James Lovelock: ‘A Terra viva se queixa de febre’

Autor da Teoria de Gaia e um dos cientistas climáticos mais respeitados do planeta, morre aos 103 anos

Por Agostinho Vieira | ODS 13
Publicada em 28 de julho de 2022 - 12:42  -  Atualizada em 30 de novembro de 2023 - 15:07
Tempo de leitura: 5 min

James Lovelock: “O bem-estar das massas crescentes de seres humanos exige um planeta sadio”. Foto Jacques Demarthon/AFP

Quando James Lovelock escreveu “A Vingança de Gaia”, em 2005, um dos clássicos da ciência climática, o mundo assistia estarrecido à tragédia do furacão Katrina, que deixou mais de 1.800 mortos em cidades americanas como Nova Orleans, Luisiana e Mississipi. Na introdução do livro, ele registrou: “Basta um pequeno movimento do planeta em que vivemos para causar a morte de alguma fração de milhão de pessoas. Mas isso não é nada comparado com o que poderá advir em breve: estamos abusando tanto da Terra que ele poderá se insurgir e retornar ao estado quente de 55 milhões de anos atrás, e se isso acontecer, a maioria de nós e nossos descendentes morreremos”

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Lovelock faleceu nesta terça-feira, dia 26 de julho, em sua casa em Devon, na Inglaterra, a mesma onde escreveu centenas de artigos e livros sobre a famosa Teoria de Gaia. Em um comunicado oficial, a família afirmou que: “nosso amado James Lovelock morreu cercado por sua família em seu 103º aniversário. Para o mundo ele era mais conhecido como um pioneiro científico, profeta climático e idealizador da Teoria de Gaia. Para nós, ele era um marido amoroso e um pai maravilhoso, com um senso de curiosidade sem limites, um senso de humor travesso e uma paixão pela natureza”.

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Um dos cientistas mais respeitados da história, Lovelock postulou a hipótese de Gaia, que afirma que a Terra é uma comunidade única, formada por organismos que se completam e interagem uns com os outros. Um lugar onde todas as reações físicas, químicas e biológicas estão interligadas e não podem ser analisadas separadamente. Ele passou a vida defendendo medidas contra a crise climática, tendo iniciado sua saga décadas antes de muitos outros se preocuparem com o problema. Sua Teoria de Gaia chegou a ser ridicularizada por alguns, até se transformar em uma das bases da ciência climática.

Lovelock sempre argumentou apaixonada e poeticamente que, embora o aquecimento global seja inevitável, não é tarde demais para salvar pelo menos parte da civilização humana. Em sua obra, baseada em uma abordagem fisiológica da ciência da Terra, o cientista oferece uma explicação real, concreta. Ele analisa nossa necessidade de energia e quais poderiam ser suas fontes. Defendeu firmemente a energia nuclear como saída para a crise climática e chegou a oferecer o quintal de sua casa para que se enterrasse parte dos resíduos nucleares:

“A energia nuclear não é a única saída, mas não podemos ignorá-la. A energia nuclear é uma forma boa, limpa e segura de se gerar energia, e pode ser usada em larga escala. A energia na França é gerada quase que totalmente de fontes nucleares. A Finlândia está caminhando na mesma direção. Quase metade da energia da Suécia já é nuclear. Não há nada de errado com isso. Houve um acidente nuclear grave na Rússia, mas houve muitos acidentes graves na Rússia durante o período soviético”, disse, em 2004, em entrevista à BBC Brasil.

Jonathan Watts, editor de meio ambiente do The Guardian, que está trabalhando em uma biografia sobre o cientista afirmou: “a notícia é extremamente triste, mas que vida e que legado. Até muito recentemente, ele gozava de boa saúde e tinha uma memória notável de acontecimentos ocorridos há quase um século. Ele era inteligente, engraçado e feliz em compartilhar detalhes íntimos de sua vida extraordinária. Sua Teoria de Gaia, concebida com a consultora do Pentágono Dian Hitchcock e aperfeiçoada em colaboração com a bióloga norte-americana Lynn Margulis, lançou as bases para a ciência do sistema terrestre e uma nova compreensão da interação entre vida, nuvens, rochas e atmosfera. Ele também alertou, em termos mais claros do que qualquer um de seus pares, sobre os perigos que a humanidade representava para a extraordinária rede de relações que tornam a Terra exclusivamente viva em nosso universo”.

Lovelock também era um crítico mordaz do consumismo e das suas consequências para a vida no planeta. Citando Paul e Anne Ehrlich, ele escreveu em um de seus livros: “O sistema ambiental da Terra entraria em colapso se tentássemos proporcionar um estilo de vida europeu a todos os seres humanos atualmente vivos. Achar que tal aumento dos padrões de vida é possível para uma população mundial duas vezes maior que a atual, no início do próximo século, é absurdo”.

Além da esposa Sandra e dos filhos Christine, Jane, Andrew e John, James Lovelock deixa um enorme legado de conhecimento e dedicação à ciência: “Falo como um médico planetário cujo paciente, a Terra viva, se queixa de febre. Vejo o declínio da saúde da Terra como a nossa preocupação mais importante, nossas próprias vidas dependendo de uma Terra sadia. Nossa preocupação com ela deve vir em primeiro lugar, porque o bem-estar das massas crescentes de seres humanos exige um planeta sadio”, explicou no primeiro capítulo de “A Vingança de Gaia”.

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Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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