A COP30 começa logo ali, no fim desta semana, e a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas devia ser a pauta mais importante do mundo para qualquer jornalista por seu objetivo de enfrentar a crise climática, a maior ameaça à humanidade. Por isso, esta coluna era para tratar só da regeneração da Mata Atlântica, uma mensagem otimista para o planeta, para mostrar a força da natureza desde que os seres humanos ajudem um pouco ou, pelo menos, não atrapalhem.
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Mas, na semana passada, o governo do Rio de Janeiro e sua polícia produziram 121 cadáveres em um só dia, na operação armada mais letal (e desastrada) da história do Brasil: nenhum ataque de traficantes ou qualquer outro grupo criminoso produziu tantos cadáveres em tão pouco tempo; nenhum ataque de fazendeiros e suas milícias produziram tantos cadáveres de indígenas ou agricultores sem terra. Nunca tantos brasileiros foram mortos por outros brasileiros no mesmo dia.
Ao contrário dos degenerados irreparáveis do Rio, a natureza, contudo, mostra ser capaz de se recuperar, de renascer, de exibir vitalidade. A Mata Atlântica foi o bioma mais massacrado da história do Brasil. Desde a colonização portuguesa, suas florestas foram sendo destruídas – para a extração de pau-brasil, para o cultivo das lavouras de cana-de-açúcar e de café, para a construção dos centros urbanos, que se multiplicaram a partir do litoral, derrubando árvores e contaminando nascentes. Na década de 1980, havia apenas 12% de vegetação nativa da Mata Atlântica, mas o processo de devastação foi contido e a floresta começou a voltar.
Foi também na mesma década que a criminalidade avançou em todo o país – particularmente no Rio de Janeiro – no rastro da expansão internacional do comércio de drogas e, em grande parte, graças à incompetência e à cumplicidade das polícias e dos governos. A degeneração da segurança pública e dos seus responsáveis chegou ao fundo do poço na semana passada ao produzir 121 cadáveres: mais de 50 corpos foram simplesmente abandonados no meio do mato, na região conhecida como Vacaria, na Serra da Misericórdia, um resto de Mata Atlântica, perto dos complexos de favelas do Alemão e da Penha, na Zona Norte do Rio. Foi operação de extermínio: 12 policias ficaram feridos, além de três moradores; nenhum acusado de crimes foi baleado e socorrido, todos morreram, E a depender do governo do Rio (polícia, bombeiros, defesa civil), esses cadáveres produzidos pela ação governamental ficariam ali para virar adubo e, quem sabe, ajudar na regeneração da Mata Atlântica.
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Veja o que já enviamosPorque a natureza se regenera e reage – caso a destruição seja interrompida. Estudo acabou de revelar que, entre 1993 e 2022, 4,9 milhões de hectares de Mata Atlântica entraram em processo de regeneração, área maior que a do estado do Rio de Janeiro e equivalente a 16% da cobertura florestal atual do bioma – apesar de uma parte ter sido novamente derrubada. E o Rio de Janeiro – ao lado de São Paulo e Espírito Santo – foi um dos estados onde a área de floresta que voltou a crescer superou muito a que ainda se perde, fruto de ações de proteção ao longo de três décadas, tanto do poder público quanto de particulares, principalmente de pequenos produtores rurais.
Neste mesmo Rio de Janeiro, foram produzidos, em um só dia, 121 cadáveres, todos vítimas de homicídio, na letra da lei: por uma mórbida coincidência, 121 é número do número do artigo do Código Penal do crime de homicídio. Seria efetivamente difícil – caso as autoridades policiais estivessem interessadas – identificar a autoria de cada um desses 121 crimes de homicídio como determina o Código de Processo Penal. Mais fácil é identificar os mandantes: Doca, Gago, Pedro Bala, Vito PF, BMW, Careca, Gardenal e Marcelão; a partir dos vulgos, bastaria abrir inquérito, processar e condenar.
Mas vamos deixar a geopolítica criminal carioca e fluminense e retomar o caminho de suas áreas verdes. Outro levantamento, este do MapBiomas, mostrou que o Rio de Janeiro tornou-se o único estado brasileiro a registrar aumento em sua cobertura florestal nos últimos 39 anos, graças a expansão de sua área de Mata Atlântica, de 30% para 32% do território — o que equivale a um ganho do tamanho de 87 mil gramados do Maracanã.
São exemplos espalhados pelo estado: ao sul, na chamada Costa Verde (Angra dos Reis, Paraty e Mangaratiba); nas montanhas da Serra do Mar, na Região Serrana (Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis à frente); e até mesmo na Região Metropolitana. Em Niterói, por exemplo, associação de voluntários recuperou seis hectares de manguezal na Lagoa de Itaipu, no Parque Estadual da Serra da Tiririca, na Região Oceânica. Na capital, o programa Refloresta Rio – nascido em 1987, na administração Saturnino Braga, com programa Mutirão de Reflorestamento – foi responsável, desde então, por 3.500 hectares reflorestados, quase a dimensão da Floresta da Tijuca, ela mesma exemplo de sucesso, com quase 4 mil hectares.
Essas iniciativas mostram que a humanidade talvez tivesse futuro não fosse a criminosa desigualdade que multiplica cadáveres e assassinos. Quem aprova e aplaude chacina, também tem uma alma assassina – mesmo que ela tenha sido envenenada pela opressão das facções criminosas instaladas nas favelas e nos palácios. A palavra ‘alma’ me veio inspirada por tantos líderes de facções que, cada vez mais, fazem questão de tomar o nome de Deus em vão.
Os promotores da morte são maioria nos centros de poder: por isso, as COPs vêm terminando com mais frustrações do que avanços e a crise climática fica cada vez mais grave. O planeta, acredito, vai sobreviver; a natureza, a Mata Atlântica prova, é capaz de se regenerar. Mas a humanidade não vai sobreviver: os desastres climáticos vão atingir, em primeiro lugar, os excluídos, os pobres, os mais vulneráveis, os pretos, os indígenas. E, finalmente, chegará a vez daqueles que provocaram as mortes anteriores: os assassinos e seus cúmplices.
