(Belém, Pará) – Distante cerca de 230km de Belém, sede da COP30, se encontra uma das cidades mais violentas do país. As margens do Rio Tocantins, Mocajuba, historicamente afetada pela Hidrelétrica de Tucuruí, virou alvo da atuação do Comando Vermelho (CV), mas não só. A violência provocada pelas policiais estaduais respondeu pela metade das mortes ocorridas na cidade entre 2022 e 2024.
É que a Amazônia é a menina dos olhos das facções criminosas que estão transformando a região em um dos maiores centros de refinamento de cocaína do mundo. Vítimas dos impactos dos grandes projetos de infraestrutura na região e do garimpo ilegal, o território vem sendo disputado pelo narcotráfico.
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Veja o que já enviamosAlém de Mocajuba, as cidades paraenses de Cumaru do Norte, Novo Progresso, São Felix do Xingu, Altamira e Itajuba estão listadas da quarta edição do estudo Cartografias da Violência na Amazônia, lançado nesta quarta-feira, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública na COP30. Os estados do Mato Grosso e Pará concentram o maior número de municípios com facções, com 92 e 91 respectivamente. “Os dados apresentados nesse relatório demonstram que a agenda climática — e, de maneira mais ampla, a agenda de desenvolvimento sustentável — precisa incorporar a segurança pública e o enfrentamento ao crime organizado”, analisa Samira Bueno, diretora executiva do Fórum.
Apesar da redução da violência letal nos estados amazônicos — 31% superior ao do país, a Amazônia passa por uma profunda reconfiguração nos seus territórios devido a rápida expansão das facções criminosas na região. A violência sexual contra meninas e mulheres na Amazônia foi superior à média nacional: 36,8%.
Em 2024, 8.047 pessoas foram vítimas de mortes violentas intencionais nos 772 municípios da Amazônia Legal – a taxa de 27,3 assassinatos por 100 mil habitantes é 31% superior à média nacional. O estado do Amapá liderou o ranking da violência na região.
O Comando Vermelho e o PCC, grupos originários da região Sudeste do país, disputam a liderança das ações do crime organizado na Amazônia. O protagonismo, no entanto, está nas mãos do CV – a facção com maior dispersão territorial no Brasil. Em apenas dois anos, o CV ampliou em 123% o número de municípios sob sua influência, alcançando 286 cidades.
O PCC, por sua vez, adota estratégia distinta, mostra o relatório do Fórum. A facção opera de modo mais seletivo e concentrado em corredores logísticos de alto valor para o tráfico internacional, dando preferência ao controle de pontos estratégicos que conectam a Amazônia às rotas transnacionais de cocaína.
O estudo aponta que a interconexão entre facções e crimes ambientais só cresce na Amazônia, sobretudo em terras indígenas. Se antes garimpeiros e grileiros eram os principais vetores de ameaça às populações originárias, com a entrada das facções — sobretudo do CV — houve uma alteração profunda dessa realidade, aumentando o nível de risco.
Recordista em desmatamento e garimpo ilegal em 2024, a Terra Indígena Sararé, no Mato Grosso, por exemplo, enfrenta uma crise de segurança pública agravada pelo avanço do CV.
Diz o estudo que a facção deixou de atuar de forma periférica nos garimpos para assumir o controle direto das cadeias de extração mineral. O CV passou a impor regras, cobrar tributos, disciplinar trabalhadores e controlar a circulação de pessoas e insumos na região.
“Superposição de crimes, violência e ilícitos ambientais jogam luz sobre temas como operações de desintrusão em terras indígenas, violência contra mulheres, mapeamento de organizações criminosas e mortes violentas intencionais”, comenta Bueno.
Floresta em pó
Segundo Dandara Rudson, da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas e fundadora do Coletivo Amazônico LesBiTrans e do Núcleo Estratégico de Direitos Humanos e Promoção da Paz (Nepaz), o Brasil, e a região da Amazônia em particular, deixou de ser apenas um lugar de passagem da droga. Agora é um lugar de refino da cocaína, onde estão de 400 laboratórios de refino e beneficiamento da droga.
Os dados apresentados por Rudson na COP30 fazem parte do estudo Floresta em Pó, do Instituto Fogo Cruzado. O estudo mostra que “as práticas ilegais associadas as políticas de proibição das drogas e de uso da terra se expandiram em troca dos altos custos socioambientais e climáticos do desmatamento”. Nos últimos 40 anos, diz o estudo, o Brasil perdeu 111,7 milhões de hectares de cobertura vegetal nacional.
Numa visita feita a um quilombo na Ilha de Marajó, Rudson ouviu um relato de uma liderança que “o tráfico passou a cobrar pedágio” e vem expulsando os moradores da terra – a disputa pelo território, seja de quilombolas ou indígenas, continua igual, mas ganhou novos atores.
