Emissões sobem 9,6% no primeiro ano do governo Bolsonaro

As plantações de soja estão entre os vilões do desmatamento na Amazônia (Foto Marizilda Cruppe/Rede Amazônia Sustentável)

Liderado por desmatamento e agropecuária, lançamento de CO² no ar em 2019 alcançou 2,17 bilhões de toneladas e Brasil não deve cumprir metas climáticas

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 6 de novembro de 2020 - 09:03 • Atualizada em 11 de novembro de 2020 - 08:59

As plantações de soja estão entre os vilões do desmatamento na Amazônia (Foto Marizilda Cruppe/Rede Amazônia Sustentável)

No primeiro ano do governo Jair Bolsonaro o país emitiu 2,17 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) contra 1,98 bilhão de CO2e registrado em 2018. As emissões brasileiras de gases de efeito estufa subiram 9,6% no ano passado, o maior percentual de crescimento desde 2003. Com a exclusão da União Europeia no cálculo, o país passa a ocupar a quinta posição no ranking dos maiores emissores globais, atrás da China, Estados Unidos, Índia e RússiaO Brasil, portanto, não deve cumprir a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e vem se distanciando do Acordo de Paris.

Arte: Fernando Alvarus
Arte: Fernando Alvarus

O crescimento das emissões no último ano foi puxado pelo desmatamento na Amazônia, que disparou em 2019. Dados do sistema Deter-B, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), detectaram que os alertas de desmatamento na Amazônia Legal aumentaram 85,3% no ano passado na comparação com 2018. A mudança do uso da terra fez as emissões de gases de efeito estufa subirem 23% naquele ano, atingindo 968 milhões de toneladas de CO2e contra 788 milhões de CO2e em 2018. Esses dados foram divulgados nesta sexta, 6 de novembro, pelo Observatório do Clima com base nas Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). O desmatamento respondeu por 44% do total das emissões do país no ano passado. O SEEG está na sua oitava edição.

No ritmo em que está e com os indicativos de que dispomos, o país não consegue cumprir a meta de 2020 e se afasta da de 2025

“Estamos numa contramão perigosa”, alerta Tasso Azevedo, coordenador do SEEG, chamando a atenção para o fato que “no ritmo em que está e com os indicativos de que dispomos, o país não consegue cumprir a meta de 2020 e se afasta da de 2025”. Desde 2010, ano de regulamentação da PNMC, que estabeleceu a primeira meta doméstica de redução de emissões da história no Brasil, o país elevou em 28,2% a quantidade de gases de efeito estufa que despeja na atmosfera todos os anos.

O aumento das emissões não somente impacta nossos compromissos internacionais como ameaça a reputação do nosso agronegócio

“O aumento das emissões não somente impacta nossos compromissos internacionais como ameaça a reputação do nosso agronegócio”, comenta Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). No ranking nacional das emissões de gases de efeito estufa, a agropecuária ficou em segundo lugar, atrás, portanto, do desmatamento. O setor foi responsável pela emissão de 598,7 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2019, um aumento de 1% em relação às 592,3 milhões de toneladas emitidas no ano anterior.

Ao somar as emissões provocadas pelo uso da terra e pela agropecuária, o SEEG conclui que a atividade rural — seja direta ou indiretamente, por meio do desmatamento, que é quase todo destinado à agropecuária — respondeu por 72% das emissões do Brasil no ano passado. Isso significa que, mesmo após uma década de política de clima, o país manteve inalterada a curva de emissões de antes da adoção da política.

O gado invade a rodovia Transamazônica, próxima à cidade de Anapu, onde os conflitos de terra são frequentes. Foto Evaristo Sá/AFP
O gado invade a rodovia Transamazônica, próxima à cidade de Anapu, onde os conflitos de terra são frequentes. Foto Evaristo Sá/AFP

Como o PIB nacional em 2019 foi de 1,1%, conclui-se que as emissões no Brasil, diferentemente das da maioria das outras grandes economias, estão descoladas da geração de riqueza. E o pior, os dados do SEEG indicam uma franca reversão da tendência de redução das emissões brasileiras entre o período de 2004 e 2012.

O setor de energia foi o terceiro vetor de aumento das emissões do país, tendo respondido por 19% das emissões totais. Ainda que discreto, o aumento de 1,1% registrado no ano passado foi fruto de um política energética equivocada. O governo acionou termelétricas a gás mesmo quando o cenário predominante em 2019 foi chuvoso. As emissões do setor energético subiram de 409,3 milhões para 413,7 milhões de CO2e em 2019 contra o ano anterior.

Em 2019, os estados que ficaram na liderança das emissões de gases de efeito estufa foram o Pará (18,4% do total) e Mato Grosso (10,6%), seguido de São Paulo (6,9%). O Amazonas ficou em quarto lugar, sendo responsável por 6,8% das emissões. Excluindo uso da terra, São Paulo passou a liderar as emissões nacionais devido o setor de energia (especialmente transporte), seguido de Minas Gerais, por conta da produção leiteira.

Ao mudar o parâmetro da análise, para emissões per capita, por exemplo, a liderança passou a ser de Roraima. O estado emitiu 111 toneladas de CO2e por habitante no ano passado – mais de 15 vezes a média mundial, de 7,1 toneladas per capita. Devido à disparada do desmatamento e à baixa população, a emissão média por habitante em Roraima é três vezes maior que no Qatar, um dos países com maiores emissões per capita, e seis vezes maiores do que nos Estados Unidos.

O país já chega devendo em 2021, ano em que deveria ter início o cumprimento da NDC, nossa meta nacional no Acordo de Paris

À luz dos dados consolidados de 2019 e de informações preliminares sobre 2020, o relatório da SEEG chega a duas conclusões: 1. É possível afirmar que, pela primeira vez, o país não cumprirá a meta da PNMC. 2. Para cumprir a Contribuição Nacional Determinada (NDC, na sigla em inglês), o país precisará conter o desmatamento, o que tem levado o país a se distanciar do cumprimento da meta do Acordo de Paris. A PNMC e a NDC são as duas metas de redução de gases de efeito estufo que o Brasil adotou. Ambas são obrigatórias, ainda que a NDC tenha nascido de forma voluntária, mas se tornou obrigatória após a assinatura do Acordo do Paris, do qual o país é um dos signatários. “O país já chega devendo em 2021, ano em que deveria ter início o cumprimento da NDC, nossa meta nacional no Acordo de Paris”, conclui Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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