ODS 1
Hidrogênio entra na corrida pela energia limpa
China, Japão e Índia investem pesado em novo combustível limpo, que pode ser usado diferentes veículos e até em submarinos
Uma revolução energética calcada no hidrogênio está em curso para tornar o mundo menos dependente do petróleo e reduzir as emissões de CO2 em 60% até 2050. Este cenário de renovação prevê, em apenas 12 anos, a circulação de 800 mil carros movidos a hidrogênio no Japão. País mais poluente do mundo, a China investirá US$ 360 bilhões neste tipo de energia até 2020. A Índia vai trocar toda a frota de ônibus de Nova Délhi para gás natural misturado com hidrogênio e depois estender o programa aos tuk-tuks motorizados.
Num cenário não menos ambicioso, o hidrogênio ajudará a Nasa a produzir oxigênio em Marte e, assim, colonizar o Planeta Vermelho. A Mars 2020 levará, a bordo do rover, uma variação de pilha de combustível, a SOEC. Combinada com energia solar, ela separa o dióxido de carbono para produzir oxigênio para poder, finalmente, levar o homem até Marte.
[g1_quote author_name=”Ayfer Veziroglu” author_description=”Associação Internacional de Energia do Hidrogênio” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Japão e China estão desenvolvendo locomotivas, a Siemens produz submarinos, tudo gerado com energia do hidrogênio. A Amazon planeja usar empilhadeiras a hidrogênio em seus armazéns. Telefones celulares também serão beneficiados por pilhas de combustível e levarão semanas para ser recarregados
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Veja o que já enviamosNo entender da vice-presidente da Associação Internacional de Energia do Hidrogênio, Ayfer Veziroglu, a realidade atual é bem diferente dos anos 1970, quando os defensores do hidrogênio como solução energética eram chamados de românticos ou idealistas.
Quase meio século depois, eles estão organizados em numerosas entidades, que fomentam pesquisas de novas tecnologias. Multinacionais formaram, por exemplo, o Hydrogen Council, uma poderosa coalizão global de 39 companhias, para liderar a economia do hidrogênio, criando um mercado de US$ 2,5 trilhões por ano e 30 milhões de empregos.
“Japão e China estão desenvolvendo locomotivas, a Siemens produz submarinos, tudo gerado com energia do hidrogênio. A Amazon planeja usar empilhadeiras a hidrogênio em seus armazéns. Telefones celulares também serão beneficiados por pilhas de combustível e levarão semanas para ser recarregados”, enumera Verziroglu.
O hidrogênio é um pilar da transformação de energia limpa e renovável, necessária para limitar o aquecimento global a 2 graus Celsius. Abundante, eficiente e limpo, pode ser utilizado em um motor de combustão interna ou em uma pilha de combustível para gerar energia. As tecnologias mais avançadas para transporte e armazenamento foram discutidas semana passada na 22ª Conferência Mundial de Energia do Hidrogênio (WHEC em inglês), que reuniu 800 especialistas no Rio de Janeiro.
O canadense Danny Epp, um dos criadores da pilha de combustível com membrana condutora de prótons (PEM), aplicada na indústria automobilística e em submarinos, atesta a rápida evolução nesta transição para o hidrogênio: “Os motores de combustão levaram 135 anos para se desenvolver. Já as pilhas de combustíveis entraram no mercado em apenas 35 anos.”
De hotel a caviar com energia do hidrogênio
Neste processo, o Japão tomou a dianteira. Dependente do petróleo, o governo estipulou que até 2030 sua sociedade será baseada no hidrogênio. Mas a frota de 800 mil carros requer infraestrutura de postos de abastecimento. O país conta hoje com 60; em 22 anos, serão 320. Num esforço coletivo, Toyota, Nissan e Honda, os três gigantes da indústria automobilística japonesa, se uniram e criaram uma empresa para construir postos e, assim, baratear os custos de implementação de seus veículos.
[g1_quote author_name=”Edson Orikassa” author_description=”gerente da Toyota Brasil” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Enquanto um carro elétrico leva oito horas para ser carregado, o movido a pilha de combustível gasta apenas 3 minutos
[/g1_quote]A Toyota já produziu 6 mil exemplares do Mirai, mais vendido entre os modelos a hidrogênio, com autonomia de 650km. O oxigénio reage com o hidrogênio, armazenado num tanque de alta pressão, gerando eletricidade necessária para impulsionar o veículo. E, no lugar de gases poluentes, emite água.
“Enquanto um carro elétrico leva oito horas para ser carregado, o movido a pilha de combustível gasta apenas 3 minutos”, atesta o gerente da Toyota Brasil, Edson Orikassa.
O preço é a grande desvantagem para este tipo de carro. No caso do Mirai, vendido também nos EUA e em alguns países europeus, custa em torno de US$ 60 mil. Em 2017, a Toyota produziu três mil, mas a meta, até 2020, é fabricar 30 mil por ano e, assim, baratear seu preço.
A sociedade baseada no hidrogênio idealizada pelo Japão ultrapassa os limites da mobilidade urbana. O país inaugurou recentemente o primeiro hotel do mundo gerado a hidrogênio, nas imediações do aeroporto de Tóquio. Em Shikaoi, no Norte do país, a energia do hidrogênio é usada também para fabricar caviar: o ciclo prevê a modificação do hidrogênio a partir do biogás do esterco animal, cuja energia é produzida para o cultivo do esturjão.
“Nosso objetivo é utilizar recursos regionais como energia renovável. Resíduos de plástico e lodo de esgoto vão contribuir não somente para expandir o hidrogênio de baixo carbono como para aumentar os índices de autossuficiência da energia regional”, explica o diretor de projetos do Departamento de Mudanças Climáticas do Ministério de Meio Ambiente, Yoshihiro Mizutano.
Brasil tem reservas em quatro estados
No mês passado uma greve de caminhoneiros pôs o Brasil refém do diesel e dependente de sua rede rodoviária. Com 43% de sua matriz energética composta de energias renováveis, os esforços aqui ainda são tímidos para uma transição para o hidrogênio, atesta o professor Paulo Emílio de Miranda.
Coordenador do Laboratório de Hidrogênio (LabH2) da COPPE/UFRJ e presidente da Associação Brasileira de Hidrogênio, ele observa que a fonte hidráulica e outras energias renováveis como eólica e solar, assim como o uso de derivados da cana de açúcar, são facilitadores para o Brasil.
E a 22ª WHEC apresentou como novidade a existência de reservas de hidrogênio natural em quatro estados brasileiros: Ceará, Minas Gerais, Tocantins e Roraima. Por enquanto, ainda estão em fase de pesquisas, num projeto da GEO4U e Engie, mas são promissoras, segundo o geólogo francês Alain Prinzhofer. Ele destaca as vantagens do hidrogênio natural sobre o produzido artificialmente. Em Mali, na África, o gás proveniente do solo é atualmente usado para gerar energia e iluminar um vilarejo perto da capital Bamako.
Uma das iniciativas que mais se destacam no Brasil do hidrogênio é o protótipo do ônibus híbrido desenvolvido pela Coppe/UFRJ, em parceria com Furnas, que já está na terceira geração. O veículo tem autonomia e 330 quilômetros e, na semana passada, levou a bordo os participantes da conferência num percurso da Barra da Tijuca à Cidade Universitária, na Ilha do Fundão.
[g1_quote author_name=”Robert Steinberger-Wilckens” author_description=”Universidade de Birmingham” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Todos pagam pelo impacto ambiental em questões de saúde, poluição e mortes precoces. O investimento inicial para o hidrogênio é mais alto, mas os seus benefícios para o meio ambiente são infinitamente maiores
[/g1_quote]Há também o Núcleo de Pesquisas do Hidrogênio, mantido pela Itaipu Binacional, que já domina todo o ciclo de obtenção do gás e armazenamento para uso em pilhas de combustível. “O laboratório interage com Itaipu. Utiliza o excedente de água para produzir hidrogênio”, explica Miranda.
O grande obstáculo da energia do hidrogênio é a sua viabilidade econômica. Pesquisas tentam baixar o custo desta tecnologia. E a eficácia de automóveis e ônibus está atrelada à rede de postos de abastecimento. “Só assim o consumidor se convencerá de que é vantajosa”, afirma o francês Paul Lucchese, que preside o Programa de Cooperação de Hidrogênio da Agência Internacional de Energia (IEA).
Mas o britânico Robert Steinberger-Wilckens, da Universidade de Birmingham, contabilizou os custos e constatou que a tecnologia do hidrogênio não é tão alta se levados em conta os prejuízos causados pelos combustíveis fósseis, como por exemplo, os danos ao meio ambiente:
“Todos pagam pelo impacto ambiental em questões de saúde, poluição e mortes precoces. O investimento inicial para o hidrogênio é mais alto, mas os seus benefícios para o meio ambiente são infinitamente maiores”, acrescenta.
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Trabalhou de 1983 a 2018 no jornal O Globo, onde ingressou como repórter da Rio. Foi correspondente em Portugal entre 1991 e 1995. De volta ao Brasil, foi editora-adjunta de Mundo e editora dos Jornais de Bairro. Liderou a editoria Mundo entre 2004 a 2018. Em 2017, editou também Sociedade. Atualmente, escreve análises sobre assuntos internacionais para o portal G1.