As dimensões geográficas e as barreiras naturais do Brasil marcam a pele quando nos dispusemos a percorrê-las. Dados e estatísticas, muitas vezes, parecem nos cegar para o que realmente está expressado ali. Apenas afirmar que uma região no Piauí cinco vezes maior que a cidade de São Paulo está se tornando um deserto é pouco diante de um problema que pode ser irreversível. É preciso se lançar nos lugares mais remotos do país. Foi o que fiz.
Até chegar ao Nordeste do país, mais precisamente no sudoeste do Piauí, na fronteira entre os estados de Bahia, Maranhão e Tocantins, em pleno bioma do Cerrado, conduzi meu jipe por estradas que cortam gigantescas monoculturas de soja – o ouro em grãos do Brasil – e também as fazendas do futuro: enormes projetos de geração de energia captadas pela luz do Sol. Também há o Brasil esquecido no tempo: os incêndios florestais provocados por produtores que desejam utilizar a terra para plantar mais e mais soja. Um meio de destruir a si mesmo ao longo do tempo, um método conhecido como ecocídio, o extermínio deliberado de um ecossistema em prol de um ganho no curto prazo, sem compromisso com as gerações futuras.
Leu essas? Todas as reportagens da série “Desertos brasileiros“
Quando se fala em mudanças climáticas como resultado da ação humana sobre o planeta, logo vêm à mente imagens de ursos polares no Ártico ou a elevação do nível do mar arrasando a costa dos países. Sim, isso é verdade, mas há problemas tão ou mais urgentes e que estão acontecendo bem ao nosso lado. Um deles é a desertificação de regiões que, antes ação humana, eram lugares de grandes riquezas naturais.
No Brasil, são ao todo seis núcleos de desertificação oficialmente reconhecidos pelo Estado e objeto de estudos da Organização das Nações Unidas (ONU). Todos se encontram na região Nordeste: Irauçuba (Ceará), Seridó (Rio Grande do Norte), Cabrobó (Pernambuco), Cariris Velho (Paraíba), Sertão do São Francisco (Bahia) e Gilbués (PI), onde estou e que é considerado um dos núcleos mais graves nesse processo. O total de áreas degradadas atinge 15 municípios do Piauí, tendo em Gilbués seu epicentro. De acordo com estudos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), são 7.759,56 km² de áreas degradadas na região. Um dado importante é que Gilbués está ao lado do Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba e, caso essa desertificação siga se expandindo, vai colocar em risco o abastecimento de água de milhares de pessoas e impactar atividades econômicas de forma ainda mais significativa.
Lá mesmo em Gilbués, desço do carro. O chão está queimando sob os meus pés. O vento que penetra entre as árvores e avança em minha direção é sufocante. No horizonte uma disposição do solo me remete às imagens de satélite da superfície lunar. São as voçorocas. Gigantescas erosões de terra que formam montes tornando impossível o plantio de qualquer cultura e dificultando atividades pecuárias. Como resultado, a comunidade local ganha um novo perfil: os mais velhos ficam com o que ainda dá para ser explorado, e os mais jovens abandonam o lugar, migrando para os centros das cidades em busca de oportunidades. São os refugiados ambientais.
E se você perguntar a um cidadão local sobre o estado atual, provavelmente terá uma resposta padrão: “Sempre foi assim”. Mas nem sempre foi assim. E a nossa história e geografia provam isso. Depois de se casar com um piauiense, há 40 anos, Marineide Cirilo Rodrigues, nascida no Maranhão, mudou-se para a região e já percebia que a erosão começava a tomar conta da terra. Mas ainda era possível ter uma produção satisfatória, e assim o casal seguiu cultivando arroz, milho e outras culturas com grande dependência da água que ainda corria pelos rios ali existentes em períodos de chuva. Caracteristicamente, a região tem o clima bem dividido entre seca e fortes chuvas. O que se plantava em períodos chuvosos era mais do que suficiente para os períodos de seca. Mas isso dependia de um frágil equilíbrio ambiental.
Diferentemente da formação de um deserto natural, resultado de uma combinação entre solo e clima (como o famoso Deserto do Atacama, no Chile), o que acontece nessas regiões do Brasil é que a desertificação é resultado da ação direta humana sobre o meio ambiente. Não se sabe exatamente quando o fenômeno começou, mas os estudos de pesquisadores apontam que há uma relação direta entre o processo de desertificação e o início de atividades econômicas como a pecuária extensiva e agricultura (sobretudo do plantio de arroz) a tal ponto que esgotaram a capacidade do solo e seu poder de renovação.
Em um sistema tão frágil, o simples corte de árvores para obter a madeira que abastece os fogões à lenha ou a montagem de cercas para o gado, passando por queimadas para limpar o terreno, causaram um dano quase irreversível. A criação de animais de grande porte é outro grande problema. O ambiente local não comporta o tamanho dos rebanhos que os produtores desejam criar. Soltas, vacas e cabras devoram a pouca vegetação disponível e, com seus cascos, impedem que as novas plantas vinguem. E como se fosse pouco, no caso de Gilbués ainda há a exploração de diamantes.
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Veja o que já enviamosIsso está muito presente nas memórias de Edvar Rodrigues, nascido, criado e ainda morador na região. Em suas lembranças de infância, recorda que ajudava os pais a produzirem arroz, mas que hoje isso é impossível. O pai, ele lembra, o alertou sobre o avanço das voçorocas. E que, para combater isso, seria fundamental preservar as árvores da região, que proporcionam sombras (tornando o clima menos seco), ajudam na produtividade do solo e suas raízes são importantíssimas para a resistência à erosão em épocas de chuva. Seguindo o conselho do pai, ele não teve problemas com as voçorocas, enquanto seus vizinhos viram a terra ser levada pela erosão.
“Os filhos de Dona Expedita (uma vizinha) derrubavam as árvores para fazer lenha, e com isso o terreno dela virou um grande barranco, com tudo seco. Não se produz mais nada lá”, diz Edvar. Consciente do problema que atinge seus amigos e familiares, ele percebe ainda mais além. Conta que o inverno está cada vez mais curto. Há mais tempo seco que chuvoso. Baseado na fé, espera chuva para outubro, mas sua experiência o faz perceber que ela provavelmente irá se atrasar e chegará apenas em novembro, encurtando cada vez mais o período propício para o plantio.
Com a mesma consciência, Marineide se queixa que tentou fazer um movimento na comunidade para que todos plantassem árvores, mas quando se viu sozinha na tarefa, abandonou a prática. Dedica-se hoje a cultivar uma horta com variedade de frutas e verduras para consumo próprio. Se encontrar apoio ela se dispõe a retomar a iniciativa de plantar árvores em toda a região. Está muito vivo em suas memórias o período em que podia plantar arroz e a havia fartura de culturas. As queimadas, lembra ela, acabaram com a nascente de vários rios locais, deixando apenas as marcas por onde corriam as águas e pontes sobre um solo seco.
A minha viagem à região com maior desertificação do país coincidiu com um outro trabalho que eu fazia cobrindo os incêndios na Amazônia. Incentivados pelo governo de extrema-direita que tem uma visão estratégica para os recursos naturais que nos remete à década de 1970, diversos produtores espalharam focos de incêndio pela floresta com a certeza da impunidade. E este é exatamente o mesmo fenômeno que preocupa os ambientalistas que defendem a preservação da Amazônia: se o desmatamento avançar a um ponto em que se torne irreversível a capacidade de renovação da floresta, a região irá se tornar um grande deserto, como o Sul do Piauí.
A série de reportagens “Desertos brasileiros” foi uma das vencedoras da 1ª Bolsa #Colabora de Reportagem.
#ANARCODESCONHECIDO Lutei pela legalização da FETRAF_CUT_MG, o serrado tá doente, as represas de alteamento dá VALE está ajudando na destruição. SOCORRO ONU.
No mesmo caminho de destruição, segue as áreas de exploração mineral da nossa amazônia, especificamente, na região Norte do Brasil, onde é explorada a bauxita para extração do alumínio, a exemplo da Mineração Rio do Norte, em Juruti e Oriximiná, à Noroeste do Estado do Pará e a exploração do ferro, em Carajás. A pedra de bauxita é triturada, transformada em pó (vermelho), que dispersado pelo vento acaba pintando a floresta verde em sua volta, de vermelho prejudicando assim o processo de fotossíntese das plantas. Em seguida, o pó vermelho é lavado par dele ser filtrado o alumínio, resultando numa lama vermelha como rejeito sem mais nenhuma forma de aproveitamento. Essa lama é depositada em grandes bacias (crateras) abertas no meio da floresta que avista das do alto são verdadeiras lagoas de lama vermelha. Vez ou outra se rompe, principalmente, no inverno, com o volume aumentado pelas águas das chuvas que a faz escoar para nascentes, córregos e igarapés próximos, matando toda forma de vida ali existente. Para se ter ideia, nenhum tipo de planta consegue sobreviver nesta lama. Um carta aberta divulgada à quase duas décadas chamada SOS JURUTI, circulou pela impressa nacional e internacional denunciando a ALUMAR sobre esses fatos, mas, infelizmente, não se viu surtir o efeito esperado.
A reportagem sobre a questão ambiental em Gilbués foi oportuna, no entanto, o autor peca ao demonstrar que o alvo não era Gilbués, mas a Amazônia. Gilbués foi um gancho, um pretexto para se referir ao que interessa – a rica Amazônia.
O ser mais idiota que Deus colocou sobre a terra, está destruindo o resto com sua arrogância, ganância e idiotice.
O Amazonas será um deserto num futuro não muito distante.
Interessante. Quando não direcionada por interesses outros, quem sabe até ideológicos. Essa desertificação é crônica.
A sua matéria é tendenciosa e por que não crível e de uma ignorância total. Falta-lhe ser mais honesto nas suas pseudo-reportagens. Senão vejamos:O primeiro documento português que relata a seca no Nordeste é de 1552, de acordo com o historiador Marco Antonio Villa, no livro Vida e Morte no Sertão. De 1580 a 1583, os registros mostram prejuízos da seca aos engenhos de cana-de-açúcar e relatam o deslocamento para o sul de cerca de 5 mil índios em busca de comida. Mais um pequeno detalhe, para clarear essa menta deturpada e alardeadora do fim do mundo:O primeiro documento português que relata a seca no Nordeste é de 1552, de acordo com o historiador Marco Antonio Villa, no livro Vida e Morte no Sertão. De 1580 a 1583, os registros mostram prejuízos da seca aos engenhos de cana-de-açúcar e relatam o deslocamento para o sul de cerca de 5 mil índios em busca de comida.
A seca de 1877 foi a mais dramática de que se tem notícia. Após um período de 30 anos sem estiagem, a falta de chuvas vitimou quase metade da população que vivia no sertão, segundo o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) José Nilson Bezerra Campos, no artigo “Vulnerabilidade hidrológica do semiárido às secas”.
Finalizando:Assim, o aquífero Cabeças, por exemplo, que representa talvez o principal aquífero regional, assume produtividade desde muito altas, produzindo vazões superiores aos 100 m3/h. Portanto cabe aos donos dos currais eleitorais que fazem da seca o seu ganha pão político, tomarem consciência da realidade uma vez que se permite, aos planejadores de recursos hídricos, tomadores de decisões e ao público em geral, o planejamento das ações de captação de águas subterrâneas, de forma a otimizar os resultados e diminuir os custos de possíveis insucessos.
Este conceito, uma vez adotado de forma generalizada em todo o país, contribuirá com o
aprimoramento das questões relativas ao gerenciamento dos recursos hídricos subterrâneos e, no
caso do nordeste brasileiro, a otimização das ações de combate às secas