As emissões que vêm do campo e as injustas acusações ao boi

É possível produzir carne no Brasil sem desmatamento e com baixa emissão de carbono

Por Eduardo Assad | FlorestasODS 13ODS 14 • Publicada em 13 de novembro de 2015 - 06:14 • Atualizada em 2 de setembro de 2017 - 15:57

Na agropecuária brasileira, analisamos dois grandes pontos que fazem parte do nosso inventário de emissões de gases do efeito estufa: a fermentação entérica do boi e a emissão provocada pelos fertilizantes. Os dois têm peso equivalente. Quanto aos fertilizantes, não conseguimos substituí-los rapidamente, de uma hora para outra. Aliás, consegue-se devagar, com bactérias fixadoras de nitrogênio, com adubos organominerais e algumas leguminosas.

Já na pecuária não é assim. O problema é a fermentação entérica, o gás metano emitido pelo boi. Isso, visto de maneira isolada, debita somente na conta do boi a culpa pela emissão. É como se o boi brasileiro fosse produzido em cima de uma placa de concreto. É preciso analisar o boi no pasto. Ou seja, analisar o sistema completo.  Quando isso é feito, percebe-se que o bom pasto retira, em termos de CO2, o equivalente àquilo que o boi emite. Se o pecuarista fizer um bom manejo do pasto e adotar as boas práticas agrícolas, esta emissão por fermentação entérica será reduzida. Aí, sim, a pecuária brasileira pode ser o principal responsável pela redução das emissões de gases de efeito estufa no setor agropecuário.

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Estamos, numa mesma área, produzindo mais carne por hectare, sem desmatar e com baixa emissão de gases de efeito estufa.

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As projeções de redução de emissões, feitas em 2009, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, em Copenhague, foram classificadas como muito otimistas. Dizia-se que os valores estimados pela Embrapa eram irreais. A ciência avançou, e aos poucos, quando experimentalmente foram sendo definidos os fatores de emissão na pecuária brasileira, e não mais seguindo os fatores “default” do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), percebeu-se que a redução poderia ser um pouco maior do que o projetado para Copenhague. O processo é lento, mas está avançando muito.

Por exemplo, quando houve o embargo aos municípios que mais desmatavam, os produtores começaram a trabalhar com tecnologia e a melhorar a eficiência produtiva, principalmente na Amazônia. Hoje, alguns resultados interessantes mostram que, em áreas onde o desmatamento está reduzindo, a produção pecuária aumenta. Estamos, numa mesma área, produzindo mais carne por hectare, sem desmatamento e com baixa emissão de gases de efeito estufa. São mais de 30 milhões de hectares nessas condições.

Existem outros 11 milhões de hectares que estão na situação contrária e que precisam ser recuperados. É onde ganha importância a chamada Agricultura de Baixa emissão de Carbono (ABC) que privilegia a recuperação de pastagens degradadas como principal linha de financiamento. Uma segunda linha de financiamento são os chamados sistemas integrados. Também conhecidos como integração lavoura-pecuária ou lavoura-pecuária-floresta.

Avalia-se que existam hoje algo entre 3,0 e 3,5 milhões de hectares de integração lavoura-pecuária e lavoura-pecuária-floresta. Em Copenhague, a projeção para o ano de 2020 era para 4 milhões de hectares. No momento em que sequestrar carbono e aumentar a eficiência produtiva viraram prioridades mundiais, fica evidente que a adoção dos sistemas integrados será ainda mais disseminada. Em 1970, começou-se uma discussão sobre o plantio direto. Eram utilizados entre 100 mil a 150 mil hectares. Atualmente, são 30 milhões de hectares. A integração lavoura-pecuária provavelmente deve ter este mesmo destino, nos 150, 160 milhões de hectares de pastos.

Para que tal fato aconteça é preciso disseminar mais informação e treinamento, o que não é uma tarefa fácil, porque deixa-se de falar em produto. Uma conversa sobre culturas solteiras, como soja, milho e arroz, que demoram de 120 a 140 dias para serem produzidas, dão lugar a sistemas de produção, que precisam de dois, três ou quatro anos para serem concluídos. Para tanto, é preciso agilidade do setor financeiro e dos serviços de extensão rural tanto público como privados. Este é o principal entrave para adoção dos sistemas propostos pela agricultura ABC.

O Brasil não pode perder essa oportunidade, somos protagonistas. O mundo inteiro olha para o Brasil e para a sua agricultura. Desde 2010, muita coisa vem avançando. Foi criado um Plano Nacional de Mudança do Clima, uma lei, um Plano Setorial de Baixa Emissão de Carbono, boas práticas agrícolas, incentivos à fixação biológica de nitrogênio, integração lavoura-pecuária-floresta, recuperação de pasto. Enfim, num país imenso como este, tudo tem dimensões gigantescas, e quando se adotam as práticas preconizadas pela agricultura ABC, significa que a nossa capacidade de sequestrar carbono ou fixar o carbono no solo é imensa. Somente com duas práticas da agricultura ABC é possível fixar entre 110 e 120 milhões de toneladas de CO2 de uma só vez, somente nos pastos degradados, sem contar a melhoria dos outros pastos. A ordem de grandeza é 170 a 180 milhões de hectares de pastos. Cerca de 200 milhões de cabeças.

A agricultura ABC é um grande trunfo que o Brasil tem na mão na discussão de Paris durante a COP 21. O mundo não pode deixar que a concentração de CO2 atinja 450 partes por milhão; hoje, avalia-se que a concentração é de 400 partes por milhão. A partir dos 450 ppm, as coisas começam a entrar num patamar em que não se sabe direito o que vai acontecer e corre-se o risco de chegar em torno dos 2°C de temperatura global, sem controle. Ou tomamos algumas providências no sentido de reduzir isso, ou vamos entrar num processo muito complicado de adaptação, tendo que nos acostumar com coisas que ainda desconhecemos. Como diria o professor Roberto Campos, o Brasil não pode perder a oportunidade de perder essa oportunidade!

 

Eduardo Assad

Colaborador do observatório ABC, pesquisador da Embrapa, professor do GV Agro e membro do comitê científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC)

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