COP30: quilombolas e afrodescendentes cobram justiça climática

COP30: quilombolas e afrodescendentes cobram justiça climática

Por Liana Melo ODS 13

Movimento negro quer protagonismo nos debates em Belém e prepara documento para entregar ao presidente da conferência do clima

Publicada em 14 de maio de 2025 - 08:18 • Atualizada em 14 de maio de 2025 - 12:28

Na última semana de maio, o presidente da COP30, o embaixador André Correa do Lago, será cobrado pela Coalizão Internacional para a Defesa, Conservação e Proteção dos Territórios, Meio Ambiente, Uso da Terra e Mudanças Climáticas dos Povos e Comunidades Afrodescendentes da América Latina e do Caribe (Citafro) a pagar uma “dívida histórica”. O movimento, liderado pelo Processo de Comunidades Negras (PCN), da Colômbia, e pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), do Brasil, entregará um conjunto de reivindicações pedindo reparação por meio de “medidas e ações de justiça climática com justiça racial e étnica”.

A entrega do documento é resultado de uma agenda elaborada pelos 16 países da América Latina e Caribe, que, juntos, vêm se articulando para ter voz ativa na Conferência das Partes sobre Mudanças Climática, a COP30, a ser realizada em Belém, em novembro. Em abril último, a Citafro divulgou a “Declaração de Brasília”, fruto do encontro internacional “Vozes Afrodescendentes no caminho para a COP30”. Representando 21% da população da região, somam 134 milhões de pessoas vivendo em 205 milhões de hectares espalhados por diferentes biomas brasileiros.

O documento a ser entregue a Correa do Lago vai ressaltar que os afrodescendentes e quilombolas da região são “guardiões ambientais” e, por isso, querem ser “sujeitos de direitos” e parte importante da discussão. A pressão é para que na COP30, essas comunidades venham a ser reconhecidas como protagonistas na proteção da biodiversidade, assim como ocorreu, no ano passado, na 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), em Cali, na Colômbia.

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A ação de quilombolas e afrodescendentes segue o movimento de grupos indígenas que, durante o Acampamento Terra Livre, em abril, entregaram a dirigentes do governo brasileiro e da COP30 o documento “Unidos pela Força da Terra: A Resposta Somos Nós”, em que reivindicavam tratamento de chefes de estado para lideranças indígenas. O manifesto, assinado por entidades indígenas da Amazônia, de Ilhas do Pacífico e da Austrália também cobra ação das autoridades mundiais contra a crise climática.

Não dá para discutir ações climáticas e projetos para reduzir o aquecimento global sem incluir os quilombolas na discussão. Sem a titulação dos territórios quilombolas não existe justiça climática, porque estamos geograficamente em desvantagem

Kátia Penha
diretora de Projetos da Conaq

Após a entrega do documento, o governo federal e organizações indígenas anunciaram a criação de uma Comissão Internacional Indígena para a COP30, a ser presidida pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e com a participação de sete entidades dos povos originários. “Se o Brasil quer liderar a pauta ambiental, precisa inserir os indígenas na discussão”, afirmou Dinamam Tuxá, um dos coordenadores da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ao #Colabora.

A Comissão Internacional Indígena fará parte do chamado Círculo dos Povos, inovação anunciada pela presidência brasileira da COP30, para ampliar o protagonismo da sociedade civil e dos movimentos sociais nas discussões e negociações das metas durante a conferência. Na visão da presidência da COP30, o Círculo dos Povos é estratégico para o debate sobre Justiça Climática, um dos temas centrais da conferência em Belém. O avanço do aquecimento global, financiamento climático, transição energética, adaptação às mudanças do clima, e desinformação climático são outros temas que estarão no centro das discussões na COP30.

Representantes de quilombolas brasileiros na COP26, em Glasgow: atuação mais intensa nos debates sobre o clima Líderes quilombolas e do Movimento Negro na COP26 (Foto Conaq – 04-11-2021)

COP inclusiva?

Quando esteve no Pará em fevereiro último, o presidente Lula disse que a COP30 será em Belém, “do jeito que for”. A mensagem subjacente é que o encontro da ONU será inclusivo e ninguém vai ficar de fora. “Só que não estamos ainda nas mesas de negociação e queremos estar”, reivindica Kátia Penha, diretora de Projetos da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

“Não dá para discutir ações climáticas e projetos para reduzir o aquecimento global sem incluir os quilombolas na discussão”, comenta, criticando o fato de o governo ter apresentado a nova meta climática do Brasil, a NDC, sem ouvir os povos originários. Em caso de eventos extremos, costumam ser os primeiros a serem afetados em caso de enchentes ou seca, por viverem em zonas costeiras, rurais, urbanas e na Amazônia. “Sem a titulação dos territórios quilombolas não existe justiça climática, porque estamos geograficamente em desvantagem”.

A falta de justiça climática potencializa o racismo territorial. As pessoas negras, as que moram nas periferias, nos quilombos e os indígenas fazem parte de um grupo de pessoas racializadas

Anne Heloise Barbosa do Nascimento
coordenadora de Educação Climática do CBJC

Dos cinco estados brasileiros com a maior concentração de comunidades quilombolas, o Pará ocupa a quarta posição (10,1%), atrás da Bahia (29,9%), Maranhão (20,2%) e Minas Gerais (10,1%).  Segundo a Conaq, são mais de dois mil territórios com processo aberto, aguardando a titularidade. Desde 2018, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não realiza titulações de comunidades quilombolas no Pará, que tem uma população quilombola de 135.033 pessoas.

Em Belém, sede da COP30, existe apenas uma comunidade quilombola reconhecida, o Território Quilombola de Sucurijuguara, na Ilha de Mosqueiro. “Sem a titulação desses territórios, é impossível o Brasil enfrentar o colapso climático e cumprir o Acordo de Paris”, avalia Penha, acrescentando que “só com a titulação e demarcação de terras é possível conter o desmatamento na Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica.”

Manifestação por Justiça Climática na COP29, em Baku: tema vem ganhando visibilidade nas conferências do clima (Foto: Kamran Guliyev / UN Climate Change – 18/11/2024)

Justiça climática

As injustiças climáticas têm gênero, raça e CEP. As vítimas costumam ser sempre as pessoas que vivem em condições de vulnerabilidade econômica e, por isso, mais afetadas pelas mudanças climáticas. Ou seja, especialmente mulheres pobres e negras, indígenas, quilombolas, pescadores, ribeirinhos e trabalhadores rurais.

A logística que está sendo montada para a COP30 acentua, segundo Penha, essa injustiça. Na medida em que pessoas que vivem em muitas comunidades, como é o caso, por exemplo, do Quilombo do Abacatal, às margens do Igarapé Uriboquinha, localizado na cidade de Ananindeua, na região Metropolitana de Belém, não terão condições de chegar a conferência, caso ocorra um evento extremo. “Caso ocorra cheia, nós simplesmente não teremos condições de chegar, às oito horas da manhã, na conferência.”

Foi na COP26, realizada em Glasgow, na Escócia, em 2021, que o movimento quilombola, representado pela Conaq, passou a ter uma atuação mais ativa nas conferências do clima. Antes disso, as participações eram menos expressivas e dispersas, mas, desde o Acordo de Paris, o movimento quilombola vem tentando sair da invisibilidade nos encontros da ONU para ganhar mais protagonismo.

“A comunidade quilombola vem denunciando sérias violações de direitos humanos nos seus territórios”, analisa Anne Heloise Barbosa do Nascimento, coordenadora de Educação Climática do Centro de Justiça Climática do Brasil (CBJC). Assassinada em sua casa, no Quilombo Pitanga dos Palmares (BA), aos 72 anos, Maria Bernadete Pacífico Moreira morreu ao ser alvejada por 22 tiros, em 2023. Conhecida como Mãe Bernadete, virou um exemplo da vulnerabilidade em que vivem as lideranças quilombolas no Brasil.

Levantamento da Conaq mostrou que, de janeiro de 2019 a julho de 2024, 46 quilombolas foram assassinados em 13 estados do país. Segundo o estudo, um terço dos casos tinha como contexto a disputa de terra e quase 65% das vítimas foram mortas com arma de fogo. Os estados que mais perderam quilombolas foram Maranhão, Bahia e Pará — que cederá sua capital para sediar a COP30.

O CBJC se uniu a Conaq para promover, nos primeiros meses deste ano, um curso de formação para capacitar mulheres que são lideranças quilombolas com vistas a COP30. Além de preparar pouco mais de 50 lideranças e familiarizá-las com as idas e vindas das negociações internacionais, objetivo foi debater as constantes ameaças de megaprojetos, hidrelétricos e eólicos, em seus territórios, frequentemente impostos sem a devida consulta às comunidades. “Diante dessas violações de direitos humanos, os quilombolas têm intensificado sua atuação política em diferentes esferas, incluindo a internacional, apesar dos desafios e custos envolvidos”, comenta Nascimento.

Justiça climática, justiça ambiental e racismo ambiental são temas entrelaçados. Daí porque, desde em 2015, vem ganhando fôlego, ano a ano, o debate em torno da ausência da questão racial nos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU. A discussão ganhou maior embocadura a partir de 2021 quando foi realizado o Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU — uma plataforma consultiva criada para promover a plena inclusão e direitos humanos das pessoas afrodescendentes, além de combater o racismo e a discriminação racial. O fórum faz parte da Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024). 

Foi a partir daí que surgiu a pressão para a criação de um 18º ODS, também conhecido como da Igualdade Étnico-Racial, que foi voluntariamente adotado pelo Brasil, na esteira da criação do Ministério da Igualdade Racial, no governo Lula.

“A falta de justiça climática potencializa o racismo territorial. As pessoas negras, as que moram nas periferias, nos quilombos e os indígenas fazem parte de um grupo de pessoas racializadas”, comenta Nascimento, concluindo que “a crise climática  potencializa o racismo”. Defensora da inclusão do ODS18 na agenda da ONU, admite, no entanto, que falta criar indicadores e métricas específicas, que permitam avaliar os impactos das ações e monitorar as metas.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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