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COP30: Indígenas denunciam danos espirituais e adoecimento mental pela degradação dos territórios


Lideranças relacionam impactos da mineração e dos conflitos de terra com o adoecimento mental nas comunidades


(De Belém, Pará) – Quando um Rio é contaminado ou quando uma Floresta é desmatada, os impactos não são apenas materiais. Para os povos tradicionais existem danos espirituais pela quebra dos seus vínculos com os territórios. “Danos espirituais são os parentes que morrem de tristeza nos territórios”, afirma a deputada Célia Xakriabá (PSOL).
Estudo feito por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indica que a taxa de suicídio é mais do que o dobro da população brasileira em geral. Segundo os dados analisados, a taxa de mortes autoimpostas entre indígenas era de 16,58 casos por 100 mil habitantes, contra 7,27 da população em geral.
Para Célia, o crescimento dessas mortes possui relação com uma série de violações contra os povos indígenas, desde a mineração e o garimpo, até os projetos que atentam contra os direitos aos territórios e inviabilizam o papel dessas comunidades na luta contra as mudanças do clima. “Queremos o reconhecimento de que o marco temporal é um crime climático”, enfatiza a deputada.
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Veja o que já enviamosNa COP30 (30° Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), diferentes lideranças indígenas descreveram o adoecimento de comunidades que sofrem com a violência e com a exploração dos seus territórios. “Estão destruindo tudo que tem na terra”, descreve Raoni Metuktire, 93 anos, cacique do Povo Kayapó que participou de discussão sobre o tema em Belém (PA).
Leia mais: “Temos que lutar contra essa exploração”: Cacique Raoni sobre petróleo na Foz do Amazonas
Raoni relembra do desrespeito histórico dos colonizadores e, depois, do Estado brasileiro, com diversas áreas consideradas sagradas para os povos originários. “Temos que estar juntos nessa luta para que possamos lutar contra aqueles que querem mal a esse universo”, disse. Muitas vezes, a destruição de áreas consideradas sagradas e lideranças espirituais é o primeiro passo da expulsão e, em última escala, do genocídio de um povo.
O assunto foi discutido nesta terça-feira (11/11) no painel “Danos Espirituais de Empreendimentos e Outros Eventos à Saúde e à Vida dos Povos Indígenas”. A atividade foi promovida pelo gabinete da deputada Célia Xakriabá (PSOL). Ela é autora do Projeto de Lei 3.799/2025 que propõe o reconhecimento e a reparação civil de danos espirituais em casos de violação de vínculos de comunidades tradicionais com seus territórios.
A proposta também pretende estabelecer a análise obrigatória sobre os possíveis danos espirituais em processos de licenciamento ambiental. O projeto ainda está em tramitação e aguarda o parecer da relatora Socorro Neri (PP) na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS).
Danos espirituais
A advogada Lucimara Patté, do Povo Xokleng, observa a ligação entre conflitos pela posse de terra e a falta de demarcação, com impactos sociais e emocionais, principalmente, nas mulheres indígenas. “Estamos adoecendo dentro e fora dos territórios”, afirma a cofundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA).
Os Xokleng são sobreviventes de um processo brutal de extermínio no sul do país e, atualmente, grande parte vive na Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina. Na cosmologia dos Xokleng – assim como em diversos outros povos tradicionais, existem espíritos (ngaiun) e fantasmas (kupleng) que habitam árvores, montanhas, correntezas, ventos e todos os animais.
“Somos nós mulheres que estamos na linha de frente, porque somos as responsáveis por passar os conhecimentos para nossas crianças”, destaca Lucimara. O reconhecimento de danos espirituais se relaciona com os impactos também em práticas, objetos simbólicos e bens imateriais para comunidades tradicionais, o que inclui práticas que inviabilizam a continuidade de rituais religiosos.


O caso de Capoto-Jarina
Sobrinho do cacique Raoni, Megaron Txucarramãe, 75 anos, vivenciou de perto os danos espirituais no Território Indígena Capoto-Jarina, em Mato Grosso. Ele foi um dos responsáveis por coordenar um grupo de indígenas que auxiliou no resgate dos corpos das vítimas do voo 1907, da Gol. Em setembro de 2006, a aeronave caiu após colidir com um jato executivo no ar.
O desastre matou todas as 154 pessoas que estavam a bordo e os destroços caíram no território indígena Kayapó. Após um longo processo de luta na justiça, a comunidade conseguiu uma indenização de R$4 milhões. “Os espíritos ainda estão naquela área em que caiu o avião”, aponta Megaron. No local, os indígenas não caçam ou abrem novas roças.
Além do caso de Capoto-Jarina, existem outros episódios que também resultaram em danos espirituais para povos originários, como no rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais. Os impactos atingiram diretamente a identidade e a ancestralidade dos Krenak, devido à contaminação do Rio Watu, como eles nomeiam o Rio Doce.
Coordenador da Comissão Guarani Yvyrupa, Leonardo Werá Tupã esteve no painel na COP30 e menciona as consequências da construção da Usina de Itaipu para os guaranis no Paraná. “Os territórios das nossas aldeias foram inundados e isso nunca foi levado em conta”, crítica. Segundo ele, os impactos nos modos de vida e os danos espirituais nunca foram reconhecidos pela Itaipu Binacional, empresa responsável pelo empreendimento.


Território Yanomami
Enfermeira indígena, Clara Opoxina atua há 13 anos na Terra Indígena Yanomami. Nesse período, ela vivenciou diferentes crises que afetaram diretamente a saúde e as condições de existência dessa população. Ela descreve as visitas feitas às aldeias durante a pandemia de Covid-19: “Haviam várias cabaças penduradas no shabono”, conta. Os shabono ou yanos são os centros comunitários dos Yanomami.
Clara também menciona os efeitos devastadores da mineração e do garimpo. Segundo ela, apesar da situação ter melhorado após as operações de expulsão dos criminosos em janeiro de 2023, os danos permanecem presentes. “Os impactos na organização social Yanomami deixam rastros para além da saúde, a reestruturação do bem viver levará tempo”.
A enfermeira também descreve o desafio gerado pela cooptação de jovens indígenas pelo garimpo, o que geralmente ocorre com uso de bebidas alcoólicas para deixá-los agressivos. Para Clara, é necessário um esforço em diferentes frentes para garantir os direitos da comunidade, o que inclui a educação escolar indígena e o respeito à ancestralidade dos Yanomami.
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Micael Olegário
Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.








































