Plano Clima prevê aumento das emissões da produção e consumo de energia até 2035

Estudo do Instituto Talanoa mostra que Brasil avançou na maioria das políticas relacionadas ao clima, mas ainda não caminha para longe dos combustíveis fósseis

Por Oscar Valporto | ODS 13
Publicada em 22 de outubro de 2025 - 11:15  -  Atualizada em 22 de outubro de 2025 - 11:28
Tempo de leitura: 13 min

Refinaria Abreu e Lima, da Petrobras, em Pernambuco: Plano Clima do Brasil prevê aumento das emissões em produção e consumo de energia (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil – 01/11/2024)

Relatório “Política Climática por Inteiro”, lançado nesta quarta (22/10) pelo Instituto Talanoa, mostra que de 41 áreas de políticas públicas relacionadas ao clima, o Brasil avançou no ano passado em 21, avançou pouco em 15, não avançou em três, e retrocedeu em duas. O estudo, que analisa a trajetória do país para neutralizar as emissões de gases de efeito estufa em 2050, revela, entretanto, que, apesar desses avanços, o próprio Plano Clima – lançado em julho pelo governo brasileiro, mas ainda pendente de aprovação final no Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM) – projeta aumento até 2035 nas emissões da produção de energia, indústria e transportes – setores que fazem uso de combustíveis fósseis.

Existe uma grande resistência do agronegócio em assumir sua responsabilidade na redução das áreas desmatadas e na recuperação da vegetação nativa, o que pode, inclusive, atrasar a aprovação da versão final do Plano Clima

Marta Salomon
Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília e especialista sênior do Instituto Talanoa

O documento do Talanoa, organização da sociedade civil dedicada à política climática, aponta que, com o Plano Clima, o Brasil chega à COP30 “com um inédito mapa do caminho para reduzir emissões e se adaptar às mudanças climáticas”, mas ressalta que falta uma estimativa clara do custo de implementação dos compromissos climáticos. “O Brasil sedia a COP30 num momento dramático, quando o mundo está muito perto do limite de 1,5º grau de aumento da temperatura do planeta, meta estabelecida após o Acordo de Paris, que virá com vários colapsos do ecossistema. E o Brasil tem responsabilidade nisso como sexto maior emissor de gases de efeito estufa”, destacou a jornalista Marta Salomon, doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília e especialista sênior do Instituto Talanoa, na apresentação do estudo.

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O relatório aponta as principais falhas do plano elaborado pelo governo. “O Plano Clima tem lacunas relevantes em relação ao que era esperado, a começar pela falta de um sinal claro de transição para longe dos combustíveis fósseis, conforme previsto na declaração final da COP de Dubai, com base no primeiro Balanço Global do Acordo de Paris (GST, na sigla em inglês)”, afirma o documento.

Vimos que tanto para reduzir as emissões como para promover a adaptação, não é preciso apenas reforçar investimentos na transição, é urgente alinhar o gasto público ao desafio climático

Marta Salomon
Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília e especialista sênior do Instituto Talanoa

O estudo aponta enfatiza ainda que, além de não prever o afastamento dos combustíveis fósseis, Plano Clima tem outras lacunas importantes: no enfrentamento das emissões da agropecuária, amplamente dominada pelo metano da chamada fermentação entérica, o processo digestivo do gado, e na gestão do uso da terra, que concentra grande parte das emissões do Brasil.  “Se o combate ao desmatamento e as medidas para restauração da vegetação não forem implementados, dificilmente o país alcançará as metas climática declaradas em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC)”, ressalta o documento.

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O relatório do Instituto Talanoa destaca a necessidade de adaptação a um clima que já mudou, lembrando que o Brasil é um país bastante vulnerável a secas, enchentes, inundações e ondas de calor. “Vimos que tanto para reduzir as emissões como para promover a adaptação, não é preciso apenas reforçar investimentos na transição, é urgente alinhar o gasto público ao desafio climático”, afirmou Marta Salomon.

De acordo com o estudo, estimativas oficiais mais recentes indicam que as mudanças climáticas já atingiram diretamente mais de 113 milhões de brasileiros na última década, em quase 5 mil municípios, danificando 1,7 milhão de moradias e causando prejuízos superiores a R$ 455 bilhões. Apesar de os recursos do PAC serem apontados como uma fonte importante para a adaptação no curto prazo, o Talanoa destaca que “a maior fatia dentro do eixo Cidades Sustentáveis e Resilientes do programa é destinada ao programa Minha Casa Minha Vida, que não conta com critérios claros de análise de riscos climáticos e promoção de resiliência”. O estudo lembra ainda que obras de prevenção de desastres, gestão de resíduos sólidos, esgotamento sanitário, mobilidade urbana e urbanização de favelas, mais alinhados à agenda de adaptação, devem receber, entre 2023 e 2026, o equivalente a 18% dos investimentos previstos no mesmo período em petróleo e gás, que contribuem para o agravamento da crise climática.

O documento do Instituto Talanoa reforça a necessidade de alinhamento dos investimentos públicos à resiliência climática mas classifica “como um avanço notável na agenda de adaptação” a seleção de 581 municípios considerados prioritários, que contarão com capacitação em 2026 para elaborar seus planos locais de adaptação às mudanças climáticas. Feita em conjunto com os governos estaduais, a seleção engloba municípios com quase 53 milhões de habitantes no total (cerca de 26% da população brasileira).

Área desmatada para cultiva agrícola ao lado de terra indígena em Mato Grosso: agronegócio resiste ao Plano Clima que prevê combate ao desmatamento e restauração florestal em imóveis rurais privados (Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil – 09/04/2025)

Combater desmatamento para reduzir emissões

Na avaliação do Talanoa, como a meta de 2025, que exigiria uma redução de 719 milhões de toneladas de CO2e em três anos, já se mostrava uma missão quase impossível, o Plano Clima trabalha nas etapas intermediárias de 2030 e 2035. O intervalo estabelecido para 2035, entre 850 milhões de toneladas de CO2e e 1,05 Gt de CO2, foi objeto da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) submetida pelo governo brasileiro à Convenção do Clima em novembro de 2024, durante a COP de Baku, no Azerbaijão.

Como o primeiro Balanço Global do Acordo de Paris recomendou um corte de 43% das emissões globais até 2030 e um corte de 60% até 2035, com base nas emissões de 2019, o Brasil precisa recuperar o prejuízo de andar na contramão, sobretudo entre 2017 e 2021. “O descumprimento dessa primeira meta do nosso compromisso climático é algo que o país terá de enfrentar um pouco mais adiante; o importante agora é assegurar que a transição para uma economia de baixa emissão de carbono e resiliente às mudanças climáticas seja implementada”, destacou Marta Salomon.

A maior parte do esforço de mitigação previsto pelo Plano Clima está concentrada no combate ao desmatamento e na restauração florestal, prevendo  drástica redução da supressão de vegetação nativa também nos imóveis rurais o que permitiria reduzir e capturar 1.084 Gt CO2e na meta mais ambiciosa para 2035. “Existe uma grande resistência do agronegócio em assumir sua responsabilidade na redução das áreas desmatadas e na recuperação da vegetação nativa, o que pode, inclusive, atrasar a aprovação da versão final do Plano Clima”, alertou a especialista sênior do Instituto Talanoa. “A  agropecuária resiste, mesmo dependendo enormemente da estabilidade do clima para produzir”, acrescentou, lembrando que o Plano Clima prevê o pagamento de incentivos que desestimulem a retirada de vegetação nativa nos imóveis rurais.

Sem considerar o desmatamento, de que a atividade também é em grande parte responsável, para a abertura de áreas para lavouras e pastagens, atualmente a agropecuária responde por mais de 30% das emissões brasileiras. Apesar disso, o Plano Clima não inclui qualquer medida para enfrentar a maior fonte de emissões do setor, a fermentação entérica (o processo digestivo do gado), responsável por 65% dos gases de efeito estufa do setor e quase a quinta parte (20%) das emissões totais do Brasil.

Ao analisar os incentivos climáticos para a agricultura familiar e o grande agro, o relatório do Talanoa encontrou cenários diferentes. O Plano Safra da Agricultura Familiar dá destaque maior ao contexto da crise climática, com a criação de linhas para apoiar a agroecologia, a irrigação sustentável e a adaptação às mudanças climáticas. A agricultura familiar também conta com ações inovadoras no Plano Setorial de Agricultura e Pecuária, como a implantação de corredores agroecológicos produtivos em regiões metropolitanas. No grande agro, ao contrário, há poucas iniciativas: apenas uma parcela pequena do Plano Safra é destinada às tecnologias que reduzem a emissão de gases de efeito estufa da atividade.

O Plano Clima prevê que as emissões da indústria brasileira aumentem até 11% até 2030 e entre 13% e 34% até 2035, comparadas aos níveis de 2022, incluindo a queima de combustíveis fósseis do setor, aumentando a participação do setor no total de emissões do país. As metas setoriais da indústria parecem não estar de acordo com a política industrial lançada em 2024, conhecida como Nova Indústria Brasil (NIB), mostra o estudo do Instituto Talanoa.

Usina solar em Minas Gerais: Plano Clima prevê menos participação de renováveis na geração de energia elétrica (Foto: Tadeu Alencar / MME)

Transição energética?

O relatório do Talanoa destaca que a transição para longe dos fósseis, estabelecida na declaração final da COP de Dubai, em 2023, segue sem cronograma definido no Brasil também, como nos demais países do mundo. Não há indicação clara de redução da produção nem do consumo de combustíveis fósseis no Plano Clima, em sua versão submetida à consulta pública. Pelo contrário: no conjunto de ações que tratam da produção e do consumo de energia, o Plano Clima projeta um aumento de até 14% das emissões de gases de efeito estufa até 2035. Há pressão maior na continuidade ou aumento de queima de combustíveis fósseis na produção de energia, na indústria e nos transportes, com possibilidade de aumentarem suas emissões, respectivamente, em 44%, 34% e 16% até 2035.

Também não há meta, no Plano Clima, referente ao percentual de renovabilidade da matriz energética brasileira, que alcançou 50% em 2024, bem acima dos 14,3% de fontes renováveis médios no mundo. No Brasil, o petróleo ainda responde por 34% da oferta interna de energia. Com o gás natural e o carvão mineral, as fontes fósseis somam 48,1% da matriz energética.

Na geração de energia elétrica, a expectativa é que as fontes renováveis tenham participação menor, segundo o Plano Setorial de Produção de Energia. Considerados não apenas o Sistema Interligado Nacional (SIN), mas também os sistemas isolados, a importação de eletricidade e a autoprodução não-injetada na rede, a matriz elétrica brasileira é 88,2% renovável, segundo dados do Balanço Energético Nacional.

Porém as metas do Plano Clima são de 82,7% de renovabilidade em 2030 e algo entre 82,7% e 86,1% em 2035. O estudo conclui que a matriz elétrica brasileira ficará menos limpa. “Com uma matriz elétrica que recua em percentual de fontes renováveis e uma matriz energética sem indicação clara de abandono gradual dos combustíveis fósseis até 2035, seria possível perguntar: que transição energética é essa?”, questiona o relatório.

A peça-chave na transição energética brasileira é a produção de biocombustíveis. Ela tem investimentos estimados em R$ 110 bilhões entre 2025 e 2035, segundo estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), para o Plano Decenal 2035. A maior parcela desses investimentos teria como destino a produção de combustível sustentável de aviação (SAF) e hidrogênio de baixa emissão de carbono, a expansão de canaviais (mantendo a cana-de-açúcar como principal matéria-prima para a produção de etanol) e também a produção de etanol de milho.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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