A culpa não é da vítima

Incêndio na floresta em 2015, na região de Santarém, Pará: pesquisa constata que El Niño daquele ano provocou incêndios e seca extrema que mataram três bilhões de árvores até 2018 (Foto: Erika Berenguer)

Cientista brasileira da Universidade de Oxford alerta para o perigo de colapso da floresta amazônica. Somente no dia 5/9 foram registrados 2123 focos de incêndio

Por Marizilda Cruppe | ODS 13ODS 14 • Publicada em 7 de setembro de 2018 - 15:22 • Atualizada em 20 de julho de 2021 - 19:13

Incêndio na floresta em 2015, na região de Santarém, Pará: pesquisa constata que El Niño daquele ano provocou incêndios e seca extrema que mataram três bilhões de árvores até 2018 (Foto: Erika Berenguer)

Nem no Dia da Amazônia, a floresta foi poupada. Milhares de focos de incêndio foram detectados no bioma pelos sistemas de monitoramento do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A província do Amazonas foi criada por D. Pedro II, 168 anos atrás, num dia 5 de setembro, razão da efeméride. Mas, como comemorar se o número de queimadas na região, só em 2018, passa dos 20 mil?

Os cientistas sabem que a Amazônia está chegando no seu limiar de resiliência, quando a floresta entra em colapso. E eu faço um paralelo com o Museu Nacional, pois todos os pesquisadores e técnicos do museu sabiam que havia riscos de incêndio e fizeram inúmeros alertas. Nada foi feito e perdeu-se tudo. Nós também temos feito estudos, artigos e alertas de que a floresta vai colapsar. E o que tem sido feito?

Erika Berenguer, pesquisadora sênior do Instituto de Mudanças Ambientais, da Universidade de Oxford, estuda há nove anos o impacto do fogo e da extração de madeira nos estoques de carbono e na biodiversidade da Amazônia brasileira. “Os cientistas sabem que a Amazônia está chegando no seu limiar de resiliência, quando a floresta entra em colapso. E eu faço um paralelo com o Museu Nacional, pois todos os pesquisadores e técnicos do museu sabiam que havia riscos de incêndio e fizeram inúmeros alertas. Nada foi feito e perdeu-se tudo. Nós também temos feito estudos, artigos e alertas de que a floresta vai colapsar. E o que tem sido feito?” analisa a cientista.

A fumaça dos incêndios se espalha na Amazônia (Foto Erika Berenguer)
A fumaça dos incêndios se espalha na Amazônia (Foto Erika Berenguer)

Em 2015, Erika e sua equipe estavam no Pará quando ocorreu um incêndio de grandes proporções na região de Santarém, que durou quatro meses e afetou mais de 7400 km2 de florestas. A cientista teve a oportunidade de coletar dados antes, durante e depois do incêndio florestal. “Um dos fatores que facilita o limiar do colapso é o desmatamento, e as taxas têm aumentado de 2015 para cá. A cada ano são 5 mil km2 perdidos somente na Amazônia brasileira”, lamenta a pesquisadora.

O fogo tem se espalhado de maneira descontrolada por grandes extensões de Floresta Amazônica graças à ação do homem. Quando a floresta morrer não será possível culpar a vítima.

A pesquisadora é co-autora em quatro estudos que serão publicados em novembro, numa edição especial sobre o El Niño do “Philosophical Transactions Royal Society”, primeiro periódico científico do mundo, publicado desde 1665. “Publicaremos um estudo sobre o impacto nas emissões de carbono durante os incêndios e, outro, sobre a regeneração das florestas após esses incêndios”, adianta Erika.

A pesquisadora Erika Berenguer numa foto com o antes e o depois dos incêncios (Foto arquivo pessoal)
A pesquisadora Erika Berenguer numa foto com o antes e o depois dos incêncios (Foto arquivo pessoal)

Há três anos a Amazônia viveu uma situação de seca extrema, intensificada pelo fenômeno climático El Niño. Nesse período, o INPE detectou mais de 87 mil focos de incêndios na região, um aumento de 48% em relação a 2014, ano em que não foi registrada a ocorrência do El Niño.

A comunidade científica alerta que o clima amazônico tem se tornado mais quente e seco, o que deixa a floresta mais inflamável por causa do estado de degradação – sua cobertura tem menos copas, ou seja, por ser mais aberta permite a entrada de mais sol e vento, tornando-se mais seca, um combo de vulnerabilidade para incêndios. Estudos anteriores, dos quais Erika participou, mostraram que, após o fogo, as florestas queimadas que já sofreram com a exploração madeireira predatória perdem, em média, 40% de seus estoques de carbono,  e apresentam até 94% menos espécies de árvores, 54% de aves e 86% de besouros rola-bosta, uma perda que pode persistir por décadas. “Historicamente, a Amazônia não é um sistema florestal que queima”, explica a cientista.

O fogo tem se espalhado de maneira descontrolada por grandes extensões de Floresta Amazônica graças à ação do homem. Quando a floresta morrer não será possível culpar a vítima.

Marizilda Cruppe

​Marizilda Cruppe tentou ser engenheira, piloto de avião e se encontrou mesmo no fotojornalismo. Trabalhou no Jornal O Globo um bom tempo até se tornar fotógrafa independente. Gosta de contar histórias sobre direitos humanos, gênero, desigualdade social, saúde e meio-ambiente. Fotografa para organizações humanitárias e ambientais. Em 2016 deu a partida na criação da YVY Mulheres da Imagem, uma iniciativa que envolve mulheres de todas as regiões do Brasil. Era nômade desde 2015 e agora faz quarentena no oeste do Pará e respeita o distanciamento social.

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