Superar impasses sobre financiamento climático é o desafio da COP29

Debate sobre valores a serem desembolsados no combate à crise climática e a adaptação a seus efeitos e quem vai pagar essa conta é tema central na Conferência do Clima da ONU em Baku

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 10 de novembro de 2024 - 14:44 • Atualizada em 17 de novembro de 2024 - 08:28

Participantes começam a chegar no estádio em Baku que abrigará a COP29: desafio é superar impasses sobre financiamento climático (Foto: Dominika Zarzycka / NurPhoto via AFP)

A 29ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (UNFCCC) – a COP29 – começa, nesta segunda-feira (11/11 e vai até o dia 22/11) , em Baku, no Azerbaijão, com o financiamento climático no centro das atenções. A reunião de 196 países na Ásia Central  precisa aprovar a chamada NCQG, sigla em inglês para Nova Meta Quantificada Coletiva: o valor que os países desenvolvidos precisam levantar a partir do ano que vem para financiar o combate à crise climática e a adaptação a seus efeitos nos países em desenvolvimento. As nações menos responsáveis pelo aquecimento global de hoje são também as principais vítimas de eventos climáticos extremos. E, atualmente, também são os maiores emissores de carbono, na busca pelo desenvolvimento econômico.

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Como tudo relacionado a dinheiro, o debate central da COP29 será difícil apesar de ser cada vez mais urgente. “O financiamento é o mais essencial entre os resultados necessários este ano em Baku. E é inteiramente do interesse de cada nação garantir que a COP29 entregue uma nova meta ambiciosa de financiamento climático. Só podemos evitar que a crise climática dizime vidas e meios de subsistência em todas as economias se cada país tiver os meios para tomar ações climáticas mais fortes, cortando emissões e construindo resiliência em comunidades, infraestrutura e cadeias de suprimentos” afirmou Simon Stiell, secretário-executivo da UNFCCC, às vésperas da conferência.

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Lançado na quinta-feira (07/11), o  Adaptation Gap Report 2024: Come hell and high water (Relatório de Lacuna de Adaptação 2024: Venha o inferno e a maré alta) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), conclui que as nações devem aumentar drasticamente os esforços de adaptação climática, começando com um compromisso sobre financiamento na COP29. “Precisamos que os países desenvolvidos dobrem o financiamento da adaptação para pelo menos US$ 40 bilhões por ano até 2025 — um passo importante para fechar a lacuna financeira. Precisamos desbloquear uma nova meta de financiamento climático na COP29”, alertou o secretário-geral da ONU, António Guterres, no lançamento do relatório.

Guterres insistiu na urgência de decisões que devem ser tomadas em Baku. “A catástrofe climática está afetando a saúde, ampliando as desigualdades, prejudicando o desenvolvimento sustentável e abalando as fundações da paz”, disse o secretário-geral da ONU. “Os vulneráveis são os mais atingidos. E os contribuintes estão pagando a conta. Enquanto os fornecedores de toda essa destruição — particularmente a indústria de combustíveis fósseis — colhem enormes lucros e subsídios”, enfatizou.

No Acordo de Paris, em 2015, foi estabelecido que as nações ricas dariam US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020 para financiar a ação climática no resto do mundo: esse montante seria o piso para uma nova meta global de financiamento climático que passaria a vigorar a partir de 2025. Mas só uma parte desse dinheiro apareceu – e como empréstimo.  Para a ONU, a NCQG precisa corrigir as falhasda meta de 100 bi e aumentar muito a quantidade de recursos – só para implementar parte dos planos climáticos existentes os países em desenvolvimento necessitariam de pelo menos US$ 5 trilhões até 2030.

Na visão do Observatório do Clima, principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, dois grandes nós sobre o financiamento precisam ser desatados na COP29. O primeiro é o chamado ‘quantum da NCQG’, que tem as estimativas mais diversas. Na versão mais recente do texto de negociação, o quantum vai de “mais de US$ 100 bilhões por ano” a US$ 2 trilhões por ano – a dívida climática dos países ricos, estimada em US$ 192 trilhões até 2050, ou R$ 6,2 trilhões por ano. E as nações mais ricas alegam não ter esse dinheiro.

Além do quanto, o outro nó, relacionado ao primeiro, diz respeito à chamada base de doadores: quem deve contribuir? Os países desenvolvidos afirmam que o mundo mudou desde os anos 1990, quando a Convenção do Clima foi criada, e agora Coreia do Sul, China e países árabes, por exemplo, que eram isentos de responsabilidade financeira no passado, não podem mais ser considerados “pobres”. O G77, bloco das nações em desenvolvimento, naturalmente discorda. Esse impasse deve ser alvo de muito debate em Baku.

Entre as pautas principais da COP29, estão também a conclusão das negociações para a regulamentação dos mercados globais de carbono; os instrumentos para tornar operacional o Fundo de Resposta a Perdas e Danos, acordado em 2022 no Egito e criado no ano passado em Dubai na COP28, e o detalhamento da Meta Global de Adaptação, acordada em 2023 em Dubai, cujos indicadores precisam ser finalizados no ano que vem, na COP30, em Belém do Pará.

ONU: adaptação precisa de salto no financiamento

O Relatório de Lacuna de Adaptação 2024, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) às vésperas da abertura das  negociações climáticas da COP29, em Baku, conclui que há, portanto, uma necessidade urgente de aumentar significativamente a adaptação nesta década para lidar com os impactos crescentes. “Mas isso está sendo dificultado pela enorme lacuna que existe entre as necessidades de financiamento da adaptação e os atuais fluxos de financiamento público internacional para adaptação”, aponta o texto, destacando que o aumento da temperatura média global está se aproximando de 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, e as últimas estimativas do Relatório de Lacuna de Emissões do PNUMA “colocam o mundo no caminho para um aumento catastrófico de 2,6 a 3,1 °C neste século” caso não haja cortes “imediatos e importantes” nas emissões de gases de efeito estufa.

Lançado pouco antes das negociações climáticas da COP29 em Baku, Azerbaijão, o relatório conclui que há, portanto, uma necessidade urgente de aumentar significativamente a adaptação nesta década para lidar com os impactos crescentes. Mas isso está sendo dificultado pela enorme lacuna que existe entre as necessidades de financiamento da adaptação e os atuais fluxos de financiamento público internacional para adaptação.

Os fluxos internacionais de financiamento público para adaptação para países em desenvolvimento aumentaram de US$ 22 bilhões em 2021 para US$ 28 bilhões em 2022: o maior aumento absoluto e relativo ano a ano desde o Acordo de Paris. Isso reflete o progresso em direção ao Pacto Climático de Glasgow, que instou as nações desenvolvidas a pelo menos dobrar o financiamento de adaptação para os países em desenvolvimento de cerca de US$ 19 bilhões em 2019 até 2025.

No entanto, mesmo atingir a meta do Pacto Climático de Glasgow reduziria apenas a lacuna de financiamento de adaptação, estimada em US$ 187-359 bilhões por ano, em aproximadamente 5%. “A mudança climática já está devastando comunidades em todo o mundo, especialmente as mais pobres e vulneráveis. Tempestades violentas estão destruindo casas, incêndios florestais estão destruindo florestas, e a degradação da terra e a seca estão degradando paisagens”, disse Inger Andersen, Diretora Executiva do PNUMA. “As pessoas, seus meios de subsistência e a natureza da qual dependem estão em perigo real devido às consequências da mudança climática. Sem ação, esta é uma prévia do que nosso futuro reserva e por que simplesmente não há desculpa para o mundo não levar a sério a adaptação, agora.”

O relatório pede que as nações intensifiquem suas ambições adotando uma nova meta coletiva quantificada forte sobre financiamento climático na COP29 e incluindo componentes de adaptação mais fortes em sua próxima rodada de promessas climáticas, ou contribuições nacionalmente determinadas, previstas para o início do ano que vem, antes da COP30 em Belém, Brasil. “Adaptação eficaz e adequada, incorporando justiça e equidade, é, portanto, mais urgente do que nunca”, afirma o texto.

A publicação aponta que, sobre o planejamento, 171 países agora têm pelo menos um instrumento nacional de planejamento de adaptação — política, estratégia ou plano — em vigor. Dos 26 países sem um instrumento nacional de planejamento, 10 não mostram nenhuma indicação de desenvolver um; sete desses países são estados frágeis ou afetados por conflitos.  De acordo com o documento do Pnuma, as ações de adaptação estão em uma tendência geral ascendente, mas não são compatíveis com as necessidades geradas pela crise climática. Além disso, as avaliações de projetos implementados com o apoio das entidades financiadoras sob a UNFCCC mostram que, aproximadamente, metade não é satisfatória ou é improvável que seja sustentável sem fundos de projeto a longo prazo.

O relatório – batizado sugestivamente de ‘Come hell and high water’ (Venha o inferno e a maré alta) – alerta que, Dada a escala do desafio, preencher a lacuna de financiamento da adaptação também exigirá “abordagens inovadoras” para mobilizar recursos financeiros adicionais. O Pnuma cita  a criação de fundos e facilidades de financiamento, planejamento fiscal climático e marcação de orçamento climático, integração no planejamento nacional de desenvolvimento e estruturas de despesas de médio prazo e planejamento de investimento em adaptação. O relatório aponta ainda que o financiamento da adaptação também precisa mudar seu foco de ações reativas, para uma adaptação mais preventiva, estratégica e transformadora, caso contrário, não fornecerá a escala ou os tipos de adaptação necessários.

Os impasses no financiamento também são destacados pelo Relatório de Lacuna de Adaptação 2024. “A questão de quem paga pela adaptação não está sendo abordada adequadamente. Em muitos acordos de financiamento, os custos finais da adaptação são bancados pelos países em desenvolvimento; isso pode ajudar a preencher a lacuna financeira, mas não está alinhado com o princípio de responsabilidades comuns, com diferenciadas e respectivas capacidades, ou com o princípio do poluidor-pagador”, alerta.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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