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Crise climática: tempestade de neve no Natal deixa mais de 50 mortos nos EUA
Para cientistas, mudanças no clima favoreceram entrada e permanência de corrente com ar gelado do Ártico: até 50 graus abaixo de zero
Pelo menos 57 pessoas* morreram e dois milhões ficaram sem energia nos Estados Unidos durante o fim de semana do Natal depois que uma violenta tempestade de neve atingiu o país – e o Canadá. Mais de 8 mil voos foram cancelados e o período natalino foi de caos em aeroportos e estradas com a nevasca que, de acordo com os meteorologistas, foi a pior em décadas.
Na cidade de Buffalo, no estado de Nova York, o número de mortos chegou a 16 – quatro pessoas foram soterradas pela neve dentro de seus carros na região onde a neve acumulada chegou a quase dois metros de altura na manhã do domingo de Natal. “Os efeitos da mudança climática estão causando estragos em todos os lugares”, disse a governadora de Nova York, Kathy Hochul, durante uma entrevista coletiva na véspera de Natal onde anunciou pedido de ajuda federal para ajudar vítimas e reparar estragos.
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O frio extremo nos EUA se estendeu dos Grandes Lagos, perto do Canadá, até o Rio Grande, ao longo da fronteira com o México. Cerca de 60% da população dos Estados Unidos enfrentou algum tipo de aviso ou alerta de clima de inverno, e as temperaturas caíram drasticamente abaixo do normal, do leste das Montanhas Rochosas aos Apalaches, atingindo até 50 graus abaixo de zero durante o fim de semana. A previsão do Serviço Nacional do Tempo (National Weather Service) dos EUA é que o frio extremo deve permanecer pelo menos até esta terça (27/12) nos estados do leste do país.
O frio extremo surpreendeu os americanos já que a primeira quinzena de dezembro (fim do outono no Hemisfério Norte) teve temperaturas até mais altas que a média histórica. “Um evento como este pode ocorrer naturalmente. Mas, com a interrupção dos padrões climáticos globais que a mudança climática está trazendo, a probabilidade de ver eventos climáticos incomuns em qualquer estação aumenta muito”, disse Jeff Masters, meteorologista da Yale Climate Connections, em entrevista à CNN, lembrando que a última tempestade de neve com intensidade semelhante ocorreu em 1983.
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Veja o que já enviamosPor trás desse congelamento profundo na América do Norte, está o frio transmitido do Ártico pela corrente de jato, uma faixa de ventos fortes que envolve o planeta. “Esse clima tão maluco é porque a corrente de jato é mais circular do que o normal”, disse Jennifer Francis, cientista sênior do Woodwell Climate Research Center em Falmouth, Massachusetts.
Ela explicou ainda que o ciclone bomba formado na região dos Grandes Lagos, com rajadas de vento gelado a mais de 100 km/h, veio da associação entre a corrente de jato trazendo o frio direto do Ártico com o ar úmido anormalmente quente vindo do Golfo do México, que está “com febre”, como o Oceano Atlântico como um todo. “Esses enormes contrastes de temperatura são o material de que os ciclones-bomba são feitos”, acrescentou a cientista. Além da tempestade de neve, os Estados Unidos enfrentaram violentas rajadas de evento, principalmente na área central do país, e enchentes na Costa Leste.
Crise climática
Os cientistas não tem dúvida de que a violenta tempestade de neve neste Natal na América do Norte é consequência das mudanças no clima do planeta. “Os invernos estão se tornando, em média, mais amenos e quentes do que costumavam ser, mas também houve um aumento notável em toda a América do Norte de eventos climáticos extremos, como intensas tempestades de neve”, disse John Clague, professor de Geociências na Simon Fraser University, no Canadá. “As pessoas podem achar ilógico que estejamos vendo mais tempestades de neve à medida que o clima esquenta, disse ele. “O que os modeladores climáticos estão descobrindo é que a mudança climática envolve extremos mais frequentes”, alertou em entrevista à imprensa canadense.
O pesquisador disse ainda que a corrente de jato, que se move normalmente de oeste para leste e carrega consigo os sistemas climáticos, está se movendo mais lentamente do que normalmente e aparentemente estacionando por um período de tempo. A massa de ar frio (ou quente) que a corrente de jato carrega permanece na atmosfera, onde se choca com as correntes carregadas de umidade, causando neve ou chuva pesada. “Essa interface entre esse ar úmido e temperado em latitudes mais baixas e o ar frio e seco – o ar do Ártico – gera a queda de neve”, destacou Clague.
O professor Kent Moore, especialista em física atmosférica da Universidade de Toronto, disse que as evidências mostram que o aquecimento da Terra está mudando a dinâmica de como funciona a corrente de jato, que pode ter “ondulações maiores” à medida que o clima esquenta. Isso significa que a corrente de jato simplesmente não vai de oeste para leste, mas às vezes viaja para o norte ou para o sul como uma onda. Ela também puxa o ar do Ártico enquanto se move para o sul”, afirmou Moore. “Há evidências de que, à medida que o clima está esquentando, a corrente de jato está se tornando mais ondulada”, acrescentou.
Para o professor canadense, a interação entre a diminuição do gelo marinho e o rápido aquecimento do Ártico está reduzindo o gradiente de temperatura – usado para descrever a variação de temperatura em certa área ou volume pré-determinados – no Canadá e nos Estados Unidos. Uma corrente de jato mais ondulada ou enfraquecida está trazendo o ar do Ártico para o sul, criando intensas tempestades de neve”, explicou Moore, explicando que os oceanos em ambas as costas da América também desempenham um papel na formação das tempestades porque o clima mais quente no mar produz mais evaporação da água. “Isso significa que há mais vapor de água na atmosfera, o que significa que também há mais neve por causa disso”, destacou.
*Texto atualizado às 20h30 de 26/12/2022 para atualização do número de mortos
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Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora, um portal de notícias independente que aposta numa visão de sustentabilidade muito além do meio ambiente.