Não se trata de regime para emagrecer. A “Dieta da saúde planetária” tem, claro, restrições, principalmente quanto ao consumo de carne e oleaginosas. Mas a causa é nobre e urgente. Nossos hábitos alimentares, além de causar danos ambientais à Terra, também têm aumentado as taxas de mortalidade e diminuído a expectativa de vida. Foi buscando melhorar esses indicadores que um grupo de 37 cientistas de vários países elaborou um guia, publicado na revista médica “The Lancet”, com os alimentos que podemos ingerir e as quantidades ideais. Tendo como base as restrições da dieta, o #Colabora convidou alguns chefs para criar ou adaptar pratos que já tinham nos seus cardápios e ensinar as receitas em vídeos.
“A maneira como produzimos, distribuímos e consumimos alimentos nos dias de hoje é insustentável, estamos consumindo os recursos naturais em uma velocidade que o planeta não tem resiliência para suportar, e mesmo assim a fome não diminui no mundo. Para piorar, a nossa dieta está nos adoecendo, vivemos uma epidemia de doenças não transmissíveis tais como: obesidade, diabetes e doenças cardíacas. Estamos na direção errada!”, alerta a chef Francine Xavier, da Cambucá consultoria, uma das palestrantes do evento que será realizado na Casa Firjan, no dia 2 de julho, para lançamento nacional do relatório e que busca discutir como podemos traduzir os preceitos da dieta para a nossa realidade brasileira.
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Veja o que já enviamosA ideia não é deixar ninguém passando fome. Para isso, metade do prato deverá ser composto de frutas, verduras ou legumes. Mas só é permitido, por exemplo, o consumo de um pedaço de carne e duas porções de peixe por semana. Os laticínios são restritos a 250 gramas diárias, o que corresponderia a cerca de um copo de leite, um pouco de queijo ou manteiga. Ovos, apenas pouco mais de um por semana.
Dá para comer bem?
Para a chef Tati Lund, do Org Bistrô, um dos mais renomados restaurantes veganos do Rio, economizar na carne não foi um problema ao adaptar sua receita para o #Colabora. Ela, que também é nutricionista, sentiu, no entanto, dificuldade diante da restrição quanto às oleaginosas:
“Para fazer o leite de castanhas, eu, em geral, uso bem mais castanha de caju. Precisei reduzir, mas deu certo. Sempre é possível nos adaptarmos na gastronomia ou nos nossos hábitos do dia a dia”, diz ela, que prepara uma série sobre como ter uma casa sustentável.
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Já o chef Nahuel Villegas, da Casa Momus, não abriu mão da sua porção de peixe. Ele resolveu adaptar um prato do restaurante, feito com purê de batata-baroa e salmão, e precisou cortar bastante no tamanho da proteína:
“No início, vai ser difícil. Mas creio que, aos poucos, nos adaptaríamos aos tamanho das porções”.
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O chef João Diamante, que promove debates sobre o futuro da gastronomia brasileira no espaço Na Minha Casa, lembra que um dos segredos da boa culinária é caprichar nos temperos. Ele, que viu muito desperdício quando trabalhava na chamada alta-gastronomia, hoje busca evitar sobras. Na sua “Couve-flor com mel, vinagrete e farofa cítrica”, por exemplo, vai farinha de pão velho e até a casca da laranja:
“Com tanta gente passando fome, é inconcebível jogar comida fora. Fora o impacto ambiental…”
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Serve mesmo para todo mundo?
Para a nutricionista Luciana Harfenist, a dieta é muito saudável, justamente por ser rica em alimentos de origem vegetal, como as hortaliças e frutas, que são as principais fornecedoras de vitaminas, minerais e compostos bioativos. Entretanto, ela alerta que não devemos padronizar as gramaturas de cada grupo alimentar para todos os indivíduos, já que cada um de nós tem sua individualidade bioquímica:
“Como a dieta padroniza gramaturas de alimentos, consequentemente, a ingestão calórica seria aproximada para todos os indivíduos, sem levar em consideração estilo de vida, atividade física, idade e sexo. E não é isso o que a ciência nos diz: devemos equilibrar o planejamento alimentar de acordo com as necessidades de cada um. Do ponto de vista qualitativo, provavelmente, ela é uma dieta que se aplica a todo mundo. Se as pessoas se adaptariam ou não, é uma questão de cada um. Já quantitativamente, é necessária a individualização. Os atletas, assim como qualquer indivíduo, não podem se beneficiar de uma dieta quantitativamente padronizada. O que vai determinar as quantidades é o objetivo atual de acordo com o momento em que o atleta se encontra (pré, durante ou pós competição) e a modalidade praticada”.
Além da necessidade de engajamento da população, para a dieta dar certo, é preciso vontade política e não só no enfrentamento do lobby feito pelo setor agropecuário. Isso porque, segundo Luciana, seriam necessárias políticas públicas, a fim de prevenir carências nutricionais como as de zinco e vitamina B12. Ela explica que os demais micronutrientes podem ser contemplados na dieta, principalmente se combinados de forma correta na alimentação. A alta ingestão de folhosos e outros vegetais verdes escuros (fontes de ferro), por exemplo, quando combinados a alimentos com vitamina C (morango, limão, laranja), podem prevenir a anemia:
“Para que seja bom para o corpo e para o planeta, precisamos sim reduzir a ingestão de produtos de origem animal, sobretudo das carnes, justamente pelo gigantesco impacto ambiental. Além disso, sabemos que os gados são alimentados com rações contendo agrotóxicos e tratados com muitos antibióticos, o que não é nada benéfico para a saúde desses animais e de quem os consome. Mas, não adianta estimularmos o consumo de alimentos de origem vegetal se não nos preocuparmos com os agrotóxicos que também poluem, geram impactos ambientais e nos predispõem a doenças crônicas não transmissíveis, como o diabetes e doenças cardiovasculares. Um ponto positivo é que isso também é uma preocupação do estudo”.
Quem já testou?
A jornalista britânica Laurel Ives, editora se saúde da BBC, chegou a testar a dieta. Como ela mesmo diz, sua família não é típica porque o marido é vegetariano. Ele, na verdade, foi quem se adaptou mais facilmente ao programa. Uma das filhas logo perguntou: “posso comer hambúrguer no fim de semana?”.
Dando seu veredito da dieta, Josie a descreveu assim: “Interessante e repugnante. É difícil para uma criança não poder comer coisas gordurosas, e comer coisas boas todos os dias. Da minha parte, aprendi que a vida pode existir com menos queijo. Estou determinada a continuar com os ensopados de verduras e legumes”.
Para a chef Francine, a dieta é um estímulo para quem busca ser mais saudável e sustentável:
“O Michael Pollain, jornalista e escritor americano, diz que a comida nos dá a oportunidade de mudar o mundo três vezes ao dia. É só pensamos nisso e mudarmos nossos hábitos “, finaliza a chef Francine.
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