ODS 1
Governo faz ofensiva pelo marco legal da destruição socioambiental
Deputado ambientalista prevê pressão sobre o Congresso para aprovação de projetos com impacto ambiental listados como prioridade por Bolsonaro
Na abertura dos trabalhos do Legislativo, no dia 2 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro entregou aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira, uma lista de 45 projetos considerados prioritários pelo governo para 2022. Pelo menos 10 destes de projetos têm significativos impactos ambientais. “Este primeiro semestre vai ser crítico na luta para evitar esse retrocesso socioambiental e barrar a destruição”, afirma o ambientalista e deputado federal Nilto Tatto (PT/SP), que analisou os projetos para o #Colabora.
Desses 10 projetos na lista de Bolsonaro, cinco fazem parte do chamado Pacote da Destruição – citado na convocação do Ato em Defesa da Terra, liderado pelo cantor e compositor Caetano Velloso, com a participação de artistas e ONGs e marcado para esta quarta-feira (9/3), em frente ao Congresso Nacional. “A mobilização da sociedade é fundamental neste momento porque vai haver uma ofensiva no primeiro semestre, antes do começo da campanha eleitoral quando o governo pode liberar verbas de emendas parlamentares, o que facilita empurrar a pauta de Bolsonaro e seus aliados”, analisa Tatto.
Fundador do ISA (Instituto Socioambiental) e integrante da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, o deputado petista prevê a intensificação das articulações sob a liderança dos governistas e da bancada ruralista. “Podemos esperar de tudo, no melhor estilo boiada: votação em ritmo de urgência, sem discussão nas comissões, atropelando o debate. Nos próximos meses, eles vão buscar fortalecer o marco legal para destruição socioambiental que está em andamento no Governo Bolsonaro”, alerta.
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Na análise dos 10 processos listados por Bolsonaro, Nilto Tatto aponta as ameaças embutidas nas propostas e avalia a tramitação desses projetos no Congresso Nacional.
1) Mineração em Terras Indígenas – PL 191/2020 – Institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas. Regulamenta o § 1º do art. 176 e o § 3º do art. 231 da Constituição para estabelecer as condições específicas para a realização da pesquisa e da lavra de recursos minerais e hidrocarbonetos e para o aproveitamento de recursos hídricos para geração de energia elétrica em terras indígenas e institui a indenização pela restrição do usufruto de terras indígenas.
O projeto – de iniciativa do Poder Executivo – aguardava a criação de Comissão Especial para sua análise na Câmara dos Deputados, quando o presidente Bolsonaro aproveitou a guerra na Ucrânia para defender a mineração de potássio nas terras indígenas para a produção de fertilizantes, insumo agrícola importado da Rússia. Mesmo com informações de que há mais reservas do mineral fora dos territórios indígenas do que dentro, o presidente da Câmara, Arthur Lira, ameaça colocar o projeto para tramitar em regime de urgência para acelerar a aprovação pelos deputados. “Esse projeto faz parte da lógica de ocupação do solo, de acabar com a preservação, de incentivar as atividades econômicas. Não é só mineração, mas também projetos agrícolas e energéticos em terras indígenas, o que ameaça os direitos dos próprios indígenas e também da sociedade, porque o direito ambiental é difuso, é de todos”, argumenta Nilto Tatto, lembrando que “Bolsonaro tem verdadeira obsessão pela mineração nas terras indígenas e vem incentivando o garimpo ilegal” e que a bancada ruralista está empenhada na aprovação desse PL.
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Veja o que já enviamos2) Marco Temporal da Terras Indígenas – PL 490/2007 – Altera a Lei n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio.
O projeto já foi aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara e espera votação no Plenário. A proposta impediria os povos indígenas de obterem o reconhecimento legal de suas terras tradicionais se não estavam fisicamente lá em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição ou se não tinham nesta data uma controvérsia possessória de fato ou judicializada. “É um projeto muito ruim, completamente danoso aos interesses dos povos originários e significa uma ameaça a mais de 50% dos territórios indígenas”, frisa Nilto Tatto. O parlamentar acredita que a falta de decisão do STF sobre o marco temporal – o julgamento vem sendo adiado há mais de um ano – vai estimular a articulação do governo e de seus aliados para a votação. “Está provado que as terras indígenas são as áreas onde o ambiente está mais preservado. É uma ameaça aos direitos dos povos indígenas e à floresta”, acrescenta. Nilto Tatto acredita que, mesmo sendo aprovado, o PL será contestado no STF.
3) Licenciamento ambiental – PL 3729/2004 – Dispõe sobre o licenciamento ambiental; regulamenta o inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal; altera as Leis nºs 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e 9.985, de 18 de julho de 2000; revoga dispositivo da Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988; e dá outras providências
O projeto foi aprovado em agosto na Câmara e está em tramitação no Senado: a proposta está atualmente na Comissão de Meio Ambiente do Senado Federal, sob relatoria da senadora Kátia Abreu (PP-TO). É mais um da lista de prioridades de Bolsonaro e do Pacote da Destruição. “Essa é mãe de todas as boiadas porque liquida a legislação ambiental, sobrepõe os interesses econômicos aos interesses ambientais, acaba com os entraves, desautoriza os órgãos ambientais”, critica Tatto. O deputado admite que a legislação de licenciamento ambiental precisa ser modernizada. “Mas o projeto quer acabar com o licenciamento”, alerta. O texto libera do licenciamento obras de saneamento básico, obras de manutenção em estradas e portos, obras de distribuição de energia elétrica e outras consideradas de porte insignificante pela autoridade licenciadora. “Os protestos da sociedade fizeram com que o PL esteja sendo analisado com mais calma no Senado, com mais discussão. Mas os governistas estão pressionando e o senador Rodrigo Pacheco já sinalizou a intenção de votar”, preocupa-se o deputado petista.
4) Recursos para ações de fiscalização ambiental e reflorestamento – PL 4847/2019 – Altera as Leis nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências, e nº 7.797, de 10 de julho de 1989, que cria o Fundo Nacional de Meio Ambiente e dá outras providências, para estabelecer o perdimento administrativo de bens utilizados na prática de infrações ambientais, bem como a destinação desses bens e a aplicação dos valores decorrentes de sua alienação.
O projeto apresentado pelo então senador Ciro Nogueira, hoje ministro-chefe da Casa Civil, aguarda, desde 2019, a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Não faz parte do Pacote da Destruição, mas Nilto Tatto alerta para seus impactos. “O objetivo estratégico desse projeto é proteger os bens de quem pratica crime ambiental, impedindo a destruição desses bens como fazem hoje a Polícia Federal e o Ibama, em casos onde a apreensão é impossível ou sairia cara demais para o estado”, destaca o deputado. Apesar de ainda estar no começo da tramitação, o aparecimento na lista de prioridades do governo indica interesse em acelerar a aprovação.
5) Regularização Fundiária (PL da Grilagem) – PLS 510/2021(PL 2633/2020) – Altera as Leis nºs 11.952, de 25 de junho de 2009, 14.133, de 1º de abril de 2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos), e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a fim de ampliar o alcance da regularização fundiária; e dá outras providências.
O chamado PL da Grilagem, outro destaque do Pacote da Destruição, foi aprovado em agosto pela Câmara e está em tramitação no Senado onde o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), ex-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), é o relator da proposta nas comissões de Agricultura e de Meio Ambiente da Casa. “Este PL reflete o espírito de todos os projetos do governo nesta área: legalizar o ilegal, afrouxar os mecanismos de controle público, favorecer o interesse privado em detrimento do interesse público, da saúde, do meio ambiente”, frisa Nilto Tatto, ao analisar o projeto que facilita a regularização de terras invadidas e permite auto-declaração de propriedade. “PL da grilagem enfrentou muitas resistências da sociedade, mas é prioridade do governo e da bancada ruralista. Eles devem tentar aprovar de qualquer jeito no Senado”.
6) Defensivos Agrícolas ou Lei do Alimento Mais Seguro (PL do Veneno) – PL 6299/2002 – Altera os arts 3º e 9º da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências.
Outra proposta do Pacote da Destruição, o PL do Veneno, facilitando a aprovação dos agrotóxicos, foi aprovado na Câmara dias depois de Bolsonaro ter entregue sua lista de prioridades legislativas. “A oposição do senado deve estar alerta porque esta é outra evidente prioridade do governo e de seus aliados ruralistas”, aponta o deputado ambientalista.
7) Autocontrole na Produção de Alimentos – PL 1293/2021 – Dispõe sobre os programas de autocontrole dos agentes privados regulados pela defesa agropecuária e sobre a organização e os procedimentos aplicados pela defesa agropecuária aos agentes das cadeias produtivas do setor agropecuário, institui o Programa de Incentivo à Conformidade em Defesa Agropecuária e a Comissão Especial de Recursos da Defesa Agropecuária, e revoga os dispositivos das leis aplicadas à defesa agropecuária que estabelecem penalidades e sanções.
Outro projeto do Poder Executivo, foi enviado em abril e já foi aprovado pelas comissões de Agricultura, Finanças e Constituição e Justiça, apesar das críticas da oposição. “Faz parte desta mesma política do PL do veneno de afrouxar a fiscalização, prevalecer sempre o interesse econômico”, critica Nilto Tatto. Os oposicionistas devem levar o projeto para ser votado no Plenário mas a chance de derrotar os governistas é mínima. “Quando o governo consegue reunir sua base e unificar os interesses dos vários grupos que a compõem, fica quase impossível segurar a boiada”, lamenta.
8) Política Nacional sobre a Mudança do Clima – PL 6539/2019 – Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima, o Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde e dá outras providências
9) Concessões Florestais – PL 5518/2020 – Altera a Lei n.º 11.284, de 2 de março de 2006, para conferir maior celeridade ao processo licitatório, flexibilidade aos contratos e atratividade ao modelo de negócio das concessões florestais
10) Mercado de Carbono – PL 528/2021. Apensado ao PL 290/2020 – Regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), determinado pela Política Nacional de Mudança do Clima – Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009
São três projetos que nasceram de preocupações ambientalistas. O PL 6359/2019 foi feito, em conjunto, pela Comissão de Meio Ambiente do Senado; os senadores aprovaram a Política Nacional sobre Mudança do Clima no fim de 2021. O PL das Concessões Florestais tem, como um dos autores, o coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, Rodrigo Agostinho (PSB/SP), e foi discutido com ONGs. Foi aprovado na Comissão de Meio Ambiente da Câmara e está em análise na Comissão de Finanças. O PL do Mercado de Carbono, do deputado Marcelo Ramos (PSD/AM), vice-presidente da Câmara, também teve apoio de ambientalistas, mas virou alvo de preocupação desde que a deputada bolsonarista Carla Zambelli, presidente da Comissão de Meio Ambiente, designou a si mesmo como relatora. “Esses projetos são importantes para modernizar e adequar a legislação. A ameaça é usar propostas com o objetivo de valorizar a economia da floresta em pé e beneficiar as populações locais, as comunidades e os povos originários em instrumentos para atender ao grande interesse econômico, para beneficiar o latifúndio”, alerta Nilto Tatto.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade