ODS 1
Roteiro brasileiro para fim dos combustíveis fósseis começa a sair do papel


Lula dá 60 dias para os ministérios do Meio Ambiente, Fazenda e Minas e Energia, e Casa Civil apresentarem as diretrizes para a transição energética justa, mas condiciona financiamento à exploração de petróleo e gás


O despacho publicado ontem no Diário Oficial da União onde o presidente Lula convoca os ministérios de Minas e Energia, Fazenda e Meio Ambiente e mais a Casa Civil para, num prazo de 60 dias, a contar da publicação, apresentarem uma proposta com diretrizes para a elaboração do mapa do caminho para a transição energética justa e planejada rendeu elogios e críticas.
O despacho deixa claro que será criado um Fundo para a Transição Energética, cujo “financiamento será custeado por parcela das receitas governamentais decorrentes da exploração de petróleo e gás natural”. A proposta será submetida à apreciação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
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Para o Instituto Internacional Arayara, a proposta não faz sentido e a organização vê com profunda preocupação a transição energética brasileira ser financiada com as receitas provenientes da exploração continuada de petróleo e gás. “Trata-se de uma contradição estrutural: não é coerente — nem sustentável — financiar a superação dos combustíveis fósseis com a ampliação da sua própria extração”, critica o Arayara.
Na avaliação da instituição, é uma lógica que perpetua a dependência do país de um setor altamente emissor, instável e socialmente impactante, além de atrasar a mudança de rota necessária para enfrentar a crise climática. “Vincular o financiamento da transição à expansão fóssil significa, na prática, reforçar o mesmo modelo que gera os problemas que se pretende resolver.”
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Veja o que já enviamosAo criticar o despacho da presidência da República, o Arayara defende que essa discussão seja levada ao Fórum Nacional da Transição Energética (Fonte), espaço que o instituto considera fundamental para a construção de alternativas que permitam formular caminhos estruturantes para o país. “Colocamo-nos à disposição do governo brasileiro para contribuir tecnicamente com alternativas que rompam com a dependência petrolífera e apontem para um modelo energético verdadeiramente sustentável, equitativo e alinhado à ciência climática e aos compromissos internacionais assumidos pelo país.”
A proposta causou um certo espanto, mas não pode ser considerado uma surpresa. Durante a COP30, o presidente Lula já havia proposto que parte dos lucros da exploração de petróleo fosse usada para financiar a transição energética global e no Brasil.
Os quatro ministros, Fernando Haddad (Fazenda), Marina Silva (Meio Ambiente), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Rui Costa (Casa Civil) já haviam começado a discutir domesticamente o mapa do caminho na semana passada.
Para a 350.org, o prazo de 60 dias para a apresentação de um conjunto de diretrizes reforça foi bem vista pelo diretor de Políticas e Campanha da instituição, Andreas Sieber. Para ele, a decisão do presidente Lula de começar a desenvolver um roteiro de transição para aposentar os combustíveis fósseis é um “sinal importante e bem-vindo”.
Mas adverte, no entanto, que a credibilidade da proposta vai depender de como será planejada. “Isso requer garantir financiamento adequado, justo e transparente para tornar a transição real nos territórios e comunidades”, comentou, acrescentando que isso exige um processo “verdadeiramente participativo, envolvendo cientistas, sociedade civil, trabalhadores cujos meios de subsistência estão em jogo, e comunidades tradicionais cujos direitos devem ser plenamente respeitados”.
No governo, a ideia é que o Brasil fará o desenho de sua proposta de “redução gradativa da dependência” de fósseis enquanto a dupla que comanda a COP30 – o embaixador André Corrêa do Lago, presidente, e Ana Toni, CEO – trabalha no roteiro internacional para estabelecer os critérios de justiça, ordenamento e equidade da transição global. “É notável como a linguagem relativa à transição energética fica mais diluída a cada passada pela roleta da política. A ‘eliminação gradual’ dos combustíveis fósseis virou ‘transição para longe dos combustíveis fósseis’ em 2023 em Dubai, ‘superação da dependência’ dos fósseis em Belém e, agora, no Brasil, ‘redução gradativa da dependência’”, comentou Claudio Angelo, coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima.
O organização, entretanto, considerou positiva a iniciativa do governo brasileiro. “Mesmo assim, o presidente Lula parece estar levando a sério a proposta do mapa do caminho. Se o Brasil, país em desenvolvimento e oitavo maior produtor de petróleo do mundo, demonstrar que está disposto a seguir o que prega, fica mais difícil para os outros países alegar dificuldade”, acrescentou.
O secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, apontou ainda que é preciso acompanhar a efetividade das medidas. “O despacho está em linha com o que o presidente demandou dos países na COP30: que o mundo apresentasse um mapa do caminho para o fim do uso dos combustíveis fósseis. Nada mais justo do que o autor da ideia fazer seu dever de casa. Ter a iniciativa é ótimo, mas também é preciso que o plano tenha um bom resultado”, alertou Astrini.
Em abril, será realizada a 1ª Conferência Internacional para a Eliminação dos Combustíveis Fósseis, na Colômbia, como foi anunciado na COP30. O encontro, coordenado pelos governos da própria Colômbia e da Holanda, vai ocorrer na cidade de Santa Marta nos dias 28 e 29 daquele mês.
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Liana Melo
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.








































