Ex-ministros criticam proposta para nova lei de licenciamento ambiental

Substitutivo de ruralista, que pode ser votado esta semana, libera atividades da necessidade de licenças e abre espaço até para auto licenciamento

Por Oscar Valporto | ODS 14ODS 15 • Publicada em 10 de maio de 2021 - 19:14 • Atualizada em 11 de maio de 2021 - 14:43

Estação de Tratamento de Esgoto em Indaiatuba (SP): proposta libera obras assim de necessidade de licenciamento ambiental (Foto: Divulgação/SAEE)

Nove ex-ministros do Meio Ambiente divulgaram, nesta segunda-feira (10/05) carta com duras críticas ao substitutivo ao PL 3.729/2004, que flexibiliza a Lei de Licenciamento Ambiental, e foi colocado na pauta desta semana da Câmara dos Deputados. “O substitutivo abre uma série de exceções ao licenciamento de inúmeras atividades econômicas e à aplicação de instrumentos fundamentais para o licenciamento de forma a praticamente criar um regime geral de exceção ao licenciamento”, afirma o documento.

A manifestação dos ex-ministros – que serviram aos governos Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer – vem dois dias depois de carta assinada por entidades em defesa do meio ambiente no mesmo sentido. “O projeto de lei, se aprovado, resultará na proliferação de tragédias como as ocorridas em Mariana e Brumadinho (MG), no total descontrole de todas as formas de poluição, com graves prejuízos à saúde e à qualidade de vida da sociedade, no colapso hídrico e na destruição da Amazônia e de outros biomas”, afirma o texto assinado por Observatório do Clima, Instituto Socioambiental (ISA), SOS Mata Atlântica, WWF Brasil, Greenpeace Brasil, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Instituto Democracia e Sustentabilidade e Instituto Sociedade, População e Natureza.

Os ex-ministros José Goldemberg (governo Fernando Collor), Rubens Ricúpero (Governo Itamar Franco), Gustavo Krause e José Carlos Carvalho (Governo Fernando Henrique), Sarney Filho, Governos FH e Michel Temer), Marina Silva e Carlos Minc (Coverno Lula), Izabella Teixeira (Governo Dilma) e Edson Duarte (Governo Temer) manifestam “forte apreensão e rejeição a vários aspectos do novo texto e à votação precipitada, sem um debate público aberto com a sociedade”.

Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.

Veja o que já enviamos

A nova proposta de Lei de Licenciamento Ambiental pode flexibilizar a emissão de licenças a tal ponto que um dono de terras possa receber automaticamente o título, sem que nenhum órgão ambiental analise a atividade feita no local. O Projeto de Lei (PL) 3729/2004 estava na lista de prioridades levada pelo presidente Jair Bolsonaro aos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, em fevereiro, no início do ano legislativo. O autor do substitutivo é o deputado Neri Geller (PP-MT), vice-presidente da Frente Parlamentar da Agricultura, designado por Lira como novo relator este ano.

Na carta, os ex-ministros lembram que, ao longo dos últimos 40 anos, após entrada em vigor da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei Federal 6.938 de 1981), houve muitos avanços em aspectos importantes do desenvolvimento econômico, industrial, social, tecnológico e ambiental que certamente justificam uma atualização e unificação responsável da nossa legislação de licenciamento ambiental. Eles citam, “entre os graves problemas que distorcem e fragilizam um dos principais instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente”, a ênfase no auto licenciamento, “uma novidade até então sequer debatida com a sociedade”.

Tanto os ex-ministros quanto os ambientalistas destacam que o substitutivo ao PL – que pode entrar em votação na Câmara a partir desta terça (11/05) acaba com a necessidade de licenciar 13 atividades de impacto ao meio ambiente. “Trata-se da pior proposta já apresentada desde que o projeto de lei começou a tramitar, há dezessete anos”, apontam as ONGs.

Para os ex-ministros, o texto, se aprovado “deve aumentar a insegurança jurídica e a judicialização do licenciamento ambiental em todas as esferas, aumentar o risco para os necessários investimentos e, portanto, fulminar com o propósito principal perseguido por este projeto, qual seja, criar ambiente de negócios favorável para superarmos o quanto antes a gravíssima crise econômica que assola o País, em consequência da inepta gestão da pandemia pelo atual governo federal”.

Ex-ministros se colocam à disposição para o debate e a construção de uma proposta para uma nova Lei de Licenciamento Ambiental, mas enfatizam as críticas ao texto apresentado pelo relator. “Ao contrário do interesse maior do Brasil de promover o desenvolvimento sustentável em convergência com nossas metas de proteção da biodiversidade e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, o projeto de lei em referência praticamente fulmina de morte um dos principais instrumentos que deveria nos guiar para alcançá-las”, afirma a carta, antes de enumerar os pontos críticos da proposta.

Pontos graves que transformam o PL em Lei Geral do Não-Licenciamento / Auto Licenciamento:

• Art. 8: Propõe uma extensa lista com treze dispensas de licenciamento para atividades impactantes, como por exemplo: obras de serviço público de distribuição de energia elétrica; sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, inclusive com dispensa de outorga de direito de uso de recursos hídricos para o lançamento do efluente tratado; serviços e obras direcionados à manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, com impactos graves na indução de desmatamentos em regiões como a Amazônia; usinas de triagem de resíduos sólidos; pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos; usinas de reciclagem de resíduos da construção civil com potencial impacto em regiões urbanas, sobretudo nas periferias afetando comunidades carentes.

• Art. 9: Também ficam expressamente dispensados de licença: o cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes; a pecuária extensiva e semi-intensiva; além da pecuária intensiva de pequeno porte.

• Art. 3, XXVI, e art. 21: Estabelecem a licença auto declaratória (LAC – Licença por Adesão e Compromisso), figura criada para atender aos empreendimentos de baixo impacto ambiental e pequeno porte, que poderá ser emitida automaticamente sem qualquer análise prévia pelo órgão ambiental, e que passará a ser a regra do licenciamento no país, inclusive de médio impacto e porte. A proposta afirma que todo e qualquer empreendimento não qualificado como de significativo potencial de impacto, ou seja, a maioria absoluta do licenciamento no Brasil (que não passa por EIA/Rima), pode ser licenciado mediante esta modalidade automática e sem controle prévio, podendo abarcar todo tipo de empreendimento impactante, incluindo barragens de rejeitos como as que se romperam em Mariana e Brumadinho (MG);

• Art. 11: Ainda será aplicada a licença auto declaratória à ampliação de capacidade e à pavimentação em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, o que abrange empreendimentos cuja implantação historicamente causa mais de 95% do desmatamento na Amazônia, como a pavimentação ou a ampliação de estradas e a ampliação de hidrelétricas, os quais poderão ser realizados sem a adoção de qualquer medida destinada a conter o impacto do desmatamento e da grilagem de terras no bioma;

• Art. 4, § 1o, e art. 17, § 1o: Delegação para autoridades e órgãos estaduais e municipais de praticamente todas as definições complementares à lei, resultando na aplicação do licenciamento de forma muito distinta entre estados e municípios, e mesmo decisões caso a caso, o que inviabiliza a segurança jurídica de empreendimentos, a proteção ambiental e a padronização da legislação, além de abrir margem a atos de corrupção e barganha política;

• Art. 4, § 1o, e art. 8o, III: Permissão para estados e municípios dispensarem atividades impactantes de licenciamento ambiental, gerando uma corrida pela flexibilização ambiental entre esses entes para atrair investimentos sem respeito à legislação;

• Art. 13, §§ 1o, 2o e 5o: Dispensa de adoção de medidas para conter impactos de empreendimentos sobre o desmatamento, a saúde pública e outros bens resguardados pelo Poder Público;

• Art. 8, VII, e Art. 16: Inúmeras restrições à aplicação da Política Nacional de Recursos Hídricos, mediante a dispensa de outorga de recursos hídricos, podendo um empreendimento ser licenciado sem a necessária garantia de disponibilidade de recursos hídricos, além do descontrole sobre o lançamento de efluentes;

• Art. 16: Dispensa ao empreendedor de garantir conformidade com a legislação municipal pertinente, mediante a exclusão da certidão de uso, parcelamento e
ocupação do solo urbano;

• Art. 39, I, ‘a’, e art. 40, I, ‘a’: Exclusão da análise de impacto e da adoção de medidas para prevenir danos sobre todas as Terras Indígenas que ainda não tenham sido efetivamente demarcadas, o que representa cerca de um quarto do total;

• Art. 39, I, ‘c’, e art. 40, I, ‘c’: Eliminação da análise de impacto e da adoção de medidas para prevenir danos sobre todos os Territórios Quilombolas que ainda não tenham sido titulados, o que representa 87% do total;

• Art. 39, III, e art. 40, III: Exclusão da análise de impactos diretos e indiretos sobre Unidades de Conservação, abrindo caminho para a sua destruição e inviabilizando a proteção ambiental, com impactos nefastos sobre a biodiversidade;

• Eliminação da Responsabilidade Socioambiental das instituições financeiras rebaixando seu papel à mera consulta sobre vigência de licenças;

• Permissão para renovação automática da licença ambiental por mera autodeclaração de conformidade do empreender, sem qualquer verificaçãosobre o cumprimento das condicionantes ambientais.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

Newsletter do #Colabora

A ansiedade climática e a busca por informação te fizeram chegar até aqui? Receba nossa newsletter e siga por dentro de tudo sobre sustentabilidade e direitos humanos. É de graça.

Um comentário em “Ex-ministros criticam proposta para nova lei de licenciamento ambiental

  1. Tulio Luiz Laitano disse:

    Resumindo. Proposta para Extinguir o Licenciamento Ambiental e todas espécies nativas do Brasil. O governo segue na meta de acabar com o desmatamento ilegal até 2030 com duas frentes. Primeiro acabando com as florestas para que não tenha mais desmatamento ilegal, porque não vai mais ter o que desmatar, ou então transformando todo desmatamento em legal. 🙂 o que tbm acaba com o desmatamento ilegal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe:

Sair da versão mobile