Quatro mulheres e seus temas urgentes para a Amazônia

A mediadora Renata Piazzon, Ana Toni, Samela Sateré-Mawé, Ilona Szabó e Izabella Teixeira: potência feminina em debate sobre a Amazônia na COP26 (Foto: Reprodução)

Evento na COP26 para lançar documento sobre desenvolvimento sustentável discute ameaças que pairam sobre a região

Por Oscar Valporto | ODS 13 • Publicada em 10 de novembro de 2021 - 09:00 • Atualizada em 16 de novembro de 2021 - 12:12

A mediadora Renata Piazzon, Ana Toni, Samela Sateré-Mawé, Ilona Szabó e Izabella Teixeira: potência feminina em debate sobre a Amazônia na COP26 (Foto: Reprodução)

Era para ser o evento de lançamento da Agenda pelo Desenvolvimento da Amazônia, um documento com propostas para o desenvolvimento sustentável da região que buscam contemplar sua diversidade e a complexidade, na COP26. Mas as quatro mulheres convidadas pela iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, responsável pela criação da agenda, foram muito além das projetos, apontando para temas urgentes para a região: preservação dos territórios indígenas, cobrança e responsabilidade, criminalidade e as eleições de 2022. “O passado está no presente mas não pode estar no futuro. As soluções do passado não têm futuro se a gente quer a Amazônia e o Brasil de outro jeito”, afirmou Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente, no debate no Brazil Climate Action Hub, espaço da sociedade civil brasileira na COP26..

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A líder indígena Samela Sateré Mawé, 25 anos, da coordenação jovem da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) destacou a participação dos povos originários na COP26. “Nós somos os primeiros afetados pelas mudanças climáticas, que afetam nosso modo de vida diretamente, o regime das chuvas, o aparecimento dos peixes, tudo que faz parte de nós. Estamos aqui com a pauta prioritária de defender a demarcação de nossos territórios. E proteger os territórios indígenas é proteger o ambiente porque somos nós quem mais cuidamos da terra”, afirmou, aproveitando para lembrar que os indígenas já estavam aqui quando os europeus chegaram. “O marco temporal é genocídio. E é inconstitucional”, acrescentou.

Os povos indígenas conseguiram inédita visibilidade na COP26 e Samela garante que eles vão brigar por esse protagonismo. “Nós, indígenas, não precisamos mais de intermediários, queremos participar dos espaços de discussão, queremos que nossas vozes sejam efetivamente ouvidas. Nada de nós sem nós”, enfatizou a jovem indígena, estudante de Biologia, criticando o governo brasileiro. “A delegação oficial do Brasil aqui na COP26 não leva em consideração as nossas demandas, a urgência na demarcação dos nossos territórios – o que é fundamental para preservar a Amazônia e todos os biomas”, acrescentou Samela no debate mediado por Renata Piazzon, gerente do Programa de Mudanças Climáticas do Instituto Arapyaú e secretária-executiva da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia

Presidente do Instituto Igarapé, especializado em segurança pública, llona Szabó afirmou que o Brasil – governo federal, governos estaduais, corporações policiais e a sociedade em geral – precisa parar de tratar os crimes ambientais como um crime de segunda classe. “O crime ambiental anda, cada vez mais,  de mãos dados ao crime organizado. Para fazer uma transição para a economia da floresta em pé na Amazônia, por exemplo, precisamos desbaratar redes criminosos da exploração ambiental”, alertando que o combate à violência contra indígenas e outros povos originários e crimes ambientais deve envolver países vizinhos da Região Amazônica. “Estamos diante de grandes redes criminosas que precisam ser combatidas com inteligência, sabendo separar os peixes grandes dos pequenos”, acrescentou.

Uma das criadoras da Concertação pela Amazônia, a economista Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), alertou que a Amazônia precisa estar no centro do debate eleitoral em 2022. “O Brasil tem vivido de costas para Amazônia durante muito tempo, uma região que a sociedade em geral não escuta. Isso está mudando; as pesquisas mostram uma preocupação nacional com a Amazônia, como parte da identidade brasileira. E cabe a todos nós impor que os temas da Amazônia – a preservação ambiental, a economia da floresta em pé – esteja no centro do debate eleitoral em 2022“, afirmou Ana Toni, argumentando que o presidente Jair Bolsonaro talvez tenha sido o primeiro a tratar a Amazônia como tema eleitoral. “Ele trouxe para o debate uma visão retrógada, de exploração máxima, de desregulamentação. Mas nós precisamos cobrar de todos os candidatos, em todas as esferas, de todos os partidos, que tratem a preservação da floresta, da Amazônia, como prioridade”, apontou.

A ex-ministra Izabella Teixeira disse estar otimista com os desdobramentos da COP26. “Os países vão ser obrigados a discutir como implementar os acordos que vão ser assinados aqui. Vai ter muita cobrança sobre os governos, todos os governos, em todas as esferas, sobre as empresas, sobre a própria sociedade. O mundo está atrasado no enfrentamento da crise climática e essa responsabilidade será cobrada de muitas formas”, afirmou, lamentando que o governo brasileiro não tenha entendido seu papel. “É um momento de reponsabilidade compartilhada. entender que faz parte do mundo. Cooperação internacional não é me dá um dinheiro aí. Temos que ter a percepção de quais os interesses que se juntam, de ter legítima boa vontade de trabalhar por soluções. E isso será cobrado”, acrescentou.

Concertação pela Amazônia

O documento da Concertação – rede de mais de 400 pessoas, entidades e empresas formada para buscar soluções para a conservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia –  propõe uma abordagem da região a partir de quatro grandes agrupamentos: áreas conservadas (onde a floresta predomina); áreas em transição, que estão em processo de conversão não consolidada – o chamado “arco do desmatamento”; áreas convertidas (o uso do solo é voltado para agricultura e pecuária); e as cidades. “São, na verdade, quatro Amazônias e é preciso ações específicas e direferentes para cada uma delas”, explicou Roberto Waack, presidente do Conselho do Instituto Arapyaú e um dos fundadores da Concertação, ao apresentar a Agenda pelo Desenvolvimento da Amazônia no Brasil

A Agenda pelo Desenvolvimento da Amazônia apresenta propostas para cada uma das quatro áreas, além de medidas estruturantes e transversais. Entre os objetivos, o documento destaca o aumento da qualidade de vida para a população local, a valorização da dimensão cultural-identitária, o estabelecimento da região como grande removedora líquida de emissões de carbono, o reforço dos incentivos a todas as atividades econômicas que valorizem a floresta em pé, o respeito aos territórios indígenas e aos povos originários, e o fortalecimento dos princípios democráticos. “Precisamos colocar em funcionamento mecanismos fiscais, tributários e financeiros para garantir esse desenvolvimento sustentável na Amazônia”, enfatizou Waack na apresentação.

Ele explicou ainda que a Concertação quer colocar o debate sobre a Amazônia em evidência, levando subsídios para iniciativas de desenvolvimento tanto no cenário internacional (em questões globais como clima e biodiversidade), como no âmbito nacional (no apoio, por exemplo, à formulação de políticas públicas federais e subnacionais). “O mundo precisa encontrar um novo modelo de desenvolvimento sustentável que leve em conta toda a complexidade de suas florestas, biodiversidade e de populações e povos tradicionais e indígenas”, afirmou presidente do Conselho do Instituto Arapyaú.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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