COP30 sob os olhos do mundo: expectativas e ineditismos

Primeira semana da Conferência do Clima evidenciou o protagonismo indígena em protestos pelas ruas, enquanto diplomatas tentavam aparar arestas para aprovar temas espinhosos

Por Liana Melo | ODS 13
Publicada em 15 de novembro de 2025 - 09:02  -  Atualizada em 15 de novembro de 2025 - 10:41
Tempo de leitura: 10 min

O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, com bebê durante manifestação dos Mundurukus: conferência em Belém entre negociação de temas espinhosas e protagonismo indígena em protestos (Foto: Felipe Werneck / COP30)

(De Belém, Pará) – Chega ao fim a primeira semana da COP30. Pela primeira vez na história das conferências do clima, os Estados Unidos, historicamente o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, não enviaram delegados. Apesar do cenário de adversidade política e ambiental, a COP30 já fez história: com 56 mil delegados inscritos, de 194 delegações, é a segunda maior conferência do clima da ONU, perdendo apenas para Dubai, que sediou a COP28.

Já sabemos como a COP30 começou, mas ainda é muito difícil saber como ela vai terminar. A próxima semana será de negociações intensas e os negociadores terão que encarar uma verdade inconveniente: como fechar o rombo financeiro da adaptação?

Como analisou Natalie Unterstella, presidente do Instituto Talanoa, sair da COP sem um caminho claro, “enfraquece todo o processo”, ainda que os indicadores e o objetivo de adaptação sejam estabelecidos. O tema é ainda mais fundamental na COP30, dada a centralidade que o assunto ganhou na presidência de André Corrêa do Lago.

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O resultado que vai sair de Belém ainda é uma incógnita, mas o caminho para a COP31, pelo menos no que diz respeito a sua sede, já começou a ser trilhado. A Austrália e a Turquia iniciaram uma disputa acirrada. Como a definição da próxima sede da COP terá que sair de Belém, se os dois países não chegarem a um acordo, já existe uma alternativa: Bonn, na Alemanha.

Resta saber se haverá uma sinalização política clara sobre a saída dos combustíveis fósseis e uma resposta à falta de ambição que mantém o limite de 1,5°C à beira do colapso

Natalie Unterstell
Presidente do Instituto Talanoa

Unterstell costuma comparar as COPs a um ensaio de uma escola de samba: “ajuda a entender onde estamos avançando e o que precisa ser ajustado, mas não vale nota”. Nessa primeira semana da conferência, o esforço coletivo foi para manter as mesas de negociação funcionando, limpar textos e evitar travamentos — nem todos os impasses foram superados.

O resultado foi uma semana “produtiva” no sentido burocrático, comentou Unterstell. Porém, complementou, “muito aquém” da realidade do planeta. “Nenhuma aterrissagem política importante ocorreu até agora. O desfile para valer começa na semana que vem, com o início da etapa ministerial, de decisões políticas.”

Protesto de ribeirinhos e extrativistas em Belém: enquanto ativistas tomam as ruas, discursos e manifestações na conferência criam expectativa de avanço nas negociações (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)
Protesto de ribeirinhos e extrativistas em Belém: enquanto ativistas tomam as ruas, discursos e manifestações na conferência criam expectativa de avanço nas negociações (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)

Ineditismos marcam COP30

É a primeira vez na história da conferência do clima, iniciada em 1995, que um documento científico serviu de parâmetro para as discussões. Dois cientistas de renome internacional na pesquisa climática global assinaram o documento: Johan Rockström, do Instituto Potsdam, e Carlos Nobre, referência em estudos sobre a Amazônia. Foi a ciência se unindo a diplomacia e vice-versa.

Outro ineditismo foi o fato de a desinformação entrar na agenda oficial da conferência. Se antes a desinformação passava por desacreditar que o homem era o responsável pelas mudanças do clima; hoje, o negacionismo climático passa por desacreditar as soluções, questionando, por exemplo, as energias renováveis, apenas para citar um exemplo.

“A Presidência da COP30 está enfrentando um cenário desafiador com posições muito diferentes entre os países. No entanto, precisa persistir, pois será fundamental que os países cheguem a um consenso

Anna Cárcamo
Especialista em Política Climática do Greenpeace

“Na era da desinformação, os obscurantistas rejeitam não só as evidências científicas, mas também os progressos do multilateralismo”, discursou o presidente Lula na abertura da COP30. Dois dias depois, na quarta (12/11), era assinada a Declaração sobre a Integridade da Informação sobre Mudanças Climáticas. Um total de 12 países endossaram o compromisso escrito por membros da sociedade civil do Grupo Consultivo da Iniciativa Global.

Não foram poucos os ineditismos desta COP. A agenda da conferência foi aprovada em tempo recorde, alguns computaram cerca de 30 minutos – algo que não vinha ocorrendo nas últimas conferências. Também tiveram discursos fortes. Lula defendeu a adoção de um “mapa do caminho” para migrar na direção contrário dos combustíveis fósseis – o que deixou muita gente atônita, já que, às vésperas da COP30, o governo aprovou a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.

Durante a semana, a questão dos fósseis pairou no ar como uma nuvem tóxica sobre qualquer avanço nas negociações. “Resta saber se haverá uma sinalização política clara sobre a saída dos combustíveis fósseis e uma resposta à falta de ambição que mantém o limite de 1,5°C à beira do colapso”, ponderou Unterstell.

Indígenas protestam na área da Green Zone (Área Verde), na COP30: cobranças ao governo brasileiro e aos negociadores (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)
Indígenas protestam na área da Green Zone (Área Verde), na COP30: cobranças ao governo brasileiro e aos negociadores (Foto: Bruno Peres / Agência Brasil)

Acabou a paciência

Outro ineditismo foi a floresta e os povos da floresta terem sido trazidos para o centro do debate climático em discursos bonitos. Só que o movimento indígena chegou em Belém sem disposição para palavras bonitas – o que eles querem é demarcação e que seus territórios fiquem livres dos megaempreendimentos que causam impactos na água, no ar e na saúde dos indígenas.

No final da sexta (14/11), o governo cedeu à pressão e, para acalmar os ânimos, anunciou a demarcação de duas terras indígenas, ambas nos Mundurukus, no Pará: Sawré Muybu e Sawré Ba’pim. No início do dia, os Mundurukus haviam bloqueado a entrada principal da COP30.

É na Cúpula dos Povos, o maior evento paralelo a COP30, que o movimento social vem se articulando para contrapor o que chama de as falsas soluções para o enfrentamento a crise climática. “A Cúpula é a forma de denunciarmos que, na COP30, os causadores da crise ambiental estão sentados para discutir as saídas. Não tem como dar certo”, pontuou Jaime Amorim, membro da coordenação do MST e da Via Campesina na região da América Latina e Caribe.

Não foram apenas os indígenas e os movimentos sociais brasileiros que vieram à COP30 com garra para brigar. Foi grande a pressão dos países em desenvolvimento, um conjunto de 44 nações, para o financiamento climático para adaptação ser triplicado.

A África quer jogar a decisão dos indicadores de adaptação para Etiópia, onde já está decidido que será sede da COP32. O bloqueio da pauta feita pelos africanos está colocando em xeque uma dar prioridades da presidência da COP30: a aprovação dos indicadores de adaptação. “E evidente os países vulneráveis entram com menos paciência e mais munição política”, comentou Unterstell.

Manifestação em defesa do financiamento para adaptação: estes e outros temas agitam as mesas de negociação (Foto: Mike Muzurakis / IISD/ENB)
Manifestação em defesa do financiamento para adaptação: estes e outros temas agitam as mesas de negociação (Foto: Mike Muzurakis / IISD/ENB)

Temas espinhosos

Mesmo sem o aporte financeiro da China, a aprovação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) foi comemorado como um avanço importante para conter a emergência do clima. No mesmo dia em que foi aprovado, na abertura da conferência, recebeu aporte de US$ 5,5 bilhões.

Era grande a expectativa de que no meio da primeira semana da COP30, a agenda de negociação estivesse fechada. A tradicional chuva que cai, um dia sim e outro também, em Belém, quase sempre no meio da tarde, acabou sendo uma espécie de banho de água fria nas expectativas da presidência da COP30.

Quatro pontos da pauta emperraram: financiamento aos países em desenvolvimento, relatórios de transparência, resposta à crise das NDCs e as medidas unilaterais de comércio. Como as consultas não terminaram, como é de costume ocorrer praticamente todos os anos, o prazo foi estendido.

O Greenpeace avaliou como preocupante a não inclusão dos itens referentes às metas climáticas nacionalmente determinadas, as NDCs, e de financiamento público de países desenvolvidos a países em desenvolvimento, o artigo 9.1 do Acordo de Paris, na pauta, mas nem tudo está perdido.

A especialista em política climática do Greenpeace Brasil, Anna Cárcamo, ressaltou que ainda há tempo para que os países entrem em consenso sobre esses temas. “A Presidência da COP30 está enfrentando um cenário desafiador com posições muito diferentes entre os países. No entanto, precisa persistir, pois será fundamental que os países cheguem a um consenso, e no espírito do mutirão, avancem para garantir o financiamento público robusto de países desenvolvidos para países em desenvolvimento, e medidas efetivas para fortalecer e implementar as metas climáticas dos países, buscando manter um clima seguro para todos”, analisou sobre o avanços e retrocessos nessa primeira semana da COP30”, concluiu Cárcamo.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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