Advogados europeus denunciam Bolsonaro ao Tribunal Criminal de Haia

O presidente Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto: denúncia no Tribunal Criminal de Haia por advogados europeus apontam que crimes contra o meio ambiente são crimes contra a humanidade (Foto: Mateus Bonomi/AGIF – 10/07/2021)

Denúncia ao procurador da corte aponta que desmatamento promovido pelo presidente e seu governo na Amazônia é um crime contra a humanidade

Por Oscar Valporto | ODS 14ODS 15 • Publicada em 12 de outubro de 2021 - 14:23 • Atualizada em 15 de outubro de 2021 - 20:24

O presidente Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto: denúncia no Tribunal Criminal de Haia por advogados europeus apontam que crimes contra o meio ambiente são crimes contra a humanidade (Foto: Mateus Bonomi/AGIF – 10/07/2021)

O presidente Jair Bolsonaro foi denunciado mais uma vez nesta terça-feira ao Tribunal Penal Internacional, a corte de Haia. Na manifestação apresentada perante a Corte, intitulada “O Planeta Vs. Bolsonaro”, ele é acusado de crimes contra a humanidade num processo movido por uma ONG de advogados da Europa, devido ao desmatamento que seu governo induziu na Amazônia.

O grupo, chamado AllRise, afirma que as ações do presidente brasileiro são “um ataque sistemático à Amazônia, suas florestas e seus defensores, e que resultam em sofrimento no mundo inteiro”, por estarem diretamente relacionadas aos impactos da mudança do clima. Segundo o AllRise, há base legal no tribunal de Haia para enquadrar o presidente brasileiro. A ONG espera criar, caso a manifestação seja acolhida, um precedente para litigar contra outros líderes globais que ajudam a fomentar a mudança do clima.

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“Crimes contra a natureza são crimes contra a humanidade. Jair Bolsonaro está fomentando a destruição em massa da Amazônia de olhos bem abertos e com conhecimento total das consequências. O ICC (International Criminal Court) tem o claro dever de investigar os crimes ambientais de tamanha gravidade global”, afirmou Johannes Wesemann, fundador da AllRise, em comunicado divulgado nesta terça.

A denúncia contra Bolsonaro tem 286 páginas – mais da metade com argumentos legais e o outra parte com dados científicos e climáticos apresentados por especialistas. “A destruição do bioma amazônico afeta a todos nós. Apresentamos na nossa queixa evidências que mostram como as ações de Bolsonaro estão diretamente ligadas aos impactos negativos da mudança climática em todo o mundo”, acrescentou Wesemann, ao anunciar à ação junto ao Tribunal Internacional de Haia.

Na ação, os advogados lembram que a Amazônia é reconhecida, há muito tempo, “como um dos órgãos mais vitais para a saúde humana e ambiental, do qual ambos são interdependentes local, regional e globalmente” e é fundamental para a saúde e segurança da humanidade, mas tamb extremamente vulnerável. “Por esta razão, qualquer ataque generalizado ao bioma Amazônia e àqueles que o defendem e dependem dele, como aquele deliberadamente facilitado e promovido pelo governo brasileiro do presidente Jair Bolsonaro esde 2019, representa uma ameaça clara e existente para a própria humanidade”, argumentam os autores.

O processo no Tribunal Internacional Penal lista ações de Bolsonaro e seu governo – citando pessoalmente o ex-ministro do Meio Ambiente Ricrdo Salles – que são considerados ataques à Amazônia Legal, seus defensores e às comunidades locais. “O ataque é conduzido de acordo com e na promoção de uma política premeditada e calculada para garantir a exploração descontrolada e insustentável dos recursos naturais e remover todas as proteções socioambientais”, acusam os autores.

De acordo com os advogados, os atos descritos na manifestação estão dentro da jurisdição material do Tribunal Penal Internacional. “Há um corpo substancial de evidências demonstrando o cometimento de crimes contra a humanidade em andamento no Brasil, o que requer investigação imediata e processo judicial”, afirmam os advogados da ALLRise.

Na argumentação sobre a necessidade de ação do Tribunal Internacional Penal, os autores lembram que, em 2016, o procurador do Tribunal Penal Internacional manifestou a intenção de promover a investigação e a repressão de crimes internacionais decorrentes da grilagem de terras, da exploração ilegal de recursos naturais e da destruição do ambiente em tempos de paz. “No século 21, em face das ameaças existenciais e imediatas à saúde e segurança globais, investigações dessa natureza constituem uma parte crítica do mandato conferido pela comunidade internacional”, argumentam. “O ICC agora tem a oportunidade – na verdade, o ICC tem o dever – de agir”, concluem.

Esta é a terceira vez que Bolsonaro é denunciado em Haia por motivos socioambientais. Em 2019, ele foi acusado por incitação ao genocídio de indígenas, numa ação movida pela Comissão Arns e pelo Cadhu (Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos). No ano passado, somou-se a essa denúncia uma outra, feita pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). A primeira denúncia está formalmente sob avaliação do tribunal desde dezembro passado – nunca uma ação contra um mandatário brasileiro havia avançado tanto em Haia.

A manifestação se apoia num estudo feito por pesquisadores da Universidade de Oxford que estima que as emissões de gases de efeito estufa em excesso atribuíveis ao governo Bolsonaro poderão causar milhares de mortes por excesso de calor em todo o planeta neste século. O desmatamento adicional por ano no atual governo é de cerca de 4.000 km2, o que causa emissões adicionais de CO2 maiores que as da Itália ou da Espanha. A denúncia inclui um anexo sobre o estímulo do governo Bolsonaro a desmatamento e queimadas no Pará e outro sobre o ataque aos indígenas Yanomâmis e suas terras em Roraima.

Wesemann e seus colegas dizem acreditar que essa vinculação, feita pela primeira vez numa iniciativa desse tipo, pode fazer o processo andar no tribunal – e criar jurisprudência. O grupo é integrado por nomes de peso e com grande experiência em litígios em Haia, como a advogada francesa Maud Sarliève, especialista em direitos humanos, e o britânico Nigel Povoas, conselheiro da Rainha da Inglaterra e que tem impetrado ações contra criminosos internacionais nos últimos 15 anos. Entre os assessores científicos da iniciativa está a alemã Friederike Otto, uma das autoras principais do novo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas).

(Com Observatório do Clima)

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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