ODS 1
‘O Brasil precisa ter uma mensagem clara para apresentar na COP30’
Maria Netto, diretora do Instituto Clima e Sociedade, diz que COP28 pecou ao não discutir mais adaptação climática e soluções baseadas na natureza
O Brasil precisa estar mais bem coordenado e com uma mensagem clara sobre o que pretende na COP30, que acontecerá em Belém, no Pará, em 2025: “trabalhar firme na infraestrutura do evento e dedicar espaço para as soluções baseadas na natureza e em energia renovável”. A visão é da diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Maria Netto, em entrevista ao #Colabora.
“Os resultados da COP28 deixam mais claros o tamanho do desafio desta corrida de dois anos até a COP30. A construção desta agenda demandará colaboração e participação ampla domesticamente, e, também, um amadurecimento das relações do Brasil com outros países do Sul Global – não só pelo governo, mas pela sociedade civil, academia e setor empresarial.”, completou a executiva.
Leu essa? COP28 avança contra combustíveis fósseis mas ambientalistas cobram mais ações urgentes
Em nota, divulgada nesta quarta-feira, dia 13, o ICS afirmou que a decisão final da última cúpula pode ser considerada histórica: pela primeira vez um texto de decisão da COP traz a necessidade de uma transição pela eliminação dos combustíveis fósseis. Embora muito aquém do esperado por instituições e organizações no mundo, a referência pode representar que a era dos combustíveis fósseis pode estar chegando ao fim: “O avanço é histórico, mas o caminho para fazer a transição ainda não está claro”, avalia Maria Netto.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosA diretora do ICS também acredita que, apesar da aprovação do fundo climático para financiar perdas e danos de países vulneráveis, faltou aprofundar o debate sobre financiamento para adaptação às mudanças do clima: “É quase mais importante o financiamento para se adaptar, para ser resiliente, para não ter perdas e danos”, complementa a diretora executiva, que abordou os impactos econômicos dos eventos extremos, dentre outros temas, em entrevista ao #Colabora.
#Colabora: Qual o seu sentimento em relação ao resultado da COP28?
Maria Netto: O sentimento é um pouco que o foco aqui foi muito só na questão do petróleo e gás, que é fundamental, mas não é a única. Aliás, a necessidade de uma transição pela eliminação dos combustíveis fósseis, embora muito aquém do desejado, pode representar que esta era esteja terminando. E isso a gente precisa começar a olhar. Não ficou muito claro nos textos de decisão, as soluções baseadas na natureza, a agricultura, os sistemas alimentares… E por outro lado, também a gente está vendo ainda a questão da adaptação à mudança do clima, apesar de um bom resultado com o Fundo de Perdas e Danos. Isso não resultou também no que é quase mais importante, que é o financiamento para se adaptar, para ser resiliente, para não ter perdas e danos. E isso não está saindo daqui como um acordo, inclusive é um dos temas mais contenciosos.
#Colabora: A Cúpula do Clima confirmou Belém como a sede da COP30, em 2025. Quais os principais desafios até lá?
Maria Netto: O primeiro desafio é o Brasil estar mais bem coordenado, ter uma mensagem clara do que ele quer realmente promover no papel da presidência do Brasil. E mesmo que a COP30 seja só em 2025, a expectativa global é que o governo brasileiro já vai fazer esse esforço de ser uma ponte entre os países, procurar consenso desde já. Nessa COP28 a gente não viu ainda esse posicionamento. O Brasil veio com uma posição individual, não teve um papel de coordenador, inclusive deu algumas mensagens contraditórias sobre o seu, digamos, seu compromisso com a mudança do clima. Coisas muito boas, mas também alguns anúncios como a OPEP+.
#Colabora: Que outros desafios?
Maria Netto: A gente viu aqui como a COP cresceu, se transformou num evento multifacetado. Com uma expectativa com mais de 100 mil pessoas e uma infraestrutura que não é fácil de replicar em nenhum lugar e que em Belém será um grande desafio. E esse desafio tem a ver também com a participação da sociedade civil. Essa COP28 não permitiu muito espaço de movimentos, para a sociedade civil se manifestar. (…) Então existe uma expectativa global, inclusive, da sociedade civil que o Brasil vai ser um país muito mais aberto. O último desafio, é que é natural que essa COP28, inclusive a próxima no Azerbaijão, tiveram foco muito grande sobre o petróleo e gás. Faz sentido porque esses países são petroleiros. Mas a gente tem que começar também a olhar quais são as expectativas, como apoiar e alavancar de verdade, com financiamento, incentivo, mercado do carbono, o que são as soluções baseadas na natureza e a energia renovável. Isso é o que o Brasil tem para dar como solução global, mas também a maioria do sul global. É de se esperar que o Brasil seja solidário com os países mais pobres.
#Colabora: Como você vê o avanço dos eventos climáticos extremos?
Maria Netto: A grande novidade, que a gente está vendo de forma exacerbada nos últimos cinco anos e não só agora, é uma maior frequência e intensidade desses eventos. E isso é o que começa já a ser a demonstração dos efeitos do aumento da temperatura na Terra, não só no Brasil. Tem países que foram historicamente mais vulneráveis a eventos climáticos, por exemplo, o Caribe. Mas de novo, o que tem acontecido para esses países nos últimos anos é que eventos que ocorriam sempre ocorrem mais e muito mais intensos.
#Colabora: Quais seriam outros países e regiões vulneráveis à crise do clima?
Maria Netto: Temos vários países que infelizmente são mais vulneráveis do que nós, na América Latina e América Central, que também é muito vulnerável. Temos, como exemplo, Bangladesh e Moçambique. Há muitos países mais vulneráveis que o Brasil. O triste é que a gente começa a ver no Brasil desastres naturais que não aconteciam antes e nem tanto. A gente não tinha no Brasil, nem contabilizava, nem mecanismos para responder a esses desastres. Os desastres, os grandes impactos, são mais visíveis. Têm impactos que, infelizmente, a gente não vê tão rápido.
#Colabora: Como se dão os impactos econômicos destes desastres?
Maria Netto: Este é outro tema, com o qual trabalhei muito tempo no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), a contabilização dos desastres. Numa busca rápida na internet, você verá que 50% dos desastres naturais (e seus efeitos) não são assegurados. Os cálculos que existem são que, para a América Latina, provavelmente 80% não são assegurados. E para países muito pobres, como Bangladesh ou menos desenvolvidos, como o Haiti, às vezes o asseguramento é muito menor. A primeira coisa que acontece é que o custo econômico real desses desastres é alto. O governo ou alguém tem que imediatamente pagar por aquela perda. Sem falar das perdas humanas, dos impactos sociais que, em geral, nesses casos extremos, são maiores para os mais pobres.
#Colabora: É preciso se preparar para os efeitos de médio prazo …
Maria Netto: Outro aspecto é que quando a gente fala dessas ondas de valor o pessoal está sempre falando muito dos eventos e da resposta rápida. (…) Qual é a preocupação? Quando a gente fala desses impactos que já estão ocorrendo, você tem que se adaptar melhor. Então você já deveria começar a pensar sobre como vão ser esses custos econômicos altos, sejam eles em um momento específico, quando o desastre ocorre, sejam eles talvez graduais. É preciso começar a entender que essa é uma realidade (global) que vai continuar ocorrendo e que vai piorar se a gente não reduzir as emissões. O Brasil não tinha, historicamente, uma visão muito clara sobre como financiar a adaptação e a resiliência da nossa infraestrutura, da nossa economia a esses eventos climáticos.
Relacionadas
Nilson Brandão
Nilson Brandão é advogado e jornalista, foi repórter e editor em grandes jornais em Economia e atua hoje como consultor em comunicação estratégica e reputação por meio da Conteúdo Evolutivo.