De Cali a Belém: lideranças globais pedem integração de agendas de clima, natureza e alimentos na COP16

Carta assinada por mais de 70 personalidades - incluindo o pesquisador brasileiro Carlos Nobre - foi dirigida aos presidentes do Brasil e da Colômbia

Por Elizabeth Oliveira | ODS 13ODS 14ODS 15ODS 2 • Publicada em 31 de outubro de 2024 - 08:38 • Atualizada em 31 de outubro de 2024 - 12:20

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, na COP16 da Biodiversidade: lideranças ambientalistas e de outros setores querem integração das agendas de clima, proteção da natureza e alimentos (Foto: Juancho Torres / Anadolu via AFP)

(Cali, Colômbia) –.Na reta final das negociações da 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica – COP16, onde já está em curso o diálogo do chamado painel de alto nível, formado por chefes de estado, ministros e outras representações diplomáticas, um time de mais de 70 lideranças globais entregou nesta terça-feira (29) uma carta aberta reivindicando que os presidentes da Colômbia, Gustavo Petro; e Luís Inácio Lula da Silva, do Brasil; busquem integrar as agendas de clima, proteção da natureza e alimentos. Essas personalidades, dentre as quais o pesquisador Carlos Nobre e a bióloga marinha Sylvia Earle, defendem que os esforços sejam empreendidos entre o evento que se realiza em Cali, até sexta-feira (1), e a COP30, que será sediada em Belém, em 2025.  

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Até sexta-feira, os negociadores da COP16 têm pela frente a missão de destravar a garantia de financiamento, um dos maiores desafios para fazer valer a implementação das 23 Metas do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (GBF, na sigla em inglês), firmado em 2022, em Montreal (Canadá), durante a COP15, com o objetivo de conter o processo de perda de biodiversidade global até 2030. Preocupações do movimento ambientalista envolvem recursos reduzidos até o momento. 

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Da meta 19 do GBF, que prevê aportes de 20 bilhões de dólares destinados aos países em desenvolvimento, por ano, até 2025, além de 30 bilhões de dólares anuais até 2030, constam cerca de 400 milhões de dólares. Há expectativas de que financiadores internacionais, públicos e privados, se disponham a contribuir com o Fundo gerido pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF na sigla em inglês) para manter estratégias de conservação e uso sustentável da biodiversidade. 

Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil, afirmou em comunicado à imprensa que “as contribuições dos países desenvolvidos são bem-vindas e demonstram uma disposição crescente para financiar a proteção da biodiversidade”. Mas pondera que o “desafio que temos pela frente exige uma escala muito maior de investimentos e uma vontade política mais assertiva”. Para o ambientalista, “é fundamental que avancemos não apenas nas promessas, mas também na definição de mecanismos inovadores e efetivos para mobilizar os USD 200 bilhões anuais necessários para implementar o marco da biodiversidade até 2030”.

Bráulio Dias, diretor de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em evento na COP16: Brasil espera concluir Estratégia Nacional de Biodiversidade até dezembro (Foto: Elizabeth Oliveira)
Bráulio Dias, diretor de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em evento na COP16: Brasil espera concluir Estratégia Nacional de Biodiversidade até dezembro (Foto: Elizabeth Oliveira)

Estratégia Nacional de Biodiversidade até dezembro

Em conversa com a reportagem, em Cali, durante a COP16, Bráulio Dias, diretor de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), confirmou a expectativa de conclusão, até dezembro, da Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB). Por meio desse documento oficial, o governo brasileiro definirá as Metas Nacionais alinhadas ao GBF. O Brasil, como um dos 196 signatários desse acordo, deveria, mas não conseguiu entregar a sua Epanb ao Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) até a realização da COP16, gerando frustrações repercutidas pela mídia. O último documento é de 2017

Dias relata que, após consulta pública entre maio de 2023 e fevereiro de 2024, quando foram recebidas 427 propostas da sociedade civil, foram realizadas reuniões com órgãos do governo federal, representações de povos indígenas, academia e setor empresarial, entre outros segmentos sociais, para debates sobre prioridades nacionais relacionadas à agenda da biodiversidade. A síntese desse processo está em análise pela Comissão Nacional da Biodiversidade (Conabio) que havia sido desarticulada na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, tendo entre outros prejuízos, perdido assentos de representações da sociedade civil, o que causou entraves às deliberações envolvendo compromissos da CDB. O colegiado foi restabelecido em 10 de maio por meio do Decreto 12.017. Sua nova composição participativa consta em portaria divulgada em setembro.

Recuperar a vegetação nativa é uma tarefa que não é apenas do governo federal. É dos entes federados subnacionais, da sociedade civil, da comunidade científica, da iniciativa privada e dos agentes de financiamento

Marina Silva
Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima

Como próximos passos de conclusão da nova Epanb brasileira, a Conabio vai se reunir em novembro para deliberar sobre recomendações ao governo federal quanto às ações prioritárias que envolvem as Metas Nacionais. Após esse processo e antes de fechar o decreto presidencial relacionado à publicação oficial desse documento haverá uma rodada de consulta aos ministérios. “Esse não é um plano do Ministério do Meio Ambiente. É do país, dos estados e da sociedade civil”, observa o diretor.  Ele ressalta que o Brasil ainda não sabe qual será o custo de implementação das Metas Nacionais. Precisará concluir o processo de elaboração do documento para ter essas estimativas. Nesse contexto, se pretende elaborar estratégias de financiamento, monitoramento e comunicação de desempenho.

O diretor do MMA conclui com argumentos de que não ter conseguido fazer a entrega da nova Epanb a tempo da Conferência de Cali, não significa que o país não está se esforçando pelo cumprimento das metas acordadas em 2022. Ele recorda que o governo brasileiro apresentou à CDB e trouxe como destaque da sua programação na COP16, um portfólio de aproximadamente 250 ações em prol da conservação e do uso sustentável da biodiversidade. O documento sistematizou decretos, portarias, resoluções, novos planos de manejo, leis aprovadas, acordos de cooperação e outras iniciativas tomadas entre janeiro de 2023 e outubro de 2024. Dias também pondera que foram poucos os países que conseguiram cumprir essa missão, diante do grande esforço que envolve consultar a sociedade e construir uma estratégia robusta de forma participativa. 

A ministra Marina Silva na COP16 da Biodiversidade: novo plano para restauração de 12 milhões de hectares até 2030 (Foto: Felipe Werneck / MMA / Agência Brasil)
A ministra Marina Silva na COP16 da Biodiversidade: novo plano para restauração de 12 milhões de hectares até 2030 (Foto: Felipe Werneck / MMA / Agência Brasil)

Planaveg: Brasil lança novo programa com enfoque em restauração

A nova versão do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg) foi lançada na segunda-feira (28) na COP16 como um dos grandes destaques no Brasil em Cali. Com essa iniciativa voltada à restauração de 12 milhões de hectares até 2030, o Brasil busca conciliar tanto compromissos do GBF, incluindo a Meta 2 que envolve a recuperação de, pelo menos, 30% das áreas e ecossistemas globais degradados, como parte da meta climática no âmbito do Acordo de Paris. 

Segundo informado pelo MMA, “o novo Planaveg foi elaborado no âmbito da Comissão Nacional para Recuperação da Vegetação Nativa (Conaveg), colegiado reinstalado em 2023 e que reúne governo, empresas, organizações não governamentais, pesquisadores e redes de restauração de todos biomas para discutir políticas públicas para recuperação da vegetação nativa”. 

“Recuperar a vegetação nativa é uma tarefa que não é apenas do governo federal. É dos entes federados subnacionais, da sociedade civil, da comunidade científica, da iniciativa privada e dos agentes de financiamento”, afirmou a ministra Marina Silva durante o lançamento no Espaço Brasil, área das atividades oficiais da COP16.

E na Casa Humboldt, na chamada zona verde, dedicada aos eventos da sociedade civil, durante a programação organizada pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), Fabíola Zerbini, diretora do Departamento de Florestas do MMA destacou: “O Planaveg é do país e envolve metas que precisam de colaboração da sociedade para serem implementadas”. Para ela, o plano representa uma potência, já que, entre tantos outros atributos, prevê conectar cadeias produtivas, gerando benefícios socioeconômicos, aliados aos ambientais. 

A notícia foi bem recebida pelo movimento ambientalista, mas com ressalvas, tendo em vista que a primeira versão do Planaveg, de 2017, não alcançou os resultados esperados já o seu processo de implementação coincidiu com um período de crise político-institucional e desmonte de políticas públicas socioambientais que marcou o governo Bolsonaro. 

Para Mário Mantovani, diretor e um dos fundadores da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (Anamma), promover a restauração florestal no Brasil é factível e o Planaveg representa uma iniciativa fundamental. Ele menciona como exemplo que a Fundação SOS Mata Atlântica, na qual já atuou como diretor, conseguiu plantar 50 milhões de árvores em dez anos. No entanto, pondera sobre dificuldades a superar após um grave processo de desmonte que o Brasil enfrentou, nos últimos anos, e diante de um prazo muito curto para o alcance de metas assumidas pelo governo brasileiro até 2030. “Além disso, falta pouco tempo para começar um período de pré-campanha eleitoral”, alerta em relação aos inúmeros interesses políticos envolvidos em uma pauta complexa.

A Conaveg, colegiado, que também havia sido desarticulado no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, ficará responsável pela governança do processo de implementação do Plano, que prevê três arranjos para o alcance das metas estabelecidas. Primeiramente, se pretende recuperar 9 milhões de hectares em Reserva Legal e Áreas de Preservação Permanente para cumprimento do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012). Os proprietários rurais com passivos ambientais serão obrigados a apresentar planos de recuperação da vegetação.

O segundo arranjo envolve recuperar 2 milhões de hectares de vegetação nativa em áreas públicas, dentre as quais, unidades de conservação, territórios indígenas e assentamentos da reforma agrária. Já o terceiro se refere à regeneração florestal de 1 milhão de hectares em áreas rurais de baixa produtividade. Para isso, serão fomentados sistemas integrados de produção.

Elizabeth Oliveira

Jornalista apaixonada por temas socioambientais. Fez doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), vinculado ao Instituto de Economia da UFRJ, e mestrado em Ecologia Social pelo Programa EICOS, do Instituto de Psicologia da UFRJ. Foi repórter do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e colabora com veículos especializados, além de atuar como consultora e pesquisadora.

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