Mais de 100 botos morrem por causa da seca extrema no Amazonas

Mortandade dos mamíferos aquáticos e de peixes é mais um capítulo da crise climática na região com comunidades sem água, alimentos e transporte

Por Oscar Valporto | ODS 13ODS 14 • Publicada em 2 de outubro de 2023 - 10:01 • Atualizada em 21 de novembro de 2023 - 16:46

Pesquisadora faz medição e coleta de tecidos de boto morto em lago no município de Tefé, no Amazonas: mais de 100 golfinhos mortos com a seca prolongada e a temperatura elevada (Foto: Miguel Monteiro/Instituto Mamirauá)

Mais de 100 botos já morreram por causa da seca extrema na Amazônia devido à seca extrema na região que também afeta o transporte hidroviário e o abastecimento de água e alimentos a várias cidades da região: no Amazonas, 60 dos 62 municípios estão em estado de emergência ou de alerta. Carcaças dos mamíferos aquáticos estão aparecendo a até oito quilômetros de distância do lago, que fica na confluência dos rios Tefé e Solimões. No mesmo lago, há milhares de peixes mortos. A seca extrema, o aquecimento das águas e redução do nível dos rios também provocam mortandade de peixes em outros rios da Amazônia.

A situação é muito crítica, é emergencial, é uma coisa inusitada. Esse ano, além da seca, da diminuição da superfície dos rios, da dificuldade dos ribeirinhos conseguirem água, de se deslocarem de suas casa até o rio principal, nós tivemos esse evento de uma mortalidade muito grande de golfinhos

Miriam Marmontel
Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Mamirauá

De acordo com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá já constatou a morte de 110 botos e tucuxis no lago Tefé, nas imediações do porto da cidade de Tefé (AM), na região do médio rio Solimões. “Temos animais, o boto vermelho e o tucuxi perecendo aqui na nossa frente, em um lago que, normalmente, é cheio de vida, cheio de água e os animais estão encalhados na praia ou boiando ao longo do lago”, afirmou a coordenadora do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Mamirauá, Miriam Marmontel, em entrevista à Rádio Nacional da Amazônia, neste fim de semana.

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O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) informou que enviou à região equipes de veterinários e servidores do seu Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA) e da Divisão de Emergência Ambiental para apurar as causas das mortes. “A situação é muito crítica, é emergencial, é uma coisa inusitada. Nunca tínhamos visto algo semelhante, embora já tenhamos passado por várias secas grandes aqui grandes na Amazônia, aqui na região de Tefé. Esse ano, além da seca, da diminuição da superfície dos rios, da dificuldade dos ribeirinhos conseguirem água, de se deslocarem de suas casa até o rio principal, nós tivemos esse evento de uma mortalidade muito grande de golfinhos”, afirmou a pesquisadora Miriam Marmontel.

Na entrevista à emissora da Amazõnia (da EBC), a coordenadora do Mamirauá destacou que os botos servem como sentinelas da qualidade da água e são os primeiros a ser afetados com mudanças provocadas no ambiente. “Eles nos deram o alerta e agora a gente tem que ficar atento a isso. A tendência, se não mudarmos os nossos hábitos, esses eventos vão continuar acontecendo, mais aquecimento global, mudança nos parâmetros climáticos e eles estão utilizando um ambiente que utilizamos muito, especialmente no Amazonas”, apontou Marmontel. “A água para é primordial para os amazônidas e essa água, que atualmente não está propícia para o boto, também não é propícia para o humano. Tanto para nadar, como consumir. Então, que a gente fique muito alerta quanto a isso”, acrescentou.

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O Instituto Mamirauá vem trabalhando para identificar as causas da mortandade extrema dos botos, realizando ações de monitoramento dos animais ainda vivos, busca e recolhimento de carcaças, coletas de amostras para análises de doenças e da água. Durante o fim de semana, foi feito um mutirão para ajudar botos em dificuldades pela falta de água. “Esta semana, vão chegar equipes para nos dar apoio, com mais experiência em resgate de cetáceos vivo para que nós possamos capturar e resgatar alguns dos animais ainda com vida, analisar a saúde, o sangue, alguns parâmetros vitais dos animais para entender melhor o que está acontecendo. E a partir daí tomarmos decisões do que fazer com esses animais, como melhorar a situação deles, se é possível fazer alguma coisa para que eles não continuem perecendo aqui no lago”, disse Miriam Marmontel.

Seca extrema pode durar até janeiro

A seca severa que atinge a Amazônia neste ano pode bater recorde e se estender até o mês de janeiro, segundo previsão do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao governo federal. A situação de diversos rios estratégicos para a região é crítica, com vazões (volumes) abaixo da média histórica. Com esse panorama, o Cemaden alerta que o número de municípios afetados pela estiagem deve aumentar até o final do ano, impactando a navegação e o acesso à água, intensificando as queimadas e contribuindo com perdas na produção agrícola familiar.

A estiagem é mais grave na chamada Amazônia Ocidental: Acre, Rondônia, Roraima e Amazonas. “É possível que essa situação de seca se agrave até o mês de dezembro ou janeiro e comece a desintensificar [enfraquecer] a partir do mês de março ou abril de 2024”, disse a Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden na área de secas e agrometeorologia. Esta é a estação seca na Região Norte, quando a vazão dos rios normalmente se reduz. No entanto, de acordo com a pesquisadora, a estiagem deste ano pode ser tão violenta quanto a registrada em 2015 e 2016. Ou até pior.

Como naquela época (2015/2016), a seca de agora é agravada pela atuação do El Niño , com o aquecimento anormal do Pacífico equatorial. Para piorar, além de o El Niño estar mais forte neste ano, seus efeitos estão potencializados pelo aquecimento do Atlântico Tropical Norte, consequência da crise climática. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o aquecimento das águas dos oceanos provoca a redução de chuvas na região e, com isso, o início do período de chuvas, que deveria ser em novembro, deve atrasar.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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