Crise climática e barragem ameaçam bem-viver de indígenas no Panamá

Indígena Embera cobra políticas de financiamento climático direto para que comunidades tenham meios para preservar sua cultura e identidade

Por Micael Olegário | ODS 15
Publicada em 21 de novembro de 2025 - 22:46  -  Atualizada em 21 de novembro de 2025 - 23:03
Tempo de leitura: 7 min

Usina Hidrelétrica de Bayano; barragem inundou florestas sagradas para comunidades indígenas Emberá (Foto: Divulgação/Autoridade do Canal do Panamá)

(De Belém, Pará) – “Na minha comunidade, o Rio costumava ser muito caudaloso e cheio de água e esse nível caiu bastante ao longo do tempo”. O relato é de Sara Omi, indígena do povo Embera. Em Ipetí, no Panamá, a comunidade de Sara tem enfrentado eventos extremos mais frequentes, como secas severas. Para os indígenas Emberá, as mudanças climáticas já ameaçam diretamente seu bem-viver.

Ao mesmo tempo, períodos de chuvas intensas têm causado prejuízos às plantações, o que coloca em risco a segurança alimentar da comunidade. “Temos que procurar espaços diferentes para nos adaptarmos e encontrarmos novos modelos, principalmente para nossa sobrevivência em termos de alimentação”, descreve Sara. A pesca é outra atividade comprometida.

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Na COP30, a indígena Embera integra a delegação da Aliança Mesoamericana de Povos e Bosques (AMPB) e reivindica financiamento climático para lidar com os efeitos das mudanças climáticas na região da Mesoamérica – que inclui o sul do México e diferentes países da América Central. 

“Já não existem espécies como o jaguar (onça-pintada), nem papagaios ou araras que costumavam viver em nosso território; elas desapareceram. Assim, segundo nossa visão de mundo, esses impactos também afetam nosso cotidiano, ameaçando-nos espiritualmente”, aponta Sara, que também atua como coordenadora de Mulheres, Líderes Territoriais da Mesoamérica, do Movimento de Mulheres da Aliança Global de Comunidades Territoriais.

Entre 2023 e 2024, o Panamá enfrentou às consequências de uma seca severa, durante o período do El Niño e intensificada pelas mudanças climáticas. Na época, foi necessário reduzir o número de navios autorizados a transitar pelo Canal do Panamá. Isso em um país que é considerado um dos mais chuvosos do mundo.

Mulheres na linha de frente

A líder Embera critica a criação de diversos fundos de financiamento climático, sempre com um “F” no final, mas que não chegam às comunidades mais atingidas pela crise climática. “Minha preocupação, a partir de tudo que ouvi nesta COP, é de que não vimos como a participação das mulheres indígenas será levada em consideração. Não existem políticas claras sobre qual será o impacto sobre as mulheres indígenas, e isso também precisa mudar”, enfatiza Sara Omi.

Espalhados por áreas do Panamá, oeste da Colômbia e noroeste do Equador, os Emberá são reconhecidos pela sua cultura e pela profunda conexão com a natureza. Além disso, a arte Emberá inclui a tecelagem de cestos usando folhas de chunga (palmeira negra) e a produção de estátuas e miniaturas com madeira e sementes de tagua (palmeira de marfim).

Pertenço a uma geração que continua lutando para resgatar o que ainda acreditamos ser nosso, mas todos os nossos sítios sagrados, nossas florestas ancestrais, foram deixados debaixo d’água

Sara Omi
Liderança Emberá e delegada da AMPB

Sara integra a Associação de Mulheres Artesãs de Emberá (AMARIE) e atua para preservar o que chama de agricultura ancestral, guiada pelas fases da Lua. “E além da restauração de sementes ou plantas, trata-se também de restaurar nosso pensamento e nossos corações, porque é que podemos encontrar o pertencimento aos nossos territórios”, complementa a indígena Emberá.

Ao recordar dos desafios enfrentados durante a pandemia de Covid-19, com a falta de serviços e insumos básicos, Sara enfatiza que foram os conhecimentos ancestrais e a medicina tradicional que ajudaram a lidar com a crise de saúde. Segundo ela, esses mesmos saberes podem ajudar a enfrentar a crise do clima, desde que sejam reconhecidos e existam políticas para isso.

A indígena recorda que são as mulheres as protagonistas da defesa dos territórios, dos Rios e dos conhecimentos tradicionais. “E é nos territórios que também devem ser garantidos os seus direitos como sujeitas e não como agendas temáticas para apoiar ou encobrir alguma exigência”, acrescenta.

Sara Omi; liderança Emberá defende maior protagonismo para as mulheres indígenas em decisões sobre crise climática (Foto: Divulgação/AMPB)

Barragem inundou florestas sagradas

Ipetí fica na província de Kuna de Madungandí, há cerca de 140 km da capital Cidade do Panamá e próxima do Lago Bayano – segundo maior do país. Esse reservatório de água foi criado em 1976, quando o Rio Bayano foi represado. O projeto inundou 350 km² quadrados de floresta tropical e levou ao deslocamento forçado de diversas comunidades indígenas.

Os avós de Sara fizeram parte desse grupo de indígenas expulsos de suas terras para a construção do reservatório da Usina Hidrelétrica de Bayano. O processo não respeitou os protocolos de consulta livre e esclarecida e menos ainda a ligação dos povos com suas terras. 

“É necessário garantir a participação plena e efetiva para que, em nome do desenvolvimento ou das mudanças climáticas, os direitos humanos não sejam ainda mais afetados. No caso do povo Emberá de Bayano, por exemplo, minha mãe tinha nove anos quando isso aconteceu, e eu pertenço a uma geração que continua lutando para resgatar o que ainda acreditamos ser nosso, mas todos os nossos sítios sagrados, nossas florestas ancestrais, foram deixados debaixo d’água”, destaca Sara Omi, ao defender a inclusão dos povos indígenas e das mulheres indígenas no centro dos debates e dos espaços de decisão.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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