A Câmara dos Deputados terminou a votação, nesta quinta, do projeto que muda o licenciamento ambiental e enfrenta pesadas críticas de especialistas. O PL restringe, enfraquece ou, em alguns casos, até extingue parte importante dos instrumentos de avaliação, prevenção e controle de impactos socioambientais de obras e atividades econômicas no país, de acordo com entidades ambientalistas. “O texto aprovado é tão nefasto que, de uma só vez, põe em risco a Amazônia, demais biomas e os nossos recursos hídricos”, afirmou Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental.
A Fundação SOS Mata Atlântica também divulgou nota para repudiar a aprovação do PL 3729/04 pela Câmara dos Deputados. “A Lei de Licenciamento Ambiental diz respeito à vida de todos os brasileiros de hoje e de amanhã”, alertou Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica. “O licenciamento ambiental trata do nosso direito a um ambiente saudável para as atuais e futuras gerações. É enorme a responsabilidade e a complexidade envolvidas nessa legislação, e por isso especialistas, a comunidade científica, órgãos gestores de meio ambiente e de recursos hídricos, enfim, a mais ampla representação da sociedade deveriam ter sido envolvidas nessa discussão, o que não ocorreu”, lamentou.
A pressão contra o projeto – que agora segue para o Senado – vem crescendo desde a decisão do presidente da Câmara, na quinta passada (06/05), de marcar a votação para esta semana e a divulgação do texto do relator, entidades e organizações da sociedade civil divulgaram manifestos e notas contra o PL – Observatório do Clima, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (Anamma), Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenação de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Também publicaram uma carta contra o PL nove ex-ministros do Meio Ambiente.
Nesta quinta, as entidades voltaram a se manifestar. “É uma afronta à sociedade brasileira. O país no caos em que se encontra e os deputados aprovam um projeto que vai gerar insegurança jurídica, ampliar a destruição das florestas e as ameaças aos povos indígenas, quilombolas e Unidades de Conservação. Assistimos, hoje, a uma demonstração clara de que a maior parte dos deputados segue a cartilha do governo Bolsonaro e vê a pandemia como oportunidade para ‘passar a boiada’ e atender a interesses particulares e do agronegócio”, protestou Luiza Lima, assessora de políticas públicas do Greenpeace Brasil.
Suely Araújo, analista sênior de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, disse que o texto implode a principal ferramenta da Política Nacional do Meio Ambiente. “Com a aprovação da Mãe de Todas as Boiadas, a Câmara dos Deputados, sob a direção do deputado Arthur Lira, dá as mãos para o retrocesso e para a antipolítica ambiental do governo Bolsonaro. É o texto da não licença, da licença autodeclaratória e do cheque em branco para o liberou geral”, destacou. Quem pagará a conta da degradação são os cidadãos brasileiros, para sustentar a opção daqueles que querem o lucro fácil, sem qualquer preocupação com a proteção do meio ambiente e com as futuras gerações. Judicialização e insegurança jurídica é o que eles terão como resposta”, previu Suely Araújo.
O relatório de Geller dispensa agricultura, pecuária e silvicultura de licenciamento, além de mais 13 tipos de atividades que geram impacto ambiental, como obras de redes de distribuição de energia e de manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes, como dragagens, por exemplo. A Licença por Adesão e Compromisso (LAC), uma espécie de licenciamento autodeclaratório via internet, é generalizada para grande parte dos setores econômicos. O parecer ainda permite que estados e municípios adotem procedimentos próprios, abrindo caminho a uma disputa por quem terá a regra menos restritiva para atrair investimentos e empresas.
Pelo texto aprovado na Câmara, será aplicada a licença auto declaratória à ampliação de capacidade e à pavimentação em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, o que abrange empreendimentos cuja implantação historicamente causa mais de 95% do desmatamento na Amazônia, como a pavimentação ou a ampliação de estradas e a ampliação de hidrelétricas,
Para André Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade, o projeto é Lei do Deslicenciamento. “Esse projeto instala no Brasil o autolicenciamento ambiental como regra. Para dar apenas um exemplo, dos 2 mil empreendimentos sob licenciamento ambiental em curso na capital do Brasil, 1.990 passarão a ser autolicenciados a partir do primeiro dia de vigência da nova lei”, apontou.
Os ambientalistas voltam agora suas baterias para o Senado e se preparam para uma batalha judicial. “O texto aprovado produzirá uma avalanche de problemas sociais e ambientais não avaliados e não mitigados por empreendimentos de significativo impacto ambiental. Os órgãos ambientais não terão condições de se manifestar em tempo, pois o prazo é impraticável, além de estarem sucateados e silenciados. Os parlamentares aprovaram um desastre que precisa ser revertido no Senado, ou no STF,” afirmou Alessandra Cardoso, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Ameaça a terras indígenas
Conforme levantamento do ISA, de acordo com a proposta aprovada, 297 Terras Indígenas ou 41% do total de áreas com processos de demarcação já abertos na Fundação Nacional do Índio (Funai) seriam desconsideradas para efeitos de avaliação, prevenção e compensação de impactos socioambientais de empreendimentos econômicos. O texto de Geller prevê o licenciamento apenas para territórios já homologados, isto é, com demarcação já concluída, ou com restrição de uso para grupos indígenas isolados.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosAlgo semelhante aconteceria com os territórios quilombolas. Conforme o texto de Geller, apenas áreas com processo de titulação concluído fariam jus ao licenciamento. Cerca de 84% dos mais de 1.770 processos de oficialização de quilombos já iniciados em âmbito federal, no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), seriam excluídos da análise dos órgãos ambientais.
Igualmente, impactos diretos e indiretos sobre Unidades de Conservação seriam ignorados. Do jeito que foi aprovado, o PL 3.729 obriga limita a manifestação do órgão gestor dessas áreas às situações em que elas estejam na Área Diretamente Afetada por empreendimentos econômicos.