Militares contra desmatamento: operação cara e paliativa

Militares em ação contra extração ilegal de madeira em Rondônia: custo de dois meses de operação na Amazônia daria para pagar o salário de mil fiscais do Ibama por um ano (Foto: Cabo Estevão/Centro de Comunicação do Exército)

Dois meses de ação militar na Amazônia vão custar R$ 120 milhões, o equivalente ao salário anual de mil fiscais do Ibama

Por Oscar Valporto | ODS 13ODS 15 • Publicada em 17 de junho de 2020 - 18:46 • Atualizada em 22 de junho de 2020 - 09:23

Militares em ação contra extração ilegal de madeira em Rondônia: custo de dois meses de operação na Amazônia daria para pagar o salário de mil fiscais do Ibama por um ano (Foto: Cabo Estevão/Centro de Comunicação do Exército)

Em reunião promovida pelas frentes ambientalistas do Senado e da Câmara, a urbanista Suely Vaz de Araújo, ex-presidente do  Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), afirmou que o uso de operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para conter o desmatamento na Amazônia tem alto custo e efeitos muito limitados “Esse modelo não resolve a fiscalização ambiental. Ele atua na força em regiões determinadas, é muito caro e, na hora em que sai, o ilícito volta. A presença maciça de homens em épocas de crise pode ajudar? Pode. Mas manter até 2022, como o general Mourão está pretendendo, significa gastar R$ 60 milhões por mês só com os militares. Dois meses de GLO, ou R$ 120 milhões, pagam o salário anual de 1000 fiscais do Ibama. Esse é o déficit de fiscais para todo o Brasil”, afirmou Suely Vaz, hoje especialista sênior  em políticas públicas do Observatório do Clima.

O vice-presidente Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia, era esperado na reunião virtual, mas cancelou na última hora devido a outros compromissos. A presença dos militares no combate ao desmatamento na Amazônia começou há pouco mais de um mês e, apesar da Operação Verde Brasil 2 ter feito apreensões de madeira ilegal e prisões, não houve redução no devastação da floresta. Os alertas feitos pelo sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), indicam a perda de 828,97 km² no mês de maio, alta de 12,24% em relação a maio do ano passado, quando os alertas apontaram desmate de 738,56 km².   É o mês de maio com maior devastação desde 2015. Quando comparada com abril, a alta é ainda maior – 103%. São 13 meses consecutivos de alta no desmatamento. Na sexta (12/06), o general Mourão anunciou a extensão da GLO por mais um mês.

Na reunião, ambientalistas e parlamentares enfatizaram a necessidade de fortalecer os órgãos de fiscalização. Suely Vaz destacou ainda que a GLO cria uma anomalia jurídica. “Os militares não podem multar, não podem fazer autos de infração, não podem apreender. Quem tem autoridade legal para tudo isso são os órgãos ambientais: os órgãos federais, como o Ibama, ou mesmo estaduais. As Forças Armadas, que comandam as operações, precisam dos órgãos de fiscalização ambiental. E são esses órgãos que o próprio governo vem enfraquecendo. Não podemos esquecer que tivemos dois dirigentes do Ibama recentemente demitidos por estarem fazendo seu trabalho, reprimindo ações contra a floresta em áreas preservadas e terras indígenas”, destacou a ex-presidente do Ibama.

Suely Vaz reforçou que as operações de Garantia da Lei e da Ordem que vêm sendo conduzidas pelo Conselho da Amazônia, além de caras, servem apenas como paliativo num momento de crise pois ações de força acabam tendo impacto temporário.  “Você não pode ir para campo para resolver uma serraria, duas serrarias; você precisa ir a campo para desestruturar uma cadeia de ilícitos ambientais naquela região. Isso impõe planejamento prévio, às vezes de meses, para as grandes operações”, explicou a ambientalista.

O avanço do desmatamento no Brasil em 2019 (Arte: MapBiomas)
O avanço do desmatamento no Brasil em 2019 (Arte: MapBiomas)

O desmatamento tende a vir com um aumento das queimadas, o que está diretamente associado à questão da saúde pública. A gente sabe que a Amazônia está em uma situação crítica. A retomada do desmatamento pode aumentar ainda mais a crise de saúde

Também na reunião, o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador geral do projeto MapBiomas, destacou as conclusões do primeiro Relatório Anual do Desmatamento no Brasil – o Brasil perdeu mais de 1,2 milhão de hectares de vegetação nativa em 2019 e mais de 99% dos pontos de desmatamento têm indícios fortes de ilegalidade. “A gente detectou e validou 56.867 eventos de desmatamento no ano passado. Ao cruzar esses casos com as áreas em que há restrição de uso — como unidades de conservação, terras indígenas, áreas de proteção permanente, reservas legais e nascentes — e áreas que tinham algum tipo de autorização para o desmatamento, a conclusão é que mais de 99% de todos os alertas detectados em 2019 ou não tinham autorização ou estavam sobre áreas protegidas que não poderiam ser desmatadas. O desmatamento é essencialmente uma atividade ilegal no Brasil”, destacou Azevedo, acrescentando que o MapBiomas gerou 56 mil laudos para serem usados pelas autoridades para a responsabilização dos desmatadores.

A reunião remota das frentes ambientalistas contou ainda com a participação do coordenador do projeto Radar Clima e Sustentabilidade, André Lima, que mostrou-se preocupado com o avanço do desmatamento durante a pandemia de coronavírus. “O desmatamento tende a vir com um aumento das queimadas, que está diretamente associado à questão da saúde pública. A gente sabe que a Amazônia está em uma situação crítica, inclusive em relação à disponibilidade de leitos e acessibilidade dos hospitais. A retomada do desmatamento pode aumentar ainda mais a crise de saúde, além da imagem do Brasil do ponto de vista do agronegócio e das exportações”, afirmou.

O engenheiro agrônomo Beto Veríssimo, representante do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), alertou que a extração ilegal de madeira e a conversão da floresta em áreas para a pecuária extensiva de baixa produtividade provocam o que classifica como “boom-colapso” nestas regiões de fronteira da agropecuária com a floresta. “Durante um período relativamente pequeno, você cria uma economia que passa a impressão de prosperidade. Mas, depois que os recursos naturais são exauridos, você tem de fato uma queda do emprego e dos tributos. Vão surgindo municípios fantasmas. Ou a gente desativa desse mecanismo de boom colapso ou ele vai varrendo a Amazônia e levando a um ponto de não-retorno, em que a floresta entra num processo irreversível de savanização”, afirmou Veríssimo.

A reunião remota desta quarta-feira tinha como convidado o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, que desde fevereiro coordena o Conselho da Amazônia, mas ele cancelou a presença. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), coordenadora da Frente Parlamentar Ambientalista do Senado, disse que já fez um novo convite a Mourão. “Imediatamente, já pedimos para ele uma nova data. Precisamos conversar e sentir como contribuir em relação ao desmatamento e à reativação do Fundo da Amazônia. Infelizmente estão verificando um aumento da área desmata e isso é realmente muito preocupante” disse.

O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) coordenador da Frente Ambientalista da Câmara, defendeu que parlamentares e ambientalistas atuem agora diretamente com os estados na busca de soluções para impedir o avanço do desmatamento não apenas na Amazônia, como no Cerrado e em outros biomas. “Se a gente não tem uma ação mais forte por parte do governo federal, uma estratégia importantíssima é trabalhar com os estados, criar constrangimentos dos municípios que são os líderes do desmatamento, deste ranking do terror”, afirmou Agostinho.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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