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Relatório do IPCC acende alerta vermelho para cidades costeiras do Brasil
Documento aponta urgência de medidas para conter o aquecimento do planeta para evitar eventos climáticos extremos
Divulgado nesta segunda (20/03), o relatório-síntese sobre mudanças climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, da ONU) enfatiza alertas sobre a urgência de medidas para conter o aquecimento do planeta para evitar o agravamento no futuro do que já está acontecendo agora, no presente: os eventos climáticos extremos estão mais frequentes e intensos e atingem, principalmente, as populações mais vulneráveis pessoas e os ecossistemas mais frágeis. “O relatório é um guia de como desarmar a bomba-relógio climática”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres.
Para o Brasil, as conclusões do relatório indicam a necessidade de ações emergenciais e imediatas para reduzir os efeitos da crise climática. “As cidades costeiras brasileiras estão sob grande ameaça por causa do aquecimento dos oceanos e da elevação do nível do mar. Já enfrentamos seguidos eventos extremos e precisamos agir para proteger a população das cidades”, afirmou o físico Paulo Artaxo, ex-integrante do IPCC e hoje coordenador do Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais da Fapesp, durante o debate “Relatório Síntese do IPCC e os desafios para o Brasil”.
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O oceanógrafo Moacyr Araújo, coordenador da Rede Clima (Rede Brasileira de Pesquisas Climáticas Globais) lembrou as tragédias recentes provocadas pelos temporais na Região Metropolitana do Recife, em maio de 2022, e no litoral paulista, em fevereiro de 2023. “A temperatura nos oceanos já subiu 0,9º C acima da média pré-industrial e isso já é demais. A elevada temperatura nos oceanos tem impactos enormes na ocorrência de eventos extremos e desastres naturais em toda parte e isso está evidente no Brasil onde essas tragédias vem se repetindo com frequência”, destacou o pesquisador, também presente ao debate promovido pelo ClimaInfo e pela Fapesp. Paulo Artaxo frisou ainda que a população das cidades também sofre cada vez mais como ondas de calor extremo e inundações.
Araújo lembrou que o aquecimento do planeta está prejudicando análises baseadas em séries históricas para prever eventos climáticos. “As temperaturas mais altas no oceano não têm precedentes históricos e fica mais difícil fazer a previsão do que vai acontecer com as marés e os ventos vindos do mar”, alertou. “Estamos vendo situações naturais de ciclones de baixa intensidade se transformarem rapidamente em eventos com nível precipitação muito acima do normal”, acrescentou o oceanógrafo.
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Veja o que já enviamosA cientista brasileira Mercedes Bustamante, uma das revisoras do Relatório do IPCC, apontou que parte do documento alerta especialmente para os riscos nas cidades. “O mundo caminha para ter 80% da população vivendo nas cidades – e, no Brasil, nós já chegamos a 80% de concentração nos centros urbanos. São necessárias ações urgentes de mitigação e adequação porque já estamos perdendo vidas”, afirmou a bióloga. “E está claro que os mais ameaçados, no Brasil e em todo o mundo”, são os mais pobres”, acentuou.
O relatório-síntese com 37 páginas indica que as emissões de gases de efeito estufa precisam diminuir 43% até 2019. O alerta é enfático: em 2019, a concentração atmosférica de CO2 (410 partes por milhão) foi a maior em pelo menos 2 milhões de anos, e as de metano (1.866 partes por bilhão) e óxido nitroso (332 partes por bilhão), as maiores em 800 mil anos.
Essas emissões globais de gases de efeito estufa vieram dos setores de energia, indústria e transporte (78%) e agricultura, silvicultura e de outras formas de uso da terra (22%). “A prioridade para o Brasil e sua grande contribuição para a redução das emissões é o combate ao desmatamento”, afirmou a secretária nacional de Mudança Climática do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni. As emissões no Brasil têm características diferentes: a maior parte vem mudança do uso do solo (46%) – desmatamento, principalmente – seguida pela agricultura (28%) e energia (18%).
De acordo com o relatório do IPCC, as temperaturas no planeta já subiram 1,1 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, consequência de mais de um século de queima de combustíveis fósseis, bem como de energia e uso da terra desiguais e insustentáveis. “As tendências atuais são insustentáveis. Com o aumento de 1,1º Celsius, já estamos assistindo o incremento de eventos extremos mais intensos e mais frequentes, como inundações e incêndios florestais. E essa temperatura afeta a segurança hídrica e alimentar e ameaça ecossistemas e a biodiversidade”, frisou Mercedes Bustamante.
Para a pesquisadora, a mensagem do relatório é clara. “Os planos atuais são insuficientes – as emissões desaceleraram mas continuam altas. Teremos perdas e danos que vão mais atingir os mais vulneráveis. E quanto mais demorarem medidas de adaptação e mitigação, mais difícil vai ser evitar essas perdas e danos”, afirmou. “Precisamos tomar decisões no presente para evitar consequências mais graves no futuro, um futuro próximo”.
Para Mercedes Bustamante, “urgência, gravidade e esperança” são as palavras-chave do relatório-síntese. “Ele aponta todos os gravíssimos problemas atuais mas também aponta para soluções. Por isso, destaca a ‘lacuna de implementação’. Temos informação e tecnologia: falta fazer acontecer”, argumentou a bióloga, para quem é preciso barrar o aumento das emissões e fechar essa lacunas na mitigação e na adaptação. “O financiamento climático é crucial. Há tecnologia para reduzir as emissões em 50%. Mas é preciso vontade política para termos uma ação climática rápida e robusta”, acentuou.
Moacyr Araújo defendeu que o Brasil tem uma janela de oportunidade para reduzir as emissões e enfrentar mitigação e adaptação. “Nós já mostramos que podemos reduzir o desmatamento e agora temos mais tecnologia para combatê-lo. O Brasil também tem um potencial de geração de energia solar e eólica incomparável”, disse o coordenador da Rede Clima. O relatório do IPCC também aponta que as energias renováveis tiveram uma grande redução de custos de produção.
Secretária nacional de Mudanças Climáticas, Ana Toni destacou o desafio brasileiro de enfrentar a crise climática de uma forma “economicamente próspera e socialmente justa”. Para além do combate ao desmatamento, o governo precisa considerar a sustentabilidade e o impacto ambiental e climático em todas as políticas pública. “Precisamos mapear, priorizar e acelerar as ações que podem ter crescimento em escala. A mitigação e a adaptação só vão acontecer nos países em desenvolvimento com justiça climática, com a redução das desigualdades”, enfatizou.
Este é o sexto Relatório de Avaliação publicado pelo IPCC desde que foi criado há 34 anos. O documento reúne conclusões de três grupos de trabalho: Grupo 1 (WG1) trata da base física (as causas) das mudanças do clima; o Grupo 2 (WG2) trata de impactos, vulnerabilidades (as consequências) e adaptação; e o Grupo 3 (WG3) lida com a mitigação (as soluções). A solução básica proposta pelo IPCC é o “desenvolvimento resiliente ao clima”, que envolve a integração de medidas de adaptação às mudanças climáticas com ações para reduzir ou evitar as emissões de gases de efeito estufa de forma a proporcionar benefícios mais amplos.
O Observatório do Clima listou os pontos mais importantes do sexto relatório-síntese do IPCC:
1.É preciso frear com urgência tanto a produção de combustível fóssil, como os subsídios para a indústria causadora do problema. O carbono emitido pela infraestrutura já existente, acrescido do carbono que virá das construções ainda planejadas, já é suficiente para superar o orçamento de carbono (a quantidade de gases de efeito estufa que pode ser emitida até a atmosfera esquentar 1,5°C).
2.O investimento anual em mitigação para 2020 a 2030 em cenários que limitam o aquecimento a 1,5°C ou 2ºC precisa ser de três a seis vezes maior do que o aplicado hoje. Mas há um problema: os fluxos financeiros públicos e privados de combustíveis fósseis ainda são maiores do que os de adaptação e mitigação do clima. Em suma: não falta dinheiro, falta vontade política e econômica, além de inteligência, já que investe-se mais na causa do que na solução do problema. O benefício econômico com corte de gastos em saúde que decorreria da melhora da qualidade do ar seria aproximadamente o mesmo, ou possivelmente ainda maior do que os custos de reduzir ou evitar emissões.
Políticas públicas de redução precisam focar em transporte público e em mobilidade ativa, como o uso de bicicleta. 3.É importante haver também campanhas de conscientização dos efeitos do consumo exagerado, para que as pessoas adotem modelos de vida de baixo carbono. Em números: os 10% mais ricos contribuem com 34 a 45% das emissões domésticas globais de GEE, enquanto os 50% mais pobres contribuem com 13 a 15%. Mas são exatamente esses os que estão em risco.
4.Cada aumento acima de 1,5º C pode ter consequência para a biodiversidade, ampliando o risco de extinção de espécies ou perda irreversível em ecossistemas de florestas, recifes de coral e do Ártico. Aumenta também o risco de atingir pontos de não retorno, com mudanças abruptas e/ou irreversíveis no sistema climático.
5. As mudanças climáticas causadas pelo homem já estão causando impactos adversos generalizados e perdas e danos relacionados à natureza e às pessoas. As comunidades vulneráveis que historicamente menos contribuíram para as mudanças climáticas são desproporcionalmente afetadas.
6. Existem lacunas de adaptação, que continuarão a crescer com os atuais ritmos de implementação. Os atuais fluxos financeiros globais para adaptação são insuficientes e limitam a implementação das opções de adaptação, especialmente nos países em desenvolvimento. Mesmo quando eficaz, a adaptação não impede todas as perdas e danos.
7.Os riscos e impactos adversos projetados e as perdas e danos relacionados à mudança climática aumentam a cada incremento do aquecimento global, sendo mais altos para o aquecimento global de 1,5°C do que atualmente, e ainda mais altos a 2°C.
8. Com o aumento do aquecimento, cada região deve experimentar cada vez mais mudanças simultâneas e múltiplas. Um exemplo: a subida relativa do nível do mar e os consequentes eventos extremos. Atualmente, estes eventos ocorrem uma vez a cada século, mas são projetados para ocorrer pelo menos anualmente em mais da metade dos locais até 2100. Outras mudanças regionais projetadas incluem a intensificação de ciclones tropicais e/ou tempestades extratropicais, e o aumento da aridez e da temporada de incêndio.
9. As políticas implementadas até o fim de 2020 deverão resultar em emissões globais de GEE mais elevadas em 2030 do que as NDCs (da sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas, o compromisso de ação climática de cada país) indicariam. Ou seja, sem um fortalecimento das políticas climáticas ao redor do mundo, o aquecimento global projetado até 2100 é de 3,2ºC. As metas anunciadas antes da COP 26 são igualmente insuficientes, mesmo se implementadas na íntegra. Com ela, o mundo poderá chegar a um aquecimento de 2,8ºC até 2100. Em suma: além da “lacuna de emissões”, há também uma “lacuna de implementação”.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade