(Belém, Pará) – Pouco mais de seis horas depois do incêndio no pavilhão dos países na Zona Azul, as negociações foram retomadas. O fogo começou logo no início de tarde, foi rapidamente controlado, mas os trabalhos foram interrompidos e as negociações, que já passavam por um momento crítico, ficaram ainda mais delicadas e virou um consenso de que a COP30 não termina hoje, data do seu encerramento.
Os trabalhos foram retomados normalmente hoje (21/11), a partir das 8 horas da manhã, quando negociadores e observadores da sociedade civil já tinham em mãos o rascunho do texto negociado na madrugada. Por volta das 2 horas da manhã, Ana Toni, a diretora executiva da COP 30, deu, pelas redes sociais, seu tradicional boa noite – momento em que passou a fazer um breve resumo das negociações e como fora o dia.
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Veja o que já enviamosComo aquela quinta-feira (19/11) havia sido estressante, ela até pensou em não manter a tradição, mas mudou de ideia. Comentou que durante o incêndio, a rede de apoio que nasceu naquele momento nas salas de negociação, uma espécie de “mutirão da solidariedade” é o que “gostaria de ver nas negociações.”
Logo que manhã, negociadores e observadores da sociedade civil há tinham em mãos o rascunho do “Pacote de Belém” fechado na madrugada – o Mutirão Global. A repercussão não foi nada boa
“É um texto desequilibrado e não pode ser aceito como resultado da conferência. Os rascunhos apresentados são fracos nos pontos em que avançam e omissos num tema crucial: eles não atendem à determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o apoio de 82 países, de fornecer um roteiro para implementar a transição para longe dos combustíveis fósseis”, criticou o Observatório do Clima, observando que as causas as causas da crise climática foi eliminado do texto do Mutirão, como é chamado o rascunho.
Apesar das duras críticas, a organização apontou os avanços do documento, como a decisão de criar um mecanismo de transição justa, que, no entanto, acabou perdendo, na avaliação do OC, a conexão fundamental com a transição energética; a adoção dos indicadores de adaptação, uma das grandes entregas da COP30; e, fundamentalmente, a decisão de triplicar o financiamento à adaptação.
“Os roteiros para combustíveis fósseis e desmatamento sucumbiram à pressão de alguns países petroleiros, e a resposta à lacuna de ambição, fundamental para países insulares que estão afundando sob o oceano em elevação, virou um relatório a ser produzido em três anos e sem nenhuma perspectiva de encaminhamento concreto”, apontou o OC ao listar as “furos inaceitáveis” do Pacote de Belém. Mais de 80 países – grandes produtores e grandes consumidores – têm recusado qualquer menção ao fim dos combustíveis fósseis.
O tópico fundamental do financiamento público, a implementação do artigo 9.1, cara aos países em desenvolvimento, foi inserido num programa de trabalho de dois anos para tratar de todo o artigo 9.0 do Acordo de Paris – o que dilui a responsabilidade dos ricos em prover financiamento.
“Belém não poderá ser considerada bem-sucedida caso esses desequilíbrios permaneçam nas decisões da COP30”, pontuou o OC, analisando que confia na habilidade da presidência brasileira de contornar os impasses e levar a COP a um bom resultado neste fim de semana.
“Os rascunhos das decisões da COP30 divulgados esta manhã ficaram muito aquém do salto necessário para fechar a lacuna de ambição climática”, analisou Andreas Sieber, diretor-associado de Políticas e Campanhas da 350.org. A seu ver, o texto não apresentou um plano claro e forte para acabar com os combustíveis fósseis. “A criação de um mecanismo de Transição Justa é uma conquista importante, com potencial real para melhorar a implementação na prática, de forma justa, mas sem um plano para deixar o petróleo, o gás e o carvão para trás, continuamos alimentando o fogo desse incêndio.”
Suas críticas também foram apontadas para o que fora apresentada no rascunho na parte de financiamento, onde considerou especialmente fraco o compromisso de triplicar o apoio à adaptação. “Os textos não oferecem o apoio essencial que as comunidades já afetadas pela crise climática precisam urgentemente. Não dá para alcançar justiça sem o dinheiro necessário.”
Para Kumi Naidoo, presidente da Iniciativa do Tratado sobre Combustíveis Fósseis, o texto está “muito aquém” do que as pessoas nas ruas de Belém e nos corredores da COP estão exigindo e do que o próprio presidente Lula defendeu na abertura da conferência na última quarta (19/11) quando retorno a Belém.
“Não podemos nos dar ao luxo de esperar mais um ano por outro sinal político fraco enquanto comunidades inteiras queimam e se afogam”, comentou, defendendo que qualquer nação que leve a sério o cumprimento do limite de 1,5°C e apoie um roteiro para a transição para longe dos combustíveis fósseis.”
Cientistas reunidos no Pavilhão da Ciência também criticaram o rascunho. “Apesar de um grande número de países se unirem em torno de planos para acabar com a dependência de combustíveis fósseis e o desmatamento, e da pressão do presidente brasileiro, a expressão “combustíveis fósseis” está completamente ausente do texto mais recente. Isso é uma traição à ciência e às pessoas, especialmente às mais vulneráveis, e totalmente incoerente com as metas reafirmadas de limitar o aquecimento a 1,5°C e com o orçamento de carbono que está se esgotando rapidamente”, afirma nota divulgada pelos cientistas. “É impossível limitar o aquecimento a níveis que protejam as pessoas e a vida sem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e acabar com o desmatamento. Nestas últimas horas, os negociadores devem trabalhar juntos para que os planos para um futuro mais seguro e próspero voltem a constar no texto. A ciência está aqui para ajudar”, acrescentam.
O Greenpeace também rejeitou o segundo texto “Mutirão” proposto pela COP30 e pediu que os países façam o mesmo e devolvam o documento à Presidência para revisão. “As metas de emissão para 2035 estão muito aquém do esperado e este texto da Decisão Mutirão é praticamente inútil, pois contribui muito pouco para reduzir a lacuna de ambição de 1,5°C e para pressionar os países a acelerarem suas ações. Não há outra opção senão rejeitá-lo e devolvê-lo à presidência para revisão, afirmou a diretora executiva do Greenpeace Brasil, Carolina Pasquali.
“A COP30 demonstrou um apoio crescente a um roteiro para o abandono dos combustíveis fósseis, portanto, o resultado de Belém deve incluí-lo para garantir que acabemos com a queima de petróleo, gás e carvão o mais rápido possível. Relatórios e mais negociações não são suficientes. Precisamos de um plano de resposta global”, acrescentou.
