Metas climáticas insuficientes para conter o aquecimento global

Às vésperas da COP30, relatório da Convenção e Clima da ONU tem análise sobre NDCs de apenas 64 países que cumpriram prazo. Ambientalistas criticam redução das emissões abaixo do necessário e falta de compromisso de grandes emissores

Por Liana Melo | ODS 13
Publicada em 28 de outubro de 2025 - 17:21  -  Atualizada em 28 de outubro de 2025 - 19:49
Tempo de leitura: 9 min

Em frente à sede da BP (antiga British Petroleum), no centro de Londres, ativistas protestam contra o crescimento do uso de combustíveis fósseis no mundo. Foto Henry Nicholls/AFP. 3 de dezembro de 2023

Se totalmente implementadas, as metas climáticas (as Contribuição Nacionalmente Determinas, NDCs na sigla em inglês) apresentadas até o último dia 30 de setembro levariam a uma redução agregada de 17% nas emissões até 2035 em relação a 2019, podendo chegar a 24% com a implementação integral das metas condicionais. É o que constatou o Instituto Talanoa ao analisar o último Relatório de Síntese da Convenção e Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). O grupo de países avaliados no documento representa apenas um terço das emissões globais.

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Considerado um dos documentos mais aguardados antes da COP30, porque permite avaliar o nível de ambição e implementação das metas climáticas no caminho para limitar o aquecimento a 1,5°C, conforme o Acordo de Paris, o relatório está sendo visto com muita preocupação. Somente 64 de 197 países apresentaram NDCs no prazo e a menos de duas semanas da COP30 em Belém, o mundo ainda aguarda dois terços das novas metas climáticas serem apresentadas.

Temos uma enorme lacuna a fechar, e a COP30 é o momento para fazê-lo. Precisamos de um processo que permita aos países discutir o que realmente está travando a implementação do que foi acordado há dois anos — sobretudo o abandono dos combustíveis fósseis

Stela Herschmann
Especialista em Política Climática do Observatório do Clima

Do grupo de países avaliados, apenas sete deles são membros do G20.  Ou seja: apenas um terço dos grandes emissores globais enviou NDCs novas até setembro de 2025. Isso não inclui a China nem a União Europeia (apenas parcialmente). Por outro lado, considera os Estados Unidos (por conta da NDC submetida pela administração Biden em 2024). “As metas ficaram mais sofisticadas, mas o problema é o mesmo: estamos gerindo uma crise sem a urgência de uma crise”, analisou Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, comentando que “há algo de profundamente equivocado em celebrar uma queda de 17% nas emissões quando a ciência diz que precisamos de 60%”.

Unterstell está convencida de que “Belém precisa ser o momento em que o constrangimento gera uma resposta coletiva dos países à crise das NDCs”. Segundo a análise do Talanoa com base nas NDCs até agora encaminhadas, o mundo ainda estaria bem abaixo da trajetória de 1,5° e 2°C, que exigiria reduções de 60% e 27% até 2035, respectivamente.

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Em comparação com relatórios-síntese de anos anteriores, a edição de 2025 mostrou um retrocesso em termos de cobertura de países. Em 2024, a abrangência foi de 95% das emissões globais em 2019, considerando metas para o ano de 2030.

Ainda segundo o Talanoa, no relatório-síntese de 2025, não houve alteração significativa das metas para 2030. Isso significa que, politicamente, os compromissos seguem inalterados e num ritmo extremamente abaixo do necessário para descarbonização das economias nesta década.

Para Alexandre Prado, líder de mudanças climáticas do WWF-Brasil, os países “estão empurrando as ações para o futuro e deixando que as próximas gerações arquem com a conta do que emitimos hoje”. Apesar das críticas, ele aponta avanço “importantes” nas metas climáticas até agora apresentadas. “Quase 90% das NDCs abrangem toda a economia, e não apenas setores isolados, o que representa uma mudança estrutural positiva na forma como os países estão planejando seu desenvolvimento”, destacou, acrescentando que é promissor ver o fortalecimento das sinergias entre mitigação e adaptação, especialmente em ações baseadas na natureza, como a conservação de manguezais e florestas.

Especialista em Política Climática do Observatório do Clima (OC), Stela Herschmann, considera que um relatório com apenas um terço dos dados não é suficiente para avaliar corretamente o que vai acontecer no futuro. No entanto, acrescenta, o documento diz muito sobre o grau de comprometimento dos países com o maior desafio que a humanidade enfrenta. “Temos uma enorme lacuna a fechar, e a COP30 é o momento para fazê-lo. Precisamos de um processo que permita aos países discutir o que realmente está travando a implementação do que foi acordado há dois anos — sobretudo o abandono dos combustíveis fósseis.”

Já para Letícia Leobet, assessora internacional de Geledés – Instituto da Mulher Negra, o relatório da UNFCCC evidencia um avanço importante ao reconhecer o gênero como dimensão das políticas climáticas. Mas, diz ela, não é suficiente. “É preciso que essa inclusão vá além da retórica e se traduza em mecanismos concretos de equidade, financiamento e participação das mulheres nos processos decisórios.”

Leobet admite sua preocupação com a ausência absoluta de qualquer menção à raça ou às populações afrodescendentes. Isso expõe, analisa, a “persistente cegueira racial do sistema climático internacional”. Para ela, a superação da tripla crise global climática-ambiental é inviável sem considerar a transversalidade da raça nas negociações e iniciativas de transição verde. E finaliza, acrescentando que “enquanto as NDCs continuarem cegas à questão racial, as respostas globais ao clima seguirão incompletas — e as vozes das mulheres negras e das comunidades afrodescendentes continuarão fora do centro das soluções.” O Brasil foi um dos poucos países que incluiu raça e gênero em sua NDC.

As críticas ao volume das metas climáticas analisadas pela UNFCCC, mostram que “o mundo está se movendo — mas em câmera lenta”, comenta Andreas Sieber, diretor-associado de Políticas e Campanhas da 350.org.

Se os compromissos nacionais apresentados até agora saírem do papel, teremos a primeira redução substancial de emissões de carbono desde a Revolução Industrial”, comenta Bruno H. Toledo Hisamoto, analista de diplomacia climática do Instituto ClimaInfo. Mas a queda estimada de 10% até 2035 é pequena, analisa, quando comparada com os quase 60% de redução de emissões defendidos pelo IPCC para conter o aquecimento global em 1,5ºC neste século. “De novo, a mensagem principal é de urgência: precisamos aumentar a ambição, ampliar esforços e engajamento, e intensificar o ritmo da transição para longe dos combustíveis fósseis.”

Apesar de uma maior ambição e avanços pontuais, como no caso de gênero, como salientou Leobet, ainda persistem lacunas de financiamento para ações climáticas baseadas na natureza. “As florestas representam um terço da solução global para as mudanças climáticas, mas recebem apenas 3% do financiamento climático. Esse desequilíbrio precisa ser corrigido. É essencial garantir que mecanismos como os mercados de carbono de alta integridade, o REDD+ e o Tropical Forest Forever Facility (TFFF) ofereçam financiamento previsível para aqueles que protegem a natureza. Sem florestas, financiamento e responsabilidade real, não alcançaremos as metas do Acordo de Paris — e o tempo está se esgotando“, comentou Gustavo Souza, diretor senior de Políticas Públicas e Incentivos da Conservação Internacional.

Segundo o relatório de síntese da Convenção de Clima (UNFCCC) divulgado nesta terça-feira (28), 89% dos países agora têm metas que cobrem toda a economia; 73% incluem planos de adaptação; 70% tratam de transição justa; 89% abordam igualdade de gênero; 88% incluem crianças e jovens em suas estratégias; e 78% mencionam o oceano em suas NDCs, um aumento de 39% em relação ao ciclo anterior.

A ONU descreve as novas metas como “um sinal de progresso real e crescente”, mas o relatório alerta que “ainda é necessária uma aceleração significativa” para cumprir as metas de temperatura do Acordo de Paris. “As Partes estão achatando sua curva combinada de emissões, mas ainda não com rapidez suficiente”, afirma o texto.

 

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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