Mata Atlântica mostra regeneração e recupera 16% de cobertura florestal

Estudo aponta que recuperação começa nas pequenas propriedades e 22% das áreas regeneradas são novamente desmatadas

Por Oscar Valporto | ODS 15
Publicada em 28 de outubro de 2025 - 09:02  -  Atualizada em 28 de outubro de 2025 - 09:08
Tempo de leitura: 10 min

Área de Mata Atlântica restaurada no interior do estado do Rio: regeneração do bioma avança, mas 22% das áreas recuperadas são novamente desmatadas (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil – 26/11/2024)

As florestas da Mata Atlântica estão voltando a crescer: entre 1993 e 2022, 4,9 milhões de hectares entraram em processo de regeneração, área maior que a do estado do Rio de Janeiro e equivalente a 16% da cobertura florestal atual do bioma.  Estudo realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Centro de Ciência para o Desenvolvimento (CCD) Estratégia Mata Atlântica, com apoio de iCS, Fapesp, Ipê, Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, The Nature Conservancy (TNC) e WWF Brasil, revela, entretanto que, desse total, em 3,8 milhões de hectares (78%) as florestas permanecem de pé (a chamada recuperação persistente), enquanto 1,1 milhão de hectares (22%) voltaram a ser desmatados (recuperação efêmera).

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Os dados do estudo revelam que a Mata Atlântica convive simultaneamente com o desmatamento e com um elevado potencial de recuperação natural. “A Mata Atlântica mostra uma impressionante capacidade de regeneração natural, mesmo sob pressão, mas parte dessa floresta ainda volta a ser suprimida. Estamos ganhando e perdendo florestas ao mesmo tempo”, afirma o agrônomo e engenheiro ambiental Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica e coautor do estudo, apresentado nesta terça-feira (28/10) em evento com transmissão ao vivo pelo YouTube.

De acordo com o levantamento, grande parte da regeneração das florestas foi registrado em terras privadas: pequenos produtores rurais foram responsáveis por 45% da área total recuperada. Em muitos casos, de maneira natural ou por meio de plantios, a vegetação volta a crescer nas bordas das lavouras, nas margens dos rios e nas encostas íngremes, onde o uso agrícola é limitado. “É nas pequenas propriedades que a regeneração tem mostrado maior força e persistência, com papel essencial na recuperação de nascentes, na reconexão dos fragmentos florestais da Mata Atlântica e na retenção de carbono”, ressalta Guedes Pinto.

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Devido a séculos de uso e ocupação, a Mata Atlântica é o bioma brasileiro com a menor proporção de vegetação nativa remanescente: de acordo com o MapBiomas,  atualmente, as florestas ocupam 24% dos 130 milhões de hectares do bioma protegido pela Lei da Mata Atlântica (Lei No 11.428/2006), distribuído por 17 estados brasileiros. O bioma está muito fragmentado na maior parte de sua extensão, com mais de 90% dos seus fragmentos menores que 50 hectares, e segue ameaço por desmatamentos e incêndios: “mais de 40% das cerca de 5.000 espécies de árvores do bioma estão sob algum grau de ameaça de extinção”, lembra o estudo.

Além da recuperação de cobertura vegetal, o processo de regeneração da Mata Atlântica contribui de maneira significativa para o equilíbrio climático. O estudo estima que as florestas regeneradas acumularam 98 milhões de toneladas de carbono entre 1993 e 2022. Por outro lado, as áreas desmatadas após o processo de regeneração resultaram na emissão de 22 milhões de toneladas, anulando parte dos ganhos ambientais.

Área devastada de Mata Atlântica em Minas Gerais: estado tem maior regeneração e também maior desmatamento (Foto: SOS Mata Atlântica – 20/05/2022)

São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo têm saldo positivo

O estudo ‘Onde a floresta retorna e persiste’ tem como objetivo realizar uma avaliação quantitativa e qualitativa da recuperação de florestas na Mata Atlântica. Os pesquisadores identificaram dois tipos de recuperação florestal com base nos levantamentos por satélite do MapBiomas: a recuperação persistente, área que era de uso antrópico (agropecuária) em 1993, passou por recuperação da vegetação nativa (floresta) e permanece como floresta em 2022; e a recuperação efêmera, área que era de uso antrópico (agropecuária) em 1993, passou por recuperação da vegetação nativa (floresta) por pelo menos três anos, mas esta floresta foi cortada novamente, retornando ao uso antrópico em 2022.

Os estados de Minas Gerais e Paraná lideram tanto a regeneração persistente, com mais de 900 mil hectares cada, quanto a efêmera, com 263 mil hectares e 192 mil hectares, respectivamente – mas são esses também os estados que mais desmatam. Em seguida, destacam-se São Paulo (479 mil ha), Santa Catarina (362 mil ha), Rio Grande do Sul e Bahia. No caso da regeneração efêmera, após Minas e Paraná, sobressaem Rio Grande do Sul (144 mil ha), Santa Catarina, Bahia, São Paulo e Espírito Santo.

O estudo mostra que São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo já apresentam um saldo positivo de cobertura nativa: a área de floresta que volta a crescer supera a que ainda se perde. Esse fenômeno, conhecido como transição florestal, indica que, nas regiões onde o desmatamento diminuiu e a proteção se consolidou, a floresta está voltando a ocupar espaço. “São estados que já atravessaram a fase mais crítica de destruição e agora vivem um ciclo de recuperação líquida. É um sinal de que, quando a pressão diminui e as políticas de proteção se mantêm, a floresta responde” explica o professor Jean-Paul Metzger, pesquisador do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ecologia, e também coautor do estudo.

A regeneração florestal é uma agenda de que toda a sociedade só tem a se beneficiar. Se conseguirmos consolidar esse processo, combinado à restauração e a políticas eficazes de incentivo, a Mata Atlântica pode se tornar uma referência internacional em recuperação de ecossistemas

Jean-Paul Metzger
Professor e pesquisador do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ecologia

De acordo com o documento, a maior parte da área em recuperação (76%) ocorre em terras privadas registradas no Incra ou no CAR (Cadastro Ambiental Rural), enquanto 20% estão em terras sem registros em bases públicas abertas georreferenciadas. O restante (4%) ocorre em terras públicas. A proporção entre recuperação efêmera e persistente é similar entre essas categorias. A distribuição da recuperação por tipo de propriedade segue o padrão geral na Mata Atlântica, onde 75% das terras são privadas, 10% públicas e 15% sem registro.

O estudo destaca ainda tendência de maior recuperação em propriedades pequenas: quase metade da área em recuperação (45%) está em imóveis pequenos (menores que quatro módulos fiscais), 16% em imóveis médios (entre quatro e 15 MF) e 19% em imóveis grandes (maiores que 15 módulos fiscais). A distribuição da área de imóveis por tamanho na Mata Atlântica é de 42% para pequenos, 18% para médios e 25% para grandes. Tanto a recuperação persistente quanto a efêmera concentram-se principalmente em imóveis pequenos (34% e 11%, respectivamente), contra 16% e 3% em imóveis grandes.

A recuperação da Mata Atlântica ocorre particularmente em Áreas de Preservação Permanente (APPs) hídricas – de nascentes e beiras de
cursos d´água – e em Reservas Legais (RL). “As APPs cobrem cerca de 16 milhões de hectares (13% da área total do bioma), mas representam
25% da área em recuperação (1,1 milhão de hectares), sendo 27% em recuperação persistente e somente 16% efêmera”, aponta o estudo. No caso das Reservas Legais declaradas no CAR, há um total de 19 milhões de hectares (16% da área total da Mata Atlântica); 29% da área em recuperação (1,4 milhão de hectares) está em RLs, sendo um terço correspondente à recuperação persistente e 14% à efêmera.

Viveiro de mudas nativas de Mata Atlântica do Instituto Terra: projeto de reflorestamento no Espírito Santo (Foto: Wevertson Rocio/Cesan)

Inspiração para outros biomas

Embora o avanço da regeneração revele a resiliência da Mata Atlântica, os números evidenciam que a floresta que ressurge ainda pode ser perdida caso não haja políticas que garantam sua permanência. Para isso, os pesquisadores propõem uma combinação entre fiscalização efetiva e estímulos financeiros – priorizando pequenos imóveis rurais e terras de baixa aptidão agrícola, onde o custo de oportunidade é menor e o impacto ambiental é maior. Entre as medidas sugeridas estão o fortalecimento do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Mata Atlântica (PPCDMA), do Planaveg, a ampliação de programas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).

Além disso, como boa parte da regeneração se dá em Reservas Legais, há a urgência da implementação da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (também conhecida como Novo Código Florestal). “Aliada tanto do clima quanto da economia rural, a regeneração florestal é uma agenda de que toda a sociedade só tem a se beneficiar. Se conseguirmos consolidar esse processo, combinado à restauração e a políticas eficazes de incentivo, a Mata Atlântica pode se tornar uma referência internacional em recuperação de ecossistemas. O estudo mostra que já temos uma base relevante de florestas voltando naturalmente, mas cabe a nós garantir que cresçam, permaneçam e inspirem outros biomas do país e do mundo”, aponta Metzger.

Os pesquisadores também apontam que a restauração ativa deve priorizar as áreas com baixa densidade de fragmentos, onde a regeneração natural apresenta menor probabilidade de ocorrer naturalmente. “A proximidade das áreas em recuperação de grandes fragmentos florestais reforça a importância da permanência dessas novas formações para conectar os poucos e pequenos remanescentes existentes, ampliar os serviços ecossistêmicos e fortalecer o papel da Mata Atlântica no enfrentamento das crises globais do clima e da biodiversidade”, frisa o estudo.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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