Maiores emissores históricos de CO2, EUA desmontam regulação ambiental

Governo Trump nega que gases de efeito estufa façam mal à saúde e libera poluição de usinas movidas a combustíveis fósseis

Por José Eustáquio Diniz Alves | ArtigoODS 13 • Publicada em 24 de março de 2025 - 09:20 • Atualizada em 24 de março de 2025 - 11:28

Trump após assinar decreto: desmanche das regulações ambientais (Foto: Casa Branca / Divulgação)

A crise climática global se agravou significativamente em 2024, com sinais cada vez mais alarmantes de desequilíbrio ambiental. Os últimos dez anos foram os mais quentes do Holoceno (período que abrange os últimos 12 mil anos) e as temperaturas médias de 2023 e 2024 só encontram paralelo nos registros de aproximadamente 125 mil anos atrás. Como mostrou Oscar Valporto no artigo “Crise climática: 2024 quebra todos os piores recordes em terra, mar e ar”, publicado aqui no # Colabora, com base no novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), divulgado no dia 18 de março, há um aumento da temperatura global e das ondas letais de calor, aceleração do degelo dos polos e dos glaciares, agravamento dos desastres climáticos (secas, enchentes, furacões, etc.), elevação do nível dos oceanos e aumento do número de deslocados e refugiados do clima. Mais de 150 desastres climáticos “sem precedentes” atingiram o mundo em 2024, incluindo a grande seca na Amazônia e as enchentes do Rio Grande do Sul.

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A origem desta crise é bem conhecida e decorre do crescimento exponencial da economia global após o início da Revolução Industrial e Energética nas últimas décadas do século XVIII. O uso generalizado de combustíveis fósseis permitiu um grande crescimento da produção de bens e serviços viabilizando diversas melhorias sociais ao longo dos últimos 250 anos.

Entre 1773 e 2023, a população mundial que era de 845 milhões de habitantes passou para 8,1 bilhões de habitantes, um crescimento de 9,5 vezes. No mesmo período, o Produto Interno Bruto (PIB) global cresceu 177 vezes e a renda per capita da população mundial cresceu 18,5 vezes. O crescimento demoeconômico possibilitou, por exemplo, avanços na expectativa de vida ao nascer que passou de cerca de 25 anos para quase 75 anos no período. Mas o meio ambiente pagou um preço muito alto.

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O gráfico abaixo, do site Our World in Data, mostra que as emissões de CO2 eram muito baixas até 1850, chegaram a algo em torno de 2 bilhões de toneladas em 1900 e passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950. Até meados do século XX, a quase totalidade das emissões estava concentrada na Europa e nos Estados Unidos da América (EUA). Mas, desde 1950, o maior crescimento das emissões ocorreu na Ásia e, nos anos 2000, a China passou a ser o país líder nas emissões de CO2.

O montante global de emissões chegou a 25 bilhões de toneladas no ano 2000 e a 35 bilhões de toneladas em 2015, quando ocorreu o Acordo de Paris, que definiu a necessidade de descarbonização da economia. Contudo, as emissões globais continuaram aumentando e ultrapassaram 37 bilhões de toneladas em 2023 e continuaram subindo em 2024. Maiores emissões de CO2 implicam aumento do efeito estufa e a consequente elevação da temperatura global.

O gráfico abaixo mostra a percentagem das emissões acumuladas dos principais países e regiões. Entre 1750 e 1800, praticamente 100% das emissões de CO2 provenientes da queima de combustíveis fósseis eram de responsabilidade do Reino Unido. No século XIX, as emissões globais se distribuem entre Reino Unido, União Europeia (27 países) e Estados Unidos da América (EUA). Na primeira metade do século XX, os EUA assumiram o primeiro lugar entre os países com as maiores emissões acumuladas de CO2.

Do total emitido até 1950, os EUA respondiam por 39,7%, a União Europeia por 28,3%, o Reino Unido por 17,2%, a China por 0,98% e a Índia por 0,86%. Nos últimos 75 anos, o quadro mudou com os países ocidentais diminuindo a percentagem de emissões acumuladas e os países orientais acelerando as emissões. Do total emitido até 2023, os EUA responderam por 23,8%, a União Europeia por 16,5%, o Reino Unido por 4,4%, a China por 15,4% e a Índia por 3,5%.

Atualmente, os EUA são os maiores emissores históricos e a China são os maiores emissores anuais de CO2. Existem projeções que mostram que a China deve assumir o primeiro lugar nas emissões acumuladas até 2050 e a Índia deve passar, em breve, o Reino Unido e União Europeia nas emissões acumuladas e pode, nas tendências atuais, ocupar o segundo lugar nas emissões históricas até 2070.

O gráfico abaixo (clique aqui para acessar) mostra os países e regiões que mais contribuíram com as emissões acumuladas de CO2 entre 1751 e 2017. Neste período, os EUA responderam por 399 bilhões de toneladas de CO2 (25% do total), a China por 200 bilhões de toneladas (12,7% do total), a União Europeia (28 países) por 353 bilhões de toneladas (22% do total) e a Índia por 48 bilhões de toneladas (3% do total). O Brasil emitiu 14,2 bilhões de toneladas de CO2, representando 0,9% do total.

EUA fogem de suas responsabilidades

Embora os EUA sejam o país com a maior responsabilidade nas emissões acumuladas de CO2 e, portanto, o país que mais contribuiu para crise climática e ecológica global, o atual governo americano está desmontando o arcabouço legal e econômico de regulação ambiental.

A despeito de todas as recomendações para a descarbonização da economia e para construir políticas de mitigação e adaptação das mudanças climáticas, o presidente dos EUA, Donald Trump, abandonou o Acordo de Paris, está desmontando a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) e está esvaziando e prejudicando as agências de pesquisas e de divulgação de importantes dados meteorológicos, como a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) – que inclui o Serviço Nacional de Meteorologia, o Centro Nacional de Furacões e o Centro de Alerta de Tsunami.

O secretário de energia do governo Donald Trump, Chris Wright – um dos figurões da indústria de petróleo e gás – disse que o mundo precisa de mais combustível fóssil: “Estamos descaradamente buscando uma política de mais produção e infraestrutura de energia americana, não menos”, disse ele na palestra plenária de abertura da CERAWeek, uma conferência anual em Houston, Texas, liderada pela empresa financeira S&P Global.

Reportagem do jornal The Guardian (10/03/2025) mostra que Wright, um ex-executivo de fracking que foi escolhido por Trump para a posição crucial do gabinete, também atacou o governo Joe Biden por focar de forma míope nas mudanças climáticas. Ele disse: “O governo Trump acabará com as políticas irracionais e quase religiosas do governo Biden sobre as mudanças climáticas que impuseram sacrifícios infinitos aos nossos cidadãos” e completou: “A cura foi muito mais destrutiva do que a doença.”

Uma outra autoridade do governo de Donald Trump, o chefe da EPA, Lee Zeldin, anunciou no dia 12 de março, a revogação de 31 regulamentações ambientais, incluindo regras cruciais sobre mudanças climáticas, poluição de usinas a carvão e veículos elétricos. Zeldin descreveu a medida como “o dia mais importante da desregulamentação na história americana” e afirmou que está “cravando uma faca no coração da religião das mudanças climáticas”, segundo uma outra reportagem do jornal The Guardian (12/032025).

De acordo com Lee Zeldin, as novas ações eliminarão “trilhões de dólares em custos regulatórios” e reduzirão o custo de vida das famílias americanas, além de reativar a indústria do país. Entre as medidas mais polêmicas está a revisão de uma determinação científica de 2009 que classifica os gases de efeito estufa como prejudiciais à saúde pública. O novo governo americano também pretende reescrever normas que limitam a poluição de usinas a combustíveis fósseis e as emissões de veículos. A nova direção da EPA também anunciou o encerramento de programas de diversidade e justiça ambiental, que buscavam melhorar condições em áreas afetadas pela poluição industrial.

Portanto, as emissões anuais de CO2 que estavam diminuindo nas últimas décadas nos EUA podem iniciar uma tendência de alta, agravando ainda mais o quadro global da concentração de CO2 na atmosfera, lembrando que nos últimos dois anos (2023 e 2024) foram registradas as maiores taxas de crescimento do efeito estufa e, também, houve recordes de aumento da temperatura global.

Infelizmente, essa postura do governo dos EUA não é um caso isolado e já está sendo replicada por outros líderes, como Javier Milei na Argentina. Esse cenário dificulta as negociações para a redução das emissões de gases de efeito estufa, que teriam um momento crucial na COP30, em Belém (PA), em novembro de 2025, mas que já dão sinais inequívocos de esvaziamento.

A aceleração do aquecimento global pode colocar em xeque as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), como o desejo de eliminar a pobreza extrema e a fome até 2030. Relatório de especialistas em gestão de risco do Institute and Faculty of Actuaries (IFoA) indica que a crise climática pode reduzir o PIB global em cerca 50% até 2090, além de provocar uma mortalidade em massa em decorrência dos efeitos da aceleração do aquecimento da temperatura do planeta.

Se os investimentos em combustíveis fósseis continuarem aumentando, inclusive no Brasil, e as posturas negacionistas prevalecerem nas regulações nacionais e nas negociações internacionais, o mundo pode caminhar para um colapso ambiental catastrófico, que será seguido por um colapso social de grandes proporções. Não faltam avisos. Faltam ações tempestivas e concretas de mitigação e adaptação.

Referências:

Oscar Valporto. Crise climática: 2024 quebra todos os piores recordes em terra, mar e ar, # Colabora, 19/03/2025  https://projetocolabora.com.br/ods13/crise-climatica-2024-quebra-todos-os-piores-recordes-em-terra-mar-e-ar/

Hannah Ritchie (2019) – “Who has contributed most to global CO2 emissions?” Published online at OurWorldinData.org. Retrieved from: https://ourworldindata.org/contributed-most-global-co2

Dharna Noor. What the world needs now is more fossil fuels, says Trump’s energy secretary, The Guardian, 10 Mar 2025

https://www.theguardian.com/us-news/2025/mar/10/chris-wright-climate-fossil-fuels

Oliver Milman. Trump officials decimate climate protections and consider axeing key greenhouse gas finding, The Guardian, 12 Mar 2025

https://www.theguardian.com/environment/2025/mar/12/epa-trump-climate-rules

Ajay Gambhir et al. Planetary Solvency – finding our balance with nature. Global risk management for human prosperity, IFoA, January 2025

https://actuaries.org.uk/document-library/thought-leadership/thought-leadership-campaigns/climate-papers/planetary-solvency-finding-our-balance-with-nature/

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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