(Alice Martins Morais e Daniel Nardin* – De Belém, Pará**) – Em uma corrida contra o tempo para tentar ter um primeiro pacote de decisões aprovado quarta-feira (19), a presidência da COP30 apresentou, na terça-feira (18/11), o “Pacote Político de Belém”, um conjunto de propostas de decisão que tenta encontrar um meio-termo entre posições muito divergentes que seguem nos bastidores diplomáticos. No fogo cruzado entre países, o presidente Lula chega a Belém para tentar desatar os principais nós.
O pacote inclui uma “Decisão Mutirão”, com 58 parágrafos, com propostas da diplomacia brasileira para destravar os principais impasses da conferência do Clima de Belém. O documento foi aceito como texto negocial pelos países representados na COP30, mas há grandes divergências sobre vários temas. O principal é o do financiamento à adaptação dos países do Sul Global às mudanças climáticas. Alguns países defendem a triplicação deste financiamento, outros não querem metas concretas.
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Veja o que já enviamosEm inúmeros pontos, a “Decisão Mutirão” contém opções de texto que refletem a falta de consenso. É o que acontece, também, com a inclusão ou não de uma referência à transição para longe dos combustíveis fósseis. Também sem acordo ainda está a discussão sobre como garantir a ambição necessária dos compromissos climáticos voluntários dos países.
Entre eles, estão propostas não consensuais e que estão agora sendo negociadas, para reconhecer os direitos indígenas, a importância de fazer uma transição para longe dos combustíveis fósseis e o combate ao desmatamento para combater as mudanças climáticas.
Segundo o presidente da conferência, André Corrêa do Lago, o primeiro rascunho apresentado “abre portas entre posições muito divergentes”. Ele admite que há delegações relutantes em aceitar as propostas em discussão, mesmo diante da pressão para consolidar um pacote inicial de decisões já na quarta-feira. A embaixadora Liliam Chagas confirma que o trabalho foi acelerado, mas reconhece que, se não houver consenso imediato, ainda existe margem de tempo. “Vamos tentar aprovar o pacote amanhã. Se não for possível, ainda teremos tempo”, diz.
Os discursos estão um pouco mais frios do que na primeira semana, quando os embaixadores brasileiros afirmavam com muita firmeza que a COP entregaria todos os resultados nos prazos combinados. “Precisamos enfrentar os problemas de forma compreensiva”, releva Liliam Chagas.
O presidente Lula regressará esta quarta-feira (19/11) à COP30 para se reunir diretamente com os ministros de outros países e tentar ajudar a desbloquear os pontos mais contenciosos.
Combustíveis fósseis e desmatamento são citados, mas não detalhados
Um dos pontos que chamam a atenção de ambientalistas é que esse primeiro rascunho traz a opção (ainda a ser aprovada ou não) de incluir a necessidade de superar progressivamente a dependência aos combustíveis fósseis e a urgência dos países trabalharem juntos em uma transição justa. No entanto, alguns criticam que a ambição ainda está muito baixa. “O que está lá já são coisas que acontecem, não são metas reais”, opina Laura Montaño, advogada ambientalista colombiana e coordenadora regional para América Latina e Caribe da Resource Justice Network.
Outro tema que aparece, de forma inédita, é o combate ao desmatamento, com uma opção na qual os países se comprometem a reverter o desmatamento e a degradação da floresta até 2030. Para Kirsten Schuijt, diretora geral do WWF Internacional, apesar de o texto ainda estar distante do ideal, se for para ter um avanço, o momento é agora. “Trabalho com conservação há 30 anos e é a primeira vez que estamos vendo as florestas em mais áreas proeminentes”, destaca.
Agora é a hora de transformar palavras e apoios em resoluções no texto final da conferência
Para ela, o progresso dessas discussões também se deve ao fato de que esta COP tem mais povos indígenas do que qualquer outra negociação. “Eles estão pedindo pelo combate ao desmatamento, então vamos ouvi-los”, assinala.
Carolina Pasquali, diretora executiva no Greenpeace Brasil, avalia que o texto de hoje ainda está muito cheio de lacunas e, portanto, não traz estratégias de fato para proteger as florestas. “Precisamos de um mapa do caminho para enfrentar o objetivo coletivo de combate ao desmatamento até 2030″, reforça.
Pasquali aponta que o rascunho abre espaço para opções mais esvaziadas, inclusive de não ter nenhum texto sobre desmatamento. “Mesmo as opções em que fala desse assunto mencionam rodas de conversa, troca de ideias, vão mais para o diálogo do que ações concretas”, reitera.
O Greenpeace e o WWF propõem que o texto inclua orientações sobre a implementação de planos nacionais para deter e reverter o desmatamento e a degradação florestal até 2030, medidas relativas aos direitos territoriais e à posse de terras de povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como acesso direto a financiamento para eles, dentre outras especificações.
Países convocam mutirão para se afastar de combustíveis fósseis
Pela tarde, mais de 80 países fizeram um anúncio coletivo de apoio a um mapa do caminho de transição para longe dos combustíveis fósseis. “A urgência da crise climática não permite atrasos. A ciência é clara e os impactos são diários e muitos custosos, especialmente para o Sul Global”, declarou a ministra do meio ambiente da Colômbia, Irene Vélez-Torres.
Na visão de Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, esse “mutirão” dos países mostra que não apenas ouviram o pedido do presidente Lula, de que esta COP precisa entregar um roteiro para o fim do uso dos combustíveis fósseis, mas também abraçaram a ideia. ”Agora é a hora de transformar palavras e apoios em resoluções no texto final da conferência”, comentou.
O chefe da delegação a nível técnico de Palau, Erbai Xavier Matsutaro, acredita que o rascunho de hoje foi um ponto de partida, mas que ainda há muito trabalho pela frente. “Vamos nos dedicar e negociar até chegar o mais longe que pudermos, para responder de uma forma alinhada à meta de 1,5º C”, argumentou após o evento em Belém, referindo-se à meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global àquele valor.
Palau é uma pequena nação insular da Oceania, banhada pelo Oceano Pacífico, que tem sofrido com inundações cada vez mais frequentes, algo que antes acontecia apenas uma vez em cada década, de acordo com Matsutaro. Pensando nisso, ele acredita que, embora todos os itens da agenda de negociação sejam importantes, é primordial que se saia de Belém com uma definição do que deve acontecer com as promessas climáticas dos países (NDCs) muito abaixo da ambição esperada. “Esse é o coração da negociação. Da nossa perspectiva, queremos que o acordo seja o mais forte e ambicioso possível, mas é um processo multilateral, então precisamos encontrar um balanço. Esta é a arte das discussões”, analisa.
De acordo com a advogada Laura Montaño, a escolha de fazer um pacote juntando os temas tem o propósito de apresentar uma COP “com ambições reais que mostram como se pode dar passos de maneira unida nas múltiplas agendas trabalhadas simultaneamente”. Ambos os textos estão ligados, segundo Montaño, buscando construir um avanço sólido que permita dar um passo a mais no avanço das negociações e ações climáticas. “No pacote de Belém, queremos que tudo esteja lá: financiamento para acabar com a transição de combustíveis fósseis, ações concretas, mecanismos de transição justa e medidas de adaptação claras”, enfatiza.
*Alice Martins Moraes é jornalista especializada em ciência e meio ambiente, baseada em Belém; Daniel Nardin, jornalista (UFPA) e mestre em comunicação (UnB) é diretor executivo e editor-chefe da Amazônia Voz
*Esta reportagen foi produzidas pela Amazôna Vox, por meio da Cobertura Colaborativa Socioambiental da COP 30. Leia a reportagem original aqui
