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Crise climática ameaça futuro dos Jogos Olímpicos de Inverno
Estudo mostra que cidades-sede do passado não poderão mais sediar evento; Pequim 2022 terá 100% de neve artificial
A crise climática vai limitar o número de locais onde os Jogos Olímpicos de Inverno podem ser realizados à medida que o inverno muda em todo o Hemisfério Norte, de acordo com estudo desenvolvido por pesquisadores de três países. A média de temperatura das cidades que já sediaram o evento vem subindo sistematicamente de que maneira que, no mesmo ritmo, até o final deste século, apenas uma das 21 cidades-sede os Jogos Olímpicos de Inverno, desde 1924, poderia garantir “de forma confiável, condições justas e seguras” para o programa de esportes na neve.
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Ao conduzir o estudo, os pesquisadores – do Canadá, da Áustria e dos Estados Unidos – revisaram dados climáticos históricos da década de 1920 até os dias atuais e cenários futuros de mudanças climáticas para as décadas de 2050 e 2080. Eles apontam que a gestão do risco climático é cada vez mais importante porque a temperatura média diurna de fevereiro – tradicional mês de realização dos Jogos Olímpicos de Inverno – das cidades-sede aumentou constantemente: de 0,4°C nos Jogos realizados nas décadas de 1920 a 1950, para 3,1°C nos eventos olímpicos durante as décadas de 1960 a 1990 e 6,3 °C em Jogos realizados no século XXI – incluindo Pequim 2022, que começa nesta sexta-feira (04/02).
Os pesquisadores projetaram o aquecimento adicional do século 21 de entre 2°C a 4,4°C, dependendo de nossas vias de emissão. “Estudamos as muitas maneiras pelas quais os Jogos Olímpicos de Inverno reduziram o risco climático desde os primeiros Jogos realizados em Chamonix, na França, há quase 100 anos”, disse a geógrafa Michelle Rutty, uma das coordenadoras do estudo, em evento virtual promovido pelo Centro Interdisciplinar sobre Mudança Climática, da Universidade de Waterloo, Canadá. “Mas há limites para o que as estratégias de gerenciamento de risco climático podem lidar, e vimos esses limites serem excedidos em Sochi (2014) e Vancouver (2010)”, acrescentou a pesquisadora, professora do Departamento de Geografia e Gestão Ambiental da universidade canadense.
Em 2014, Sochi, na Rússia, foi a cidade mais quente a sediar os Jogos Olímpicos de Inverno – levando, segundo o estudo, a taxas mais altas de acidentes e lesões que foram parcialmente atribuídas a temperaturas mais altas e neve de menor qualidade. “As mudanças climáticas estão alterando a geografia dos Jogos Olímpicos de Inverno e, infelizmente, tirarão algumas cidades-sede famosas pelo esporte de inverno”, acrescentou o professor Robert Steiger, da Faculdade de Geografia e Finanças Públicas, da Universidade de Innsbruck (Áustria), cidade-sede dos Jogos de Inverno em 1964 e 1976.
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Veja o que já enviamosDe acordo com os pesquisadores, tradicionais cidades europeias de esportes na neve – como St. Moritz, na Suíça, sede da Olimpíada de Inverno em 1928 e 1948, e Lillehammer, na Noruega (1994) – já não poderiam receber o evento em 20 anos, com o aumento das temperaturas, que ameaça também o turismo nessas regiões. “A maioria das antigas sedes na Europa, pelas projeções climáticas, não serão confiáveis já na década de 2050, mesmo em um futuro de baixa emissão”, acrescentou Steiger, coordenador do Painel Austríaco de Mudança Climática, e coautor do estudo Mudanças climáticas e o futuro dos Jogos Olímpicos de Inverno: perspectivas de atletas e treinadores.
A pesquisa recentemente publicada incluiu entrevistas com atletas e treinadores de alto nível e com experiência em eventos internacionais: 89% apontaram que as mudanças nos padrões climáticos estão afetando as condições de competição e 94% temem que as mudanças climáticas tenham impacto no desenvolvimento futuro de seu esporte. “Queríamos entender da perspectiva do atleta quais condições climáticas e de neve tornavam a competição justa e segura, e então determinar quais anfitriões olímpicos poderiam fornecer essas condições no futuro”, afirmou a pesquisadora canadense Natalie Knowles, ex-atleta de esqui e coautora do estudo, no evento da Universidade de Waterloo, onde faz doutorado.
Os pesquisadores alertam que a redução das emissões de gases de efeito estufa é decisiva para o futuro dos esportes na neve. “Nenhum esporte pode escapar dos impactos de um clima em mudança acelerada. Atingir as metas do Acordo de Paris é fundamental para salvar os esportes de neve como os conhecemos e garantir que haja lugares em todo o mundo para sediar os Jogos Olímpicos de Inverno”, disse Daniel Scott, professor de Geografia e Gestão Ambiental, em comunicado da Universidade de Waterloo. “Os atletas e treinadores internacionais que pesquisamos estão testemunhando os impactos nos locais de competição e treinamento, incluindo os locais de competições olímpicas”, acrescentou Scott.
Pequim 2022 com 100% de neve artificial
Os Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim 2022, que começam no dia 4 de fevereiro, serão os primeiros a usar virtualmente 100% de neve artificial, com a implantação de mais de 100 geradores de neve e 300 canhões de neve trabalhando para cobrir as pistas de esqui. De acordo com o Comitê Organizador, nas duas cidades anfitriãs (Pequim divide a sede com Zhangjiakou, tradicional local de competições esportivas de inverno), está sendo usada Embora apenas chuva natural e água reciclada na produção de neve artificial.
Ao estudo sobre o futuro dos Jogos Olímpicos de Inverno com a crise climática, soma-se um relatório sobre Pequim 2022 do Grupo de Ecologia no Esporte, da universidade britânica de Loughborough, e do grupo ambiental Protect Our Winters (Protejam Nossos Invernos) critica a produção massiva de neve artificial. “Isso não é apenas intensivo em energia e água, frequentemente usando produtos químicos para retardar o derretimento, mas também oferece uma superfície que muitos concorrentes dizem ser imprevisível e potencialmente perigosa”, afirmam os pesquisadores no relatório, levantando o temor que a alta taxa de utilização de água poderia colocar uma pressão adicional sobre os já escassos recursos hídricos da região.
Neve artificial vem sendo usada, em diferentes níveis e quantidades desde os Jogos Olímpicos de Inverno de 1980, em Lake Placid, no estado de Nova York. Pequim 2022 dependerá quase inteiramente da neve artificial porque suas competições serão disputadas em uma das partes mais secas da China.
Nestes dias que antecedem o evento, os organizadores vêm mobilizando todos os equipamentos para cobrir as pistas olímpicas com neve de alta qualidade. As 300 turbinas – os canhões – misturam água com ar comprimido antes de impulsionar as gotículas no ar para formar a neve. Depois, veículos especiais (snowcats) são usados para espalhar a neve artificial nas pistas e esculpir saltos e curvas para as competições de esqui.
De acordo com o Comitê Olímpico Internacional (COI), existem dois indicadores meteorológicos centrais para os Jogos Olímpicos de Inverno: temperatura média em fevereiro abaixo de zero graus Celsius, e queda de neve em fevereiro superior a 30 cm.. Temperaturas entre 12 graus Celsius negativos e 2 graus Celsius positivos são consideradas ideais. Em Zhangjiakou, onde estão programados a maioria dos eventos esportivos na neve, tem uma queda de neve média de 63,5 cm e sua temporada de esqui costuma durar 100 dias. Mas a região já vem usando neve artificial porque a temperatura média no inverno tem ficado em 3,3 graus Celsius positivos.
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Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade