Neves do Kilimanjaro, em breve, só no cinema

Maior montanha da África, famosa em todo o mundo após filme com Gregory Peck e Ava Gardner, está perdendo camada de gelo com a crise climática

Por Climate News Network | ODS 13 • Publicada em 14 de julho de 2021 - 08:55 • Atualizada em 20 de julho de 2021 - 08:19

Montanhistas perto do topo do Kilimanjaro, na Tanzânia, com pouca cobertura de gelo: aquecimento ameaça acabar com as famosas neves do Kilimanjaro (Foto: Christian Kober / Robert Harding Premium / AFP – 05/10/2017)

(Tim Radson*) – As torres de água mais remotas do mundo estão em retração. As neves do Kilimanjaro na África estão diminuindo: entre 1986 e 2017, a área de gelo que coroa a montanha mais famosa da Tanzânia e de toda a África diminuiu 71%. Filme de 1952, com as estrelas hollywoodianas Gregory Peck, Susan Hayward e Ava Gardner, tornou a montanha – ponto mais alto do continente africano – conhecido no mundo inteiro.

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A montanha de 5.890 metros não é um exemplo único. Uma geleira tropical perto de Puncak Jaya, em Papua, na Indonésia, perdeu 93% de seu gelo em 38 anos, de 1980 a 2018. O derretimento das geleiras tropicais está soando como um alerta sinistro da crise climática

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O cume congelado de Huascarán – o pico mais alto dos trópicos, no Peru – diminuiu em área 19% entre 1970 e 2003. Em 1976, cientistas dos EUA retiraram pela primeira vez núcleos da calota polar de Quelccaya nos Andes peruanos: em 2020, por volta de 46% tinham desaparecido.

Os picos cada vez mais escuros – sem o branco das neves – das montanhas tropicais mais altas têm uma mensagem para o mundo sobre a taxa de mudança climática. “Estas estão nas partes mais remotas do nosso planeta; não estão próximas de grandes cidades, então você não tem um efeito de poluição local”, disse Lonnie Thompson, professor e climatologista da Universidade de Ohio, especialista em Ciências da Terra. “Essas geleiras são sentinelas, são sistemas de alerta precoce para o planeta e todas estão dizendo a mesma coisa”, acrescentou.

Thompson e seus colegas relatam, em estudo publicado na revista Global and Planetary Change, que analisaram o impacto do aquecimento no que eles chamam de “geleiras de alta altitude e baixa latitude em recuo rápido” em quatro regiões distintas do planeta: África, os Andes no Peru e Bolívia, o planalto tibetano e o Himalaia da Ásia, e as montanhas da província de Papua, na Indonésia, na ilha conhecida como Nova Guiné, no sudoeste do Pacífico.

As neves do Kilimanjaro vistas do Quênia: patrimônio mundial pela Unesco ameaçado pelo aquecimento global (Foto: Yasuyoshi CHIBA / AFP – 02/03/2021)

Registros climáticos milenares

Cada uma das geleiras produziu núcleos de gelo que preservam, em sua química de neves e pólen aprisionado, um registro de muitos milhares de anos de mudanças climáticas sutis. E, desde 1972, satélites de observação da Terra, como a missão Landsat da Nasa, monitoram suas superfícies.

Em um mundo que está esquentando em resposta às emissões de gases de efeito estufa na atmosfera, onde antes a neve caía, agora chove para lavar o gelo das altitudes elevadas. As geleiras servem como fontes de água doce para fazendeiros e aldeões nas zonas montanhosas tropicais: elas também fornecem o degelo do rio para muitos milhões rio abaixo .

A pesquisa mais recente confirma algo que os cientistas do clima já sabiam: que em quase todos os lugares, o gelo das montanhas está recuando, com consequências potencialmente devastadoras para as economias locais. E a culpa é das mudanças climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis. “Desde o início do século 21, as taxas de perda de gelo têm estado em níveis historicamente sem precedentes”, afirmam os pesquisadores de Ohio no estudo.

Dentro de dois ou três anos, as neves altas perto de Puncak Jaya, neves com um significado religioso e cultural poderoso para a população local, terão desaparecido.  As neves do Kilimanjaro podem desaparecer completamente na próxima década.

Mas os cientistas argumentam que não é tarde demais para diminuir ou interromper a taxa de emissões de gases do efeito estufa na atmosfera e para diminuir ou interromper o recuo de muitas geleiras tropicais. “A ciência não muda a trajetória em que estamos”, disse o professor Thompson. “Independentemente de quão clara seja a ciência, precisamos que algo aconteça para mudar essa trajetória”, acrescentou.

*Tim Radson é jornalista e editor na Climate News Network

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A Climate News Network - Rede de Notícias do Clima - publica notícias diárias sobre clima e energia. É dirigido por quatro voluntários, todos jornalistas veteranos que cobriram as mudanças climáticas por muitos anos para veículos internacionais e agora são freelancers.

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