território, o que não se resolveu com o tratado de cessar fogo costurado pelo governo dos Estados Unidos.
Advogado e consultor em direitos humanos e meio ambiente, Victor del Vecchio também participou do painel promovido pela AMF. O brasileiro relatou a dificuldade em reconhecer o termo ecocídio nos tribunais internacionais, o que dificulta ainda mais a responsabilização do Estado de Israel e a cobrança por reparação.
“O ecocídio pode ser utilizado como um instrumento para acabar com um inimigo”, explica o advogado e mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, a COP30 representa uma janela de oportunidade para mostrar como o genocídio do povo palestino se relaciona com o ecocídio do planeta. “Não existe meio ambiente preservado, sem direitos humanos garantidos”, acrescenta Victor.
Emissões e gastos militares
Ativista estadunidense e doutor em ciência política pela Universidade Clark de Atlanta, Ajamu Baraka esteve na Guerra do Vietnã. “As forças capitalistas que causaram a degradação ambiental do planeta são as mesmas que criaram a crise em Gaza. Elas não se importam com a vida, o meio ambiente ou o clima”, denunciou Ajamu.
Estudo realizado por pesquisadores do Reino Unidos e dos EUA aponta que, entre 7 de outubro de 2023 à janeiro de 2025, a emissão de gases de efeito estufa (GEE) resultantes dos ataques à Gaza foram superiores à 100 países. Apenas nesse período, o conflito entre o grupo extremista Hamas e o Estado de Israel já havia gerado 1,89 milhão de toneladas de dióxido de carbono (tCO2e).
Conforme os dados da pesquisa, 30% dos GEE gerados vieram do envio de 50 mil toneladas de armas e suprimentos militares pelos Estados Unidos. Outros 20% foram relacionados com os bombardeios e o uso efetivo de armamentos militares por Israel. O custo climático da destruição foi estimado pelos pesquisadores em 31 milhões de toneladas de CO2e.
Os números evidenciam que a paz na Palestina e em outros locais pelo planeta é uma condição primordial para lidar com a crise climática. Além da devastação e do ecocídio, os conflitos e guerras acabam por drenar recursos para temas como financiamento e adaptação climática, dois pontos chaves da COP30.
Dados mostram que foram destinados US$ 2,7 trilhões para gastos militares pelos países em 2024. “Um fato inquestionável é que todos estes gastos militares ocorrem em detrimento dos investimentos nas áreas sociais e ambientais”, alerta o sociólogo José Eustáquio Diniz Alves
“Já são dois anos desde o começo deste genocídio e desde quando eu perdi toda minha família. Mas eu acredito que os palestinos têm uma causa. Nós temos o propósito e por isso que nós não vamos desistir da nossa liberdade”, afirma Tareg Mustafa. Gritar por uma “Palestina Livre” é um gesto de solidariedade e alteridade com humanos e mais-que-humanos.
