Transição energética: tema tabu na COP30

Transição energética: tema tabu na COP30

Por Liana Melo ODS 13

Governo associa petróleo a desenvolvimento econômico, com justificativa de garantir a autossuficiência do país

Publicada em 24 de junho de 2025 - 09:05 • Atualizada em 24 de junho de 2025 - 10:43

Ainda que tímido, o aceno já foi dado nas duas últimas cartas, a terceira e quarta correspondência, divulgadas pela presidência da COP30. Em ambos os documentos, divulgados em maio e este mês, durante a Conferência de Bonn, na Alemanha, reunião preparatória da Conferência do Clima, a presidência brasileira sinalizou que pretende pautar a transição energética na agenda de Belém. O tema vem sendo tratado como espécie de tabu, apesar de considerado crucial para garantir que a conferência do clima seja histórica – além de ser a mais importante desde a assinatura do Acordo de Paris, que completa, este ano, uma década.

Do discurso à prática vai uma longa distância. E os números comprovam os fatos. Em agosto passado, durante o lançamento da Política Nacional de Transição Energética (PNTE), o presidente Lula destacou que o país não deveria negligenciar essa oportunidade. Oito meses depois, um relatório do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) apontou que apenas 0,16% da renda nacional do petróleo foi destinada às políticas ambientais e climáticas no país.

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As “rendas do petróleo”, como são chamados os recursos provenientes de royalties, participações especiais e bônus de assinatura, somaram R$ 108,2 bilhões em 2024, dos quais 79% desse montando vieram do pré-sal. “Não é pouco o dinheiro que se arrecada com a indústria de petróleo e gás no país e esses valores não estão indo para a transição energética”, pontua o físico Shigueo Watanabe Junior, especialista em mudanças climáticas e energia do Instituto ClimaInfo, complementando que os sinais que vêm sendo dados pelo Ministério das Minas e Energia (MME) vão na contramão dos compromissos climáticos.

Está muito difícil colocar qualquer referência a combustíveis fósseis na discussão

Shigueo Watanabe Junior
especialista em mudanças climáticas e energia do Instituto ClimaInfo

A associação do petróleo com desenvolvimento econômico continua a ser uma das justificativas oficiais para garantir a autossuficiência do país. Para Watanabe, esse argumento não fica de pé. Dos 3 milhões de barris de petróleo extraídos diariamente no país, pouco menos de 2 milhões dessa produção vai para consumo interno. O restante é exportado. O petróleo costuma disputar com minério de ferro e soja a liderança da balança comercial brasileira.

“Se realmente estivéssemos preocupados com a autossuficiência, fecharíamos a torneira da exportação de petróleo”, argumenta o físico.

Apesar de 2024 ter sido o primeiro ano com temperatura média global 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais — industriais — o que é considerado pelos climatologistas como o limite de segurança e, inclusive, foi incorporado como meta do Acordo de Paris – o governo quer ser, simultaneamente, um líder climático e uma potência petrolífera.

Depois de duas negativas dadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o órgão liberou, em maio último, a Petrobras para fazer simulações de resgate de animais, como parte do processo de licenciamento da pesquisa em um bloco em alto-mar na Foz do Amazonas, no Amapá, na Margem Equatorial.

Resistência internacional

Um dia depois da realização do leilão de petróleo e gás da Agência Nacional de Petróleo (ANP), na terça-feira 17 de junho, apelidado de “leilão do fim do mundo”, o presidente da COP30 recebeu uma carta assinada por mais de 250 cientistas de 27 países. Os signatários da carta pedem que liderança na COP30 sobre combustíveis fósseis. O documento foi entregue ao embaixador André Corrêa do Lago, que está em Bonn, na Alemanha, participando da reunião preparatória para a cúpula do clima da ONU e também ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, por sua vez, estava no Canadá, participando da reunião do G7.

“A queima de combustíveis fósseis está na raiz da crise climática e de seus impactos devastadores. Só com uma transição energética realista e urgente conseguiremos proteger o desenvolvimento, combater a fome e reduzir desigualdades”, escreveram os autores da carta, que é liderada por dois cientistas de renome internacional: o físico, professor da Universidade de São Paulo e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Paulo Artaxo, e o especialista em eventos extremos e professor do Imperial College London, do Reino Unido, Friederike Otto.

Também assinam a carta os pesquisadores Stefan Rahmstorf (Alemanha), Sir Brian Hoskins (Reino Unido); Ines Camilloni (Argentina); German Poveda (Colômbia); e os brasileiros Carlos Nobre, Maria Fernanda Lemos, Luiz Davidovich, Mercedes Bustamante, José Marengo, Eduardo Assad, Luciana Gatti e Renato Janine Ribeiro.

Uma vez que o setor energético responde por cerca de 76% das emissões globais dos gases de efeito estufa, acelerar a transição energética, substituindo os combustíveis fósseis por fontes renováveis de energia, é um dos desafios da COP30, marcada para novembro em Belém. Foi na COP28, em Dubai, que, pela primeira vez na história da conferência do clima, a menção à necessidade de transição para fora dos combustíveis fósseis foi incluída no documento final do encontro da ONU. No ano seguinte, na COP29, em Baku, no Azerbaijão, não houve a inclusão explícita à eliminação gradual desses combustíveis no texto. O financiamento climático é outro entrave, tão difícil quanto superar o lobby global contra a transição energética.

Watanabe não tem muita esperança que o tema avance substancialmente na COP30. “Está muito difícil colocar qualquer referência a combustíveis fósseis na discussão”, comentou, explicando que a resistência dos Estados Unidos, países árabes e até mesmo um pouco da China está muito “forte”.

Inclusive domesticamente, pautar o tema dos fósseis é delicado. Para Watanabe, se os blocos leiloados na Foz do Amazonas chegarem à fase de produção, a queima dos combustíveis pode liberar mais de 11 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente, o que representa mais de seis anos das emissões do setor do agronegócio brasileiro. Ou ainda cerca de 5% do orçamento total de carbono que a humanidade ainda pode emitir para manter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C.

Transição energética

Apostar na transição energética pode ser também um bom negócio. A Agência Internacional de Energia (AIE) aponta que os investimentos em energia limpa contribuiu com aproximadamente US$ 320 bilhões para a economia global em 2023, representando 10% da expansão do PIB (produto interno bruto) mundial.

Nos Estados Unidos, o PIB cresceu 2,5% em 2023, sendo que 6% desse avanço foi impulsionado pelo setor de energia limpa – o presidente Donald Trump já anunciou que pretende turbinar a exploração de petróleo e gás, reduzindo as restrições ambientais e enfraquecendo os incentivos para energia renovável e também para veículos elétricos. Na China, o setor foi responsável por cerca de um quinto do crescimento de 5,2% do PIB no mesmo período.

Ganhos substanciais também poderiam ser auferidos no Brasil. Segundo o Instituto Clima e Sociedade (IcS), o setor tem potencial de adicionar R$ 100 bilhões ao PIB brasileiro e criar 6,4 milhões de empregos até 2030. A recente Lei do Combustível do Futuro, sancionada em outubro de 2024, pretende ter a capacidade de gerar mais de 1 milhão de empregos diretos e indiretos. Atualmente, os setores automotivo e de biocombustíveis juntos representam 8% do PIB nacional, responsáveis por cerca de 4,5 milhões de empregos diretos e indiretos.

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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