O fato inegável de que o mundo continua a aumentar a emissão de gases de efeito estufa e, por conseguinte, segue no caminho do agravamento do aquecimento global, é prova cabal de que o método das COPs é insuficiente para resolver o problema
O embaixador argumenta que o enfrentamento da crise climática é uma negociação que envolve uma maquinaria pesada, reuniões exaustivas e nenhum espaço para improvisações, atalhos ou fórmulas capazes de economizar tempo ou esforço. E, à medida que a COP30 se aproxima, vai ficando cada vez mais claro que “a mera circunstância de que a próxima é de número trinta mostra bem a dificuldade da tarefa”. Com o multilateralismo em crise e o “mau exemplo” dado pelo presidente americano, Donald Trump, Ricupero, aos 88 anos, está convencido da necessidade de se buscar fórmulas inovadoras para destravar as discussões em foros menores, como, por exemplo, o G20. Em entrevista para o #Colabora, foi taxativo: “No caso do clima, não: o tempo disponível não é elástico, ao contrário, é limitado”, ao comparar com outras questões fundamentais como direitos humanos e educação elementar, por exemplo.
Leu essa? COP30 enfrentará o imbróglio do financiamento climático: quem vai pagar a conta?
#Colabora – A COP está voltando para o Brasil, depois da Rio-92 ter sido um marco na história ambiental global. Pouco mais de três décadas depois, qual o balanço desse período?
Minha impressão, no entanto, é que o desafio central de abrir mão dos combustíveis fósseis atinge a todos os países. A prova é que o Brasil, anfitrião da conferência, continua com a intenção de explorar os possíveis recursos petrolíferos da foz do Amazonas
Rubens Ricupero – A Convenção das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) foi assinada no início da Rio-92. As COPs procedem desse momento: constituem as conferências das partes-contratantes da Convenção e têm como objetivo dar cumprimento ao estabelecido na Convenção. A mera circunstância de que a próxima é de número trinta mostra bem a dificuldade da tarefa. Não há dúvida de que, em pouco mais de três décadas, houve avanços significativos em termos de conscientização do desafio e da tomada de medidas concretas, sobretudo em relação à transição gradual para a adoção de fontes limpas e renováveis de energia. Por outro lado, o fato inegável de que o mundo continua a aumentar a emissão de gases de efeito estufa e, por conseguinte, segue no caminho do agravamento do aquecimento global, é prova cabal de que o método das COPs é insuficiente para resolver o problema. Daí a consciência crescente de que se deve encontrar um método mais rápido e eficaz para conseguir o objetivo mínimo: começar a reduzir a emissão de gases estufa e tornar possível atingir a meta de limitar o aquecimento a 1,5ºC.
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Veja o que já enviamos#Colabora – O desejo da presidência brasileira à frente da COP30 é que seja a “COP da virada”, porque é o momento de implementar decisões do Acordo de Paris. Desde a Rio-92 ficou claro como é difícil conciliar os interesses dos países desenvolvidos e os dos em desenvolvimento. Acredita que essa disputa vá se repetir ainda com mais força?
Não creio que o problema deva ser reduzido a uma questão Norte-Sul, ricos contra pobres, desenvolvidos versus em desenvolvimento. Há aspectos que pertencem a essa categoria. Minha impressão, no entanto, é que o desafio central de abrir mão dos combustíveis fósseis atinge a todos os países. A prova é que o Brasil, anfitrião da conferência, continua com a intenção de explorar os possíveis recursos petrolíferos da foz do Amazonas. Da mesma forma, muitos dos grandes produtores de petróleo ou dependentes de carvão são países em desenvolvimento (China, Índia, Nigéria, etc), que enfrentam dificuldades reais em renunciar a essas fontes.
#Colabora – Financiamento climático continua sendo a pedra no sapato dos negociadores. Criou-se inclusive um mapa do caminho, batizado de “Baku a Belém” na tentativa de destravar os recursos financeiros. Qual seria a alternativa para aumentar o volume de recursos para bancar a transição?
Não se deve esquecer que o processo onusiano envolve mais de 190 países e por isso mesmo até questões aparentemente inocentes provocam divergências com frequência. Nas COPs, o desafio é muito maior devido à relevância do que está em jogo e do esforço de implementação que os governos são chamados a realizar após as reuniões
Rubens Ricupero – Desde o início, o financiamento sempre foi uma questão desafiadora. Na Rio-92, fui o presidente da comissão de finanças e já então o problema era exatamente o mesmo. Naquela época, o canadense Maurice Strong, presidente do processo preparatório, estava convencido de que era ilusão imaginar que a maioria dos recursos viriam de fontes públicas, isto é, dos governos dos países ricos. Seria necessário identificar métodos de financiamento inovativos, em especial a partir da precificação das emissões de carbono e suas variantes, como as taxas a serem cobradas sobre as emissões, as transações em “carbon permits” etc. Não creio que o panorama tenha mudando em substância. De um lado, a idade de ouro da ajuda externa ao desenvolvimento procedente das economias avançadas terminou desde antes da década de 1980 e nunca mais voltou. Do outro, a situação atual indica que mesmo os países ricos enfrentam problemas de déficits orçamentários em alguns casos expressivos (caso da França por exemplo) e se vêm pressionados por outras demandas recentes como as do rearmamento devido ameaças da Rússia. Isso sem mencionar a atitude militantemente hostil de Trump e do governo norte-americano. Pode haver alguma possibilidade de recursos de fontes multilaterais como os grandes bancos e organismos multilaterais de crédito, mas aí também a procedência do dinheiro terá de ser das economias mais avançadas, perspectiva, como vimos, limitada. A médio e longo prazos, será impossível solucionar a questão sem precificar as emissões de carbono.
#Colabora – Em muitas das conferências das Nações Unidas não é incomum o encontro ocorrer com praticamente todas as decisões acertadas previamente. Na COP sobre mudança climática, não é assim: os humores mudam com muita rapidez. O que difere esse tipo de encontro de outros?
A conjuntura internacional é bastante desfavorável à convergência de visões, ponto de partida para a construção do consenso e para avançar em soluções multilaterais. A diferença para pior é evidente quando se compara o instante atual com a fase da Rio92, logo depois da queda do Muro de Berlim e do fim da Guerra Fria
Rubens Ricupero – Não sei se a descrição que se faz de conferências da ONU corresponde à realidade. Fui Secretário-Geral da UNCTAD em dois mandatos (1995-2004) e, nesse mesmo período, ocupei a função de Subsecretário Geral das Nações Unidas. Não me recordo de muitas reuniões em que tudo ou a maior parte estivesse resolvido antes. A não ser em pontos irrelevantes, sem importância. Não se deve esquecer que o processo onusiano envolve mais de 190 países e por isso mesmo até questões aparentemente inocentes provocam divergências com frequência. Nas COPs, o desafio é muito maior devido à relevância do que está em jogo e do esforço de implementação que os governos são chamados a realizar após as reuniões.
#Colabora – A crise climática avança em meio a um cenário global complexo: tarifaço, multilateralismo em xeque, guerras pelo mundo… o que se esperar da COP30?
No caso do clima, não: o tempo disponível não é elástico, ao contrário, é limitado. Só não sabemos exatamente a partir de quando as mudanças passarão a ser irreversíveis. Por esse motivo é que temos de começar já a nos preparar não só para a prevenção, mas igualmente para a adaptação
Rubens Ricupero – Com efeito, a conjuntura internacional é bastante desfavorável à convergência de visões, ponto de partida para a construção do consenso e para avançar em soluções multilaterais. A diferença para pior é evidente quando se compara o instante atual com a fase da Rio92, logo depois da queda do Muro de Berlim, da dissolução da União Soviética, do comunismo em inúmeros países e do fim da Guerra Fria. Mas, assim como não nos é dado escolher o momento de nossa vida, tampouco podemos simular que estamos vivendo num mundo diferente do atual. O que se deve fazer é redobrar de esforços, sobretudo da parte daquela parcela significativa da comunidade internacional que reconhece a realidade do aquecimento global: a Europa em seu conjunto (mais de 30 países), China, Índia, Brasil, África do Sul, México, Austrália, a maioria dos países em grau maior ou menor. Felizmente, o mau exemplo de Trump não se propagou a outros países, permaneceu mais ou menos restrito. Ao mesmo tempo, é indispensável buscar fórmulas inovadoras, como as sugeridas, por exemplo, pelo professor José Ely da Veiga, do IEA da USP: foros menores como o G20, as cinquenta e pouco maiores empresas responsáveis por 80% das emissões, substitutos para os combustíveis fósseis para veículos do tipo do etanol, do diesel vegetal, do hidrogênio, quer dizer, produtos resultantes de avanços da tecnologia. O mais preocupante é que a questão do aquecimento global difere, em aspectos essenciais, da maioria das outras questões humanas. Estas (direitos humanos, educação elementar, por exemplo) são questões nas quais gostaríamos de avançar mais rapidamente, mas, se isso não for possível, sabemos que haverá sempre a possibilidade de recuperar no futuro o tempo perdido. No caso do clima, não: o tempo disponível não é elástico, ao contrário, é limitado. Só não sabemos exatamente a partir de quando as mudanças passarão a ser irreversíveis. Por esse motivo é que temos de começar já a nos preparar não só para a prevenção, mas igualmente para a adaptação a muitas situações que já se encontram em fase avançada de mudança.