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Apontamentos e angústias sobre a Amazônia, a floresta longe demais para os que desprezam seu inestimável valor
A imensidão da Amazônia, que se estende muito além do horizonte, funciona como estalado tapa na cara dos humanos arrogantes – em especial os viventes na inviabilidade cinza das metrópoles. Sem saída, eles menosprezam a diversidade, os segredos, a complexidade e as belezas de um bioma único e, em sua arrogância minúscula, rotulam. Assim, trechos mais ermos (longes das capitais) ganham epítetos como “deserto verde”. Nada mais despropositado.
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Para começar: verde apenas ao olhar negligente, cego à explosão de cores do bioma; e – o mais importante – poucos lugares sobre a Terra são menos desertos. Mas o rótulo faz, tragicamente, sentido: evidencia o desprezo que os brasileiros destinamos historicamente à grande floresta tropical. Na Amazônia, prega o discurso conservador, não mora ninguém – logo, pode tudo, a senha para a exploração mais despudorada.
Na marcha da devastação, pouco mais de um quinto da floresta original se foi para sempre. Culpa do descompromisso endêmico com patrimônio tão único e precioso, responsável por boa parte da vida na Terra. A Amazônia produz 20% de toda a água doce do planeta; abriga entre 16 mil e 30 mil espécies de árvores – e não estranhe, você aí, a larga margem da estimativa. É desconhecimento do mais constrangedor: a muito custo e resiliência, a ciência catalogou algo como 300 espécies. E olhe lá.
A vegetação, aliás, esconde encantos reais que poderiam ter brotado da ficção mais delirante. Aquele conjunto caótico a olho nu se organiza numa rede minuciosamente conectada. Coexistem todas as plantas numa lógica comunitária ao mesmo tempo silenciosa e cirúrgica. Castanheira e jatobá, cedro e maçaranduba, freijó-cinza e mogno, cumaru e pequiá, uma diversidade surrealista, a ponto de escapar da mirrada compreensão humana. Tudo que se conseguiu foi a colonização na perspectiva do abandono – ou, numa palavra: exploração.


Por ser “lugar nenhum”, governos de todos os matizes ideológicos naturalizam, em gradações variadas, o desmatamento. Até 1975, apenas 0,5% do bioma tinha ido embora; em 1985, haviam sumido 5%; levou 22 anos para a destruição atingir 17%, e outros 15 para bater 20%.
Na cena do crime, está ele, o agronegócio. Força mais poderosa do PIB brasileiro, agente político ativo e incansável, alega produzir comida, mas na verdade funciona como banco. Move-se pelo dinheiro internacional, prospera na especulação financeira, ignora o combate à fome. Assim, engole biomas impiedosamente, estendendo pastos e plantações além do horizonte. Alimenta-se de subsídios governamentais e anistia de impostos, numa ciranda venenosa.
Na floresta, quando tombam as árvores, sobra camada pobre de terra, inútil para qualquer sustento. Como cupins, os devastadores vão em frente, engolir outras áreas. Na Amazônia Legal, desapareceu um estado de São Paulo, ou um Reino Unido, de vegetação. Ruína pura – porque o agro tem nada de pop. Muito ao contrário.
Mas muita gente ainda pensa como nos tempos do Brasil grande (e totalmente falso) dos militares, quando abrir florestas para o caminho do desenvolvimento. Teve Transamazônica, Fordlândia e outras maluquices fracassadas, mas nem assim se aprendeu a lição. Continua-se olhando a Amazônia como rincão, periferia, coadjuvante do noticiário. Qualquer suspiro do Centrão em Brasília ganha mais atenção.
Sinal eloquente do desprezo, a mídia do Sudeste – ainda a mais relevante do país – tem correspondentes em Nova York, Washington, Londres, Paris, Buenos Aires, Tel Aviv, mas praticamente ninguém na nossa floresta. Assim, olha o bioma como visitante, em ocorrências eventuais ou efemérides, como as queimadas da primavera, o Festival de Parintins (Amazonas) ou o Círio de Nazaré (em Belém).
Por lá, não é muito melhor: as eleições, como nos outros estados, são plebiscitos sobre segurança, no qual os debates se resumem à disputa de quem promete dar mais tiros. A catástrofe climática foi tema ignorado nos estados da região, na campanha de 2022. Jamais por acaso, dos oito governadores da Amazônia Legal, seis são bolsonaristas – logo, inimigos do meio ambiente. Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima, Tocantins e Mato Grosso estão na furada.


Numa capital da floresta, a encantadora Belém, acontece a COP30, encontro da ONU que batalha para viabilizar decisões capazes de mitigar a tragédia climática. A jogada do presidente Lula, de levar os debates para o centro ecológico da Terra, foi brilhante – mas será insuficiente se a reunião não produzir mudanças relevantes no comportamento dos países, especialmente os mais ricos. E precisamos dar conta de contradições nativas, como a maluquice governamental de explorar petróleo na foz do Rio Amazonas, movimento constrangedor, em relação à própria conferência, ali pertinho.
O dever de casa brasileiro obriga a conduzir a Amazônia ao topo das prioridades nacionais. Quando o desmatamento na região caiu, o país produziu a maior contribuição histórica à redução do lançamento de gases do efeito estufa na atmosfera – e sem diminuir a produção agrícola, para provar que não existe conflito entre preservação e desenvolvimento econômico.
A floresta monumental ainda precisa de socorro, clama o climatologista Carlos Nobre, um dos maiores cientistas brasileiros da atualidade. Ele alerta, desde os anos 1990, que o bioma se aproxima perigosamente do ponto de não retorno, quando a recuperação vai se tornar impossível. Não pode haver assunto mais urgente – e importante.
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Esta coluna inspirou-se em “Arrabalde: Em busca da Amazônia”, magistral livro sobre a floresta, de João Moreira Salles. Todo mundo precisa ler.
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