Brasil quer dinheiro, não metas

País quer concluir negociação de mercado de carbono, mas não assina documento com compromisso para zerar emissões até 2050

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 12 de dezembro de 2019 - 12:07 • Atualizada em 7 de abril de 2020 - 11:27

Secretary-General of the United Nations Antonio Guterres takes part in the Global Climate Action High-Level event at the UN Climate Change Conference COP25 at the ‘IFEMA – Feria de Madrid’ exhibition centre, in Madrid, on December 11, 2019. – Nations are gathered in Spain’s capital to finalise the rulebook of the 2015 landmark Paris climate accord, which aims to limit global temperature rises to “well below” two degrees Celsius and to a safer cap of 1.5C if possible. But the consensus-based talks are bogged down in politically charged wrangling over the architecture of carbon markets, timetables for the review of carbon-cutting pledges, and a new fund to help poor countries already reeling from climate impacts. (Photo by CRISTINA QUICLER / AFP)

Secretary-General of the United Nations Antonio Guterres takes part in the Global Climate Action High-Level event at the UN Climate Change Conference COP25 at the ‘IFEMA – Feria de Madrid’ exhibition centre, in Madrid, on December 11, 2019. – Nations are gathered in Spain’s capital to finalise the rulebook of the 2015 landmark Paris climate accord, which aims to limit global temperature rises to “well below” two degrees Celsius and to a safer cap of 1.5C if possible. But the consensus-based talks are bogged down in politically charged wrangling over the architecture of carbon markets, timetables for the review of carbon-cutting pledges, and a new fund to help poor countries already reeling from climate impacts. (Photo by CRISTINA QUICLER / AFP)

País quer concluir negociação de mercado de carbono, mas não assina documento com compromisso para zerar emissões até 2050

Por Liana Melo | ODS 13 • Publicada em 12 de dezembro de 2019 - 12:07 • Atualizada em 7 de abril de 2020 - 11:27

Secretário-gera da ONU, Antonio Guterres, defende novo modelo de tributação na COP25. Foto de Cristina Quicler/ AFP

(Madrid, ES) – O Brasil não está no grupo de 73 países que se comprometeram a zerar as emissões líquidas de carbono até 2050. O documento com a relação foi entregue na quarta-feira (11) à presidente da Conferência do Clima, Carolina Schmidt. No mesmo dia em que o secretário-geral da ONU, António Guterres, voltou a criticar a falta de vontade política de alguns países para enfrentar a crise climática. Participando virtualmente da COP25 – ele fez uma transmissão ao vivo pela internet no plenário da conferência -, Guterres sugeriu um novo modelo de tributação: “Se mudarmos a tributação da renda para carbono, vamos tributar a poluição em vez das pessoas”.

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O governo brasileiro parece não estar sensível ao apelo por mais ambição. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já repetiu inúmeras vezes que o governo Bolsonaro está na COP25 para pedir dinheiro e não para comprometer-se com metas — é zero a chance do Brasil revisitar e injetar mais ambição na NDC do país, ou seja, sua meta voluntária para redução das emissões de gases de efeito estufa. Salles tem dito que “é importante essa ação conjunta porque é dali que virão os recursos para a manutenção da floresta em pé”.

Numa articulação com a África do Sul, Índia e China, o Brasil recuou da sua posição histórica contra o avanço das discussões sobre o mecanismo de mercado previsto no artigo 6 do Acordo de Paris. Com a mudança, o objetivo do quarteto é garantir que os parâmetros do artigo 6 — uma pendência importante a ser concluída nessa COP — seja concluído em Madrid. Em contrapartida,  impuseram algumas condições: 1. que os países ricos assumam o compromisso de repassar recursos financeiros para os países em desenvolvimento e 2. que o antigo mecanismo de mercado de crédito de carbono, conhecido como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, tenha uma transição suave e não abrupta para o novo regime de mercado.

O frame da Cop25 é o frame da margem e não o que já está estabelecido. O país não pode ser premiado por ter floresta e ter Código Florestal

A mudança de posição do Brasil em relação ao artigo 6 foi explicada pelo economista Jorge Hargraves, diretor da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Produtividade do Ministério da Economia: “O frame da Cop25 é o frame da margem e não o que já está estabelecido. O país não pode ser premiado por ter floresta e ter Código Florestal”.

Observadores atentos das negociações interpretaram a presença de Hargraves na COP25 como uma maior influência do Ministério da Economia no debate climático, o que não vinha ocorrendo às vésperas da conferência. Ele chegou a questionar como estará posicionado o Brasil quando outras economias estiverem descarbonizadas.

O Brasil fez pouco até agora, depois que estabeleceu sua NDC

A mudança de posição foi vista com bons olhos, mas não é considerada suficiente. É que o país precisa ter uma governança climática. “O Brasil fez pouco até agora, depois que estabeleceu sua NDC”, comentou a presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), Marina Grossi, referindo-se as metas atuais e voluntárias. A União Europeia, por exemplo, já anunciou que, para atingir a meta estabelecida no Acordo de Paris, não hesitará em impor medidas para proteger sua indústria contra concorrentes intensivos em carbono. A ideia seria criar uma taxa de ajuste de fronteira.

A curto prazo, o Brasil não tem nada a temer, porque o país tem uma matriz energética limpa. Mas a longo, podemos perder essa vantagem comparativa. A Europa pode levantar uma barreira de cunho climático, mas que, no fundo, seria uma barreira comercial

“A curto prazo, o Brasil não tem nada a temer, porque o país tem uma matriz energética limpa. Mas a longo, podemos perder essa vantagem comparativa. A Europa pode levantar uma barreira de cunho climático, mas que, no fundo, seria uma barreira comercial”, analisou Ronaldo Seroa, professor de Economia do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Representantes do setor privado e de governos subnacionais foram à COP25 mostrar ao mundo que não estão totalmente alinhados com a posição do governo Federal. Os estados da Amazônia, por exemplo, foram um bloco. O governador do Pará, Helder Barbalho, está convencido de que os produtores rurais do seu estado precisam “mudar a lógica ostensiva pela lógica intensiva”. Hoje, são 0,9 cabeças de gado por hectare. Se pular para três cabeças de gado por hectare, a produção bovina do Pará pularia de 22 milhões de cabeças de gado para 75 milhões de cabeças de gado, sem precisar derrubar uma única árvore.

A floresta em pé deveria ser a nova commodity global

Admitindo que o ano de 2019 foi bastante desafiador, Barbalho disse que não é do seu perfil “brigar com os números e nem com a ciência” e defendeu que “a floresta em pé deveria ser a nova commodity global do futuro”.

Em setembro último, quando a Amazônia ardia em chamas, um grupo de empresas e entidades uniu-se para lançar a campanha “Amazônia possível”. A principal bandeira é o desmatamento ilegal zero. Faz sentido. Uma pesquisa recente constatou que das 55 empresas que atuam diretamente na região, especialmente nos estados do Amazonas e Pará, a concorrência com o mercado ilegal foi apontado como uma das principais dificuldades para atuar na região.

Protesto na COP25. Foto Cristina de Quicler/ AFP
Protesto na COP25 é reprimida pela segurança e interrompe negociações. Foto Cristina de Quicler/ AFP

À medida que a COP25 vai chegando ao fim, aumentam os protestos dentro e fora do Ifema Feria de Madrid. O acesso ao pavilhão 10, onde ficam os negociadores, teve seu acesso interrompido, no início da tarde de quarta 11, pelos seguranças da ONU. A repressão ao protesto — alguns manifestantes tiveram suas credenciais arrancadas pelos seguranças –, que teve duração de 15 minutos e mobilizou cerca de 200 pessoas, contrastou com a atitude pacífica com que o secretariado da ONU ouviu jovens, entre eles Greta Thunberg, que, um dia depois de ser chamada de piralha pelo presidente Bolsonaro, tornou-se a mais jovem Pessoa do Ano pela revista Time.

* A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedae (ICS)

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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