Ecocídio amplia crise climática e revela outra face do genocídio da Palestina

Degradação socioambiental do território tem sido utilizada como tática de guerra. Conflitos drenam recursos do combate à crise do clima

Por Micael Olegário | ODS 11
Publicada em 19 de novembro de 2025 - 09:46  -  Atualizada em 19 de novembro de 2025 - 10:11
Tempo de leitura: 7 min

Ativista de Direitos Humanos, Tareg perdeu toda a família em Gaza e viu de perto as consequências do ecocídio e do genocídio (Foto: Micael Olegário)

(De Belém, Pará) – Os olhos de Tareg Mustafa carregam um pesar que é facilmente percebido e basta o escutar para entender os motivos para isso. Apresentador de TV e ativista de direitos humanos, ele perdeu toda a família no genocídio promovido por Israel na Faixa de Gaza. Junto com essas dores indizíveis, Tareg ainda presenciou o ecocídio do território palestino.

Leia mais: Presidente da Fepal sobre Gaza: “É um genocídio contra a humanidade”

O ecocídio é um termo usado para uma destruição em larga escala da natureza e, consequentemente, das condições para a vida em um local. O seu uso é mais comum nos debates da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica (CDB), mas Tareg e outros ativistas e movimentos ligados à causa palestina também o relacionam com os debates da COP30 (30° Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima).

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“Por 40 dias, minha irmã ficou presa dentro de uma escola. E se ela ou qualquer pessoa que estava presa dentro dessa escola saísse para tentar buscar comida, os soldados israelenses começavam a atirar”, relata Tareg. A fome causada pela destruição das fazendas e a degradação do solo da Faixa da Gaza são alguns dos fatores que relacionam o ecocídio e o genocídio no território.

Por cerca de uma hora, gritos de “Palestina livre” ecoaram na Zona Verde da COP da Amazônia. Nesta segunda-feira (17/11), o estande do Fórum Asiático de Prefeitos (AMF, na sigla em inglês) se tornou um enclave de resistência. O espaço recebeu a nomeação de Gaza como a capital do meio ambiente da AMF. 

O ato simbólico serviu justamente como uma forma de evidenciar o que acontece em Gaza. Desde 7 de outubro de 2023, quando recomeçaram os conflitos iniciados com a Nakba, em 1948, os ecossistemas do enclave foram massacrados, assim como a população local, com graves consequências socioambientais e ecológicas.

Segundo dados de relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o território perdeu 97% de suas árvores frutíferas, 95% de seus arbustos e 82% de suas culturas anuais. Rios foram contaminados, o solo foi compactado e esterilizado pela presença militar e pulverização aérea, o que deixa a região mais vulnerável à secas e inundações, além do acúmulo de milhares de toneladas de escombros da infraestrutura destruída.

Infraestrutura de Gaza foi destruída e escombros também trazem impactos ambientais para o território (Foto: Divulgação/Médicos Sem Fronteiras)

Ecocídio, oliveiras e tribunais

“Eu não quero falar demais, porque se eu entrar muito em detalhe, vamos acabar enlouquecendo”, disse Tareg Mustafa, com os olhos marejados, pouco antes de encerrar sua fala. A destruição de árvores de oliveira pelos colonizadores de Israel representa também uma ferida na identidade palestina, isso porque, a cultura é uma das mais tradicionais do território e se tornou símbolo de resistência.

Não por acaso, a palavra árabe sumud é usada pelos palestinos para representar o seu vínculo com a terra. Ela representa o enraizamento da população e sua tradução significa “firmeza e perseverança”. Estimativas do Grupo Árabe para a Proteção da Natureza (APN), indicam que mais de 3 milhões de árvores foram arrancadas pelas forças israelenses na Cisjordânia desde 2000.

Já são dois anos desde o começo deste genocídio e desde quando eu perdi toda minha família. Mas eu acredito que os palestinos têm uma causa. Nós temos o propósito e por isso que nós não vamos desistir da nossa liberdade

Tarek Mustafa
Apresentador de TV e ativista palestino

“Não podemos falar de meio ambiente, sem falar no ecocídio que acontece na Faixa de Gaza”, enfatiza Tim Andersen, professor e diretor do Centro de Estudos Contra-Hegemônicos da Universidade de Sidney, Austrália. Ele abordou ainda a manutenção do apartheid no território, o que não se resolveu com o tratado de cessar fogo costurado pelo governo dos Estados Unidos.

Advogado e consultor em direitos humanos e meio ambiente, Victor del Vecchio também participou do painel promovido pela AMF. O brasileiro relatou a dificuldade em reconhecer o termo ecocídio nos tribunais internacionais, o que dificulta ainda mais a responsabilização do Estado de Israel e a cobrança por reparação.

“O ecocídio pode ser utilizado como um instrumento para acabar com um inimigo”, explica o advogado e mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, a COP30 representa uma janela de oportunidade para mostrar como o genocídio do povo palestino se relaciona com o ecocídio do planeta. “Não existe meio ambiente preservado, sem direitos humanos garantidos”, acrescenta Victor.

Imagens tentam dimensionar impacto climático e socioambiental da colonização israelense na Palestina (Foto: Micael Olegário)

Emissões e gastos militares

Ativista estadunidense e doutor em ciência política pela Universidade Clark de Atlanta, Ajamu Baraka esteve na Guerra do Vietnã. “As forças capitalistas que causaram a degradação ambiental do planeta são as mesmas que criaram a crise em Gaza. Elas não se importam com a vida, o meio ambiente ou o clima”, denunciou Ajamu.

Estudo realizado por pesquisadores do Reino Unidos e dos EUA aponta que, entre 7 de outubro de 2023 à janeiro de 2025, a emissão de gases de efeito estufa (GEE)  resultantes dos ataques à Gaza foram superiores à 100 países. Apenas nesse período, o conflito entre o grupo extremista Hamas e o Estado de Israel já havia gerado 1,89 milhão de toneladas de dióxido de carbono (tCO2e).

Conforme os dados da pesquisa, 30% dos GEE gerados vieram do envio de 50 mil toneladas de armas e suprimentos militares pelos Estados Unidos. Outros 20% foram relacionados com os bombardeios e o uso efetivo de armamentos militares por Israel. O custo climático da destruição foi estimado pelos pesquisadores em 31 milhões de toneladas de CO2e.

Os números evidenciam que a paz na Palestina e em outros locais pelo planeta é uma condição primordial para lidar com a crise climática. Além da devastação e do ecocídio, os conflitos e guerras acabam por drenar recursos para temas como financiamento e adaptação climática, dois pontos chaves da COP30.

Dados mostram que foram destinados US$ 2,7 trilhões para gastos militares pelos países em 2024. “Um fato inquestionável é que todos estes gastos militares ocorrem em detrimento dos investimentos nas áreas sociais e ambientais”, alerta o sociólogo José Eustáquio Diniz Alves

“Já são dois anos desde o começo deste genocídio e desde quando eu perdi toda minha família. Mas eu acredito que os palestinos têm uma causa. Nós temos o propósito e por isso que nós não vamos desistir da nossa liberdade”, afirma Tareg Mustafa. Gritar por uma “Palestina Livre” é um gesto de solidariedade e alteridade com humanos e mais-que-humanos.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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