Relatório do IPCC acende alerta vermelho para cidades costeiras do Brasil

Região Metropolitana do Recife submersa após temporais: relatório do IPCC alerta para aumento do nível do mar e acende sinal vermelho para cidades costeiras do Brasil (Foto: Cleber Caetano / Presidência da República – 22/05/2022)

Documento aponta urgência de medidas para conter o aquecimento do planeta para evitar eventos climáticos extremos

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 20 de março de 2023 - 15:58 • Atualizada em 25 de novembro de 2023 - 14:03

Região Metropolitana do Recife submersa após temporais: relatório do IPCC alerta para aumento do nível do mar e acende sinal vermelho para cidades costeiras do Brasil (Foto: Cleber Caetano / Presidência da República – 22/05/2022)

Divulgado nesta segunda (20/03), o relatório-síntese sobre mudanças climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, da ONU) enfatiza alertas sobre a urgência de medidas para conter o aquecimento do planeta para evitar o agravamento no futuro do que já está acontecendo agora, no presente: os eventos climáticos extremos estão mais frequentes e intensos e atingem, principalmente, as populações mais vulneráveis pessoas e os ecossistemas mais frágeis. “O relatório é um guia de como desarmar a bomba-relógio climática”, disse o secretário-geral da ONU, António Guterres.

A elevada temperatura nos oceanos tem impactos enormes na ocorrência de eventos extremos e desastres naturais em toda parte e isso está evidente no Brasil onde essas tragédias vem se repetindo com frequência

Moacyr Araújo
Oceanógrafo e coordenador da Rede Clima

Para o Brasil, as conclusões do relatório indicam a necessidade de ações emergenciais e imediatas para reduzir os efeitos da crise climática. “As cidades costeiras brasileiras estão sob grande ameaça por causa do aquecimento dos oceanos e da elevação do nível do mar. Já enfrentamos seguidos eventos extremos e precisamos agir para proteger a população das cidades”, afirmou o físico Paulo Artaxo, ex-integrante do IPCC e hoje coordenador do Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais da Fapesp, durante o debate “Relatório Síntese do IPCC e os desafios para o Brasil”.

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O oceanógrafo Moacyr Araújo, coordenador da Rede Clima (Rede Brasileira de Pesquisas Climáticas Globais) lembrou as tragédias recentes provocadas pelos temporais na Região Metropolitana do Recife, em maio de 2022, e no litoral paulista, em fevereiro de 2023. “A temperatura nos oceanos já subiu 0,9º C acima da média pré-industrial e isso já é demais. A elevada temperatura nos oceanos tem impactos enormes na ocorrência de eventos extremos e desastres naturais em toda parte e isso está evidente no Brasil onde essas tragédias vem se repetindo com frequência”, destacou o pesquisador, também presente ao debate promovido pelo ClimaInfo e pela Fapesp. Paulo Artaxo frisou ainda que a população das cidades também sofre cada vez mais como ondas de calor extremo e inundações.

Araújo lembrou que o aquecimento do planeta está prejudicando análises baseadas em séries históricas para prever eventos climáticos. “As temperaturas mais altas no oceano não têm precedentes históricos e fica mais difícil fazer a previsão do que vai acontecer com as marés e os ventos vindos do mar”, alertou. “Estamos vendo situações naturais de ciclones de baixa intensidade se transformarem rapidamente em eventos com nível precipitação muito acima do normal”, acrescentou o oceanógrafo.

A cientista brasileira Mercedes Bustamante, uma das revisoras do Relatório do IPCC, apontou que parte do documento alerta especialmente para os riscos nas cidades. “O mundo caminha para ter 80% da população vivendo nas cidades – e, no Brasil, nós já chegamos a 80% de concentração nos centros urbanos. São necessárias ações urgentes de mitigação e adequação porque já estamos perdendo vidas”, afirmou a bióloga. “E está claro que os mais ameaçados, no Brasil e em todo o mundo”, são os mais pobres”, acentuou.

O relatório-síntese com 37 páginas indica que as emissões de gases de efeito estufa precisam diminuir 43% até 2019. O alerta é enfático: em 2019, a concentração atmosférica de CO2 (410 partes por milhão) foi a maior em pelo menos 2 milhões de anos, e as de metano (1.866 partes por bilhão) e óxido nitroso (332 partes por bilhão), as maiores em 800 mil anos.

Essas emissões globais de gases de efeito estufa vieram dos setores de energia, indústria e transporte (78%) e agricultura, silvicultura e de outras formas de uso da terra (22%). “A prioridade para o Brasil e sua grande contribuição para a redução das emissões é o combate ao desmatamento”, afirmou a secretária nacional de Mudança Climática do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni. As emissões no Brasil têm características diferentes: a maior parte vem mudança do uso do solo (46%) – desmatamento, principalmente – seguida pela agricultura (28%) e energia (18%).

De acordo com o relatório do IPCC, as temperaturas no planeta já subiram 1,1 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, consequência de mais de um século de queima de combustíveis fósseis, bem como de energia e uso da terra desiguais e insustentáveis. “As tendências atuais são insustentáveis. Com o aumento de 1,1º Celsius, já estamos assistindo o incremento de eventos extremos mais intensos e mais frequentes, como inundações e incêndios florestais. E essa temperatura afeta a segurança hídrica e alimentar e ameaça ecossistemas e a biodiversidade”, frisou Mercedes Bustamante.

Para a pesquisadora, a mensagem do relatório é clara. “Os planos atuais são insuficientes – as emissões desaceleraram mas continuam altas. Teremos perdas e danos que vão mais atingir os mais vulneráveis. E quanto mais demorarem medidas de adaptação e mitigação, mais difícil vai ser evitar essas perdas e danos”, afirmou. “Precisamos tomar decisões no presente para evitar consequências mais graves no futuro, um futuro próximo”.

Para Mercedes Bustamante, “urgência, gravidade e esperança” são as palavras-chave do relatório-síntese. “Ele aponta todos os gravíssimos problemas atuais mas também aponta para soluções. Por isso, destaca a ‘lacuna de implementação’. Temos informação e tecnologia: falta fazer acontecer”, argumentou a bióloga, para quem é preciso barrar o aumento das emissões e fechar essa lacunas na mitigação e na adaptação. “O financiamento climático é crucial. Há tecnologia para reduzir as emissões em 50%. Mas é preciso vontade política para termos uma ação climática rápida e robusta”, acentuou.

Moacyr Araújo defendeu que o Brasil tem uma janela de oportunidade para reduzir as emissões e enfrentar mitigação e adaptação. “Nós já mostramos que podemos reduzir o desmatamento e agora temos mais tecnologia para combatê-lo. O Brasil também tem um potencial de geração de energia solar e eólica incomparável”, disse o coordenador da Rede Clima. O relatório do IPCC também aponta que as energias renováveis tiveram uma grande redução de custos de produção.

Secretária nacional de Mudanças Climáticas, Ana Toni destacou o desafio brasileiro de enfrentar a crise climática de uma forma “economicamente próspera e socialmente justa”. Para além do combate ao desmatamento, o governo precisa considerar a sustentabilidade e o impacto ambiental e climático em todas as políticas pública. “Precisamos mapear, priorizar e acelerar as ações que podem ter crescimento em escala. A mitigação e a adaptação só vão acontecer nos países em desenvolvimento com justiça climática, com a redução das desigualdades”, enfatizou.

Este é o sexto Relatório de Avaliação publicado pelo IPCC desde que foi criado há 34 anos. O documento reúne conclusões de três grupos de trabalho: Grupo 1 (WG1) trata da base física (as causas) das mudanças do clima; o Grupo 2 (WG2) trata de impactos, vulnerabilidades (as consequências) e adaptação; e o Grupo 3 (WG3) lida com a mitigação (as soluções). A solução básica proposta pelo IPCC é o “desenvolvimento resiliente ao clima”, que envolve a integração de medidas de adaptação às mudanças climáticas com ações para reduzir ou evitar as emissões de gases de efeito estufa de forma a proporcionar benefícios mais amplos.

O Observatório do Clima listou os pontos mais importantes do sexto relatório-síntese do IPCC:

1.É preciso frear com urgência tanto a produção de combustível fóssil, como os subsídios para a indústria causadora do problema. O carbono emitido pela infraestrutura já existente, acrescido do carbono que virá das construções ainda planejadas, já é suficiente para superar o orçamento de carbono (a quantidade de gases de efeito estufa que pode ser emitida até a atmosfera esquentar 1,5°C).
2.O investimento anual em mitigação para 2020 a 2030 em cenários que limitam o aquecimento a 1,5°C ou 2ºC precisa ser de três a seis vezes maior do que o aplicado hoje. Mas há um problema: os fluxos financeiros públicos e privados de combustíveis fósseis ainda são maiores do que os de adaptação e mitigação do clima. Em suma: não falta dinheiro, falta vontade política e econômica, além de inteligência, já que investe-se mais na causa do que na solução do problema. O benefício econômico com corte de gastos em saúde que decorreria da melhora da qualidade do ar seria aproximadamente o mesmo, ou possivelmente ainda maior do que os custos de reduzir ou evitar emissões.
Políticas públicas de redução precisam focar em transporte público e em mobilidade ativa, como o uso de bicicleta. 3.É importante haver também campanhas de conscientização dos efeitos do consumo exagerado, para que as pessoas adotem modelos de vida de baixo carbono. Em números: os 10% mais ricos contribuem com 34 a 45% das emissões domésticas globais de GEE, enquanto os 50% mais pobres contribuem com 13 a 15%. Mas são exatamente esses os que estão em risco.
4.Cada aumento acima de 1,5º C pode ter consequência para a biodiversidade, ampliando o risco de extinção de espécies ou perda irreversível em ecossistemas de florestas, recifes de coral e do Ártico. Aumenta também o risco de atingir pontos de não retorno, com mudanças abruptas e/ou irreversíveis no sistema climático.
5. As mudanças climáticas causadas pelo homem já estão causando impactos adversos generalizados e perdas e danos relacionados à natureza e às pessoas. As comunidades vulneráveis que historicamente menos contribuíram para as mudanças climáticas são desproporcionalmente afetadas.
6. Existem lacunas de adaptação, que continuarão a crescer com os atuais ritmos de implementação. Os atuais fluxos financeiros globais para adaptação são insuficientes e limitam a implementação das opções de adaptação, especialmente nos países em desenvolvimento. Mesmo quando eficaz, a adaptação não impede todas as perdas e danos.
7.Os riscos e impactos adversos projetados e as perdas e danos relacionados à mudança climática aumentam a cada incremento do aquecimento global, sendo mais altos para o aquecimento global de 1,5°C do que atualmente, e ainda mais altos a 2°C.
8. Com o aumento do aquecimento, cada região deve experimentar cada vez mais mudanças simultâneas e múltiplas. Um exemplo: a subida relativa do nível do mar e os consequentes eventos extremos. Atualmente, estes eventos ocorrem uma vez a cada século, mas são projetados para ocorrer pelo menos anualmente em mais da metade dos locais até 2100. Outras mudanças regionais projetadas incluem a intensificação de ciclones tropicais e/ou tempestades extratropicais, e o aumento da aridez e da temporada de incêndio.
9. As políticas implementadas até o fim de 2020 deverão resultar em emissões globais de GEE mais elevadas em 2030 do que as NDCs (da sigla em inglês para Contribuições Nacionalmente Determinadas, o compromisso de ação climática de cada país) indicariam. Ou seja, sem um fortalecimento das políticas climáticas ao redor do mundo, o aquecimento global projetado até 2100 é de 3,2ºC. As metas anunciadas antes da COP 26 são igualmente insuficientes, mesmo se implementadas na íntegra. Com ela, o mundo poderá chegar a um aquecimento de 2,8ºC até 2100. Em suma: além da “lacuna de emissões”, há também uma “lacuna de implementação”.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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