A Conferência do Clima, a COP26, acabou há algumas semanas, mas é agora que começa, de fato, a construção dos caminhos para atingir as metas e o cumprimento dos acordos assinados em Glasgow, na Escócia. Não há mais espaço para governos e setor privado olharem o mundo pelo retrovisor. Ficou acordado que a retomada do crescimento econômico, pós-pandemia, está intrinsecamente ligada a uma nova economia: a economia de baixo carbono. A agenda do clima rompeu fronteiras e bolhas, transformando essa conferência na mais permeável à pressão do setor privado e dos movimentos sociais na história das COPs.
Ao discutir o tema “Recuperação Verde: Caminhos do Brasil para o Desenvolvimento Sustentável”, houve um consenso entre os debatedores que a antiga dicotomia entre produzir e preservar é coisa do passado. O clamor hoje é pela reconciliação dessas duas agendas, o que significa produzir preservando. O jornalista Oscar Valporto mediou a conversa entre Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Fátima Cabral, produtora rural e presidente da Associação dos Produtores Agroecológicos do Alto São Bartolomeu (Aprospera), e Eduardo Bastos, líder do Comitê de Sustentabilidade da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). O encontro virtual fez parte das comemorações do sexto aniversário do Colabora, que promoveu o ciclo de debate “#Colabora 6 anos: 6 debates fundamentais”.
Marina deixou claro que o setor empresarial chegou na COP26 com o dever de casa feito, uma prova de que o Brasil deve ser olhado por diferentes lentes e não apenas a da representação oficial do governo brasileiro. Capitaneado pelo Cebds, o documento “Empresários pelo Clima” foi lançado às vésperas da conferência. Assinado por pouco mais de 100 empresas e 14 entidades do setor privado, o texto reafirma o compromisso do setor empresarial com uma economia de baixo carbono, tolerância zero com o desmatamento ilegal e o enorme potencial do país com a entrada em vigor do mercado de carbono.
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Veja o que já enviamos“O mercado de carbono é uma oportunidade para o país e tem potencial para gerar negócios no valor de US$ 72 bilhões até 2030”, comentou Marina, acrescentando que apenas coibindo o desmatamento ilegal, o país tem condições de sair do ranking dos dez maiores emissores de gases de efeito estufa. E acrescentou que o desmatamento ilegal e a insegurança jurídica estão atrapalhando a reputação no Brasil: “Não podemos mais tolerar empresários que estejam atrás nessa agenda”.
Produtora rural com atuação na região do Alto São Bartolomeu, na divisa do Distrito Federal com Goiás, Fátima contou sobre a experiência da agroecologia e agrofloresta no país e seu território. Numa área, por exemplo, de um hectare de agroflorestal está sendo produzido 70 toneladas de alimentos por ano, um sistema de produção agroflorestal que recupera área degrada, gera emprego e renda, e leva à mesa do consumidor alimento biodiverso. Filhos de pequenos agricultores estão voltando para o campo, porque estão enxergando a possibilidade de trabalharem com uma tecnologia social que garante demanda para os produtos da terra. “Estamos fazendo a reconexão da cidade com o campo”, comenta.
À frente de um setor, o agronegócio, apontado por ambientalistas como o vilão do clima, Bastos defende que o desmatamento ilegal deveria ser retirado da conta do Brasil, justamente porque “não tem nenhuma relação com nenhum setor produtivo”. Ainda que parte do 98% do desmatamento ilegal acabe se transformando, em algum momento, em pecuária, esse desmatamento é originalmente praticado com vistas à valorização do ativo terra. “O alimento que gera à nossa mesa, não sai de área alvo de desmatamento ilegal”.
Sendo o quarto maior produtor mundial de alimentos, perdendo apenas para a China e a Índia, e o terceiro maior exportador de agronegócio, a produção brasileira alimenta um bilhão de pessoas, dos quais 200 milhões de brasileiros. O agronegócio, disse ele, tem condições de atuar simultaneamente em duas pontas: reduzindo emissões e capturando carbono. “Ainda assim, muitos olham o setor exclusivamente como um grande emissor de gases de efeito estufa”. Ele defende que uma pecuária bem-feita tem o potencial de recuperar mais carbono do que o animal emite, o mesmo ocorrendo com um sistema de grãos integrado.
O desafio do futuro é gigante. A previsão é que os 7,8 bilhões de pessoas no mundo cresça para 10 bilhões até 2050, o que vai demandar 50% a mais de alimentos. A demanda por proteína vai aumentar 200%, o que é um comportamento normal à medida que a população vai aumentando seu poder de consumo. Com o aumento da renda em alguns países, por exemplo, houve uma redução do consumo de carboidratos. “Nosso maior desafio é endereçar esse aumento de produção, algo como 200 milhões de toneladas de proteínas e 400 milhões de toneladas de grãos”.
Para atender esse aumento de demanda, o Brasil tem duas alternativas: ou segue convertendo áreas, o que seria um eufemismo para desmatamento, ou aprende a produzir mais, aumentando a produtividade. A resposta já existe, responde Bastos, citando o Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, também chamado de ABC+. Nos últimos dez anos, o país chegou a 17 milhões de hectares com sistemas LPF, ou seja, lavoura, pecuária e floresta integrados. A meta é chegar em 2030 com 30 milhões de hectares com o sistema LPF, o que abrange uma área do tamanho do estado de Goiás.